terça-feira, 17 de outubro de 2017

A CLT e a Carta del Lavoro são a negação uma da outra.


A CLT é de inspiração socialista. Tem 911 artigos e dota os trabalhadores de uma organização unitária e de direitos fundamentais. A Carta del Lavoro tem meia dúzia de folhinhas, com um conteúdo enrolativo, não garante direito nenhum e, sobretudo, define uma única organização para patrões e trabalhadores, por corporação. Portanto, não cria organização de trabalhadores nenhuma, ela impede essa organização. É o contrário da CLT. Uma foi criada no seio de uma revolução, para estimular a organização e garantir direitos, a outra, debaixo do fascismo, criada para discriminar, abafar e reprimir trabalhadores.
A contribuição compulsória garante a autonomia e a independência das entidades sindicais. Se o sindicato é de toda a categoria, se os benefícios dos direitos e das campanhas salariais vão para toda a categoria, então é um dever cívico, preliminar, que tem que ser garantido na Lei, a contribuição de cada trabalhador para a sua entidade de classe. Aliás, não há nisso, no essencial, nenhuma novidade. Todo o sistema democrático funciona desta forma. É um dever cívico do cidadão contribuir para o Município, para o Estado e para a União, assim como os benefícios são voltados para toda a população.

Considerar que só os filiados devam contribuir é incorrer no erro que já mencionamos, confundir sindicato com partido político. Partido é assim porque, como o nome diz, ele organiza uma parte apenas. Sindicatos, prefeituras, estados e nações, organizam o conjunto das categorias, dos munícipes, etc. E, em geral, é um direito garantido na lei.

A unicidade e a contribuição são um direito e um dever. Todos contribuem, todos se beneficiam. A minoria acata a vontade da maioria e o eleito passa a representar a todos. Graças a este preceito, nosso presidente Lula é respeitado e acatado pelas oligarquias que derrotou eleitoralmente.

A Lei, em si, não é necessariamente uma interferência indevida. Pode e deve ser a consolidação de uma conquista. É uma interferência para garantir os direitos da maioria. Isto não tem nada a ver com cerceamento da democracia ou da liberdade dos trabalhadores. Aliás, quem geralmente precisa mais das  leis é o povo, porque os poderosos têm outros meios para se garantir. Não é à toa que o neoliberalismo vive pregando a “desregulamentação” de tudo.

É balela essa conversa que a estrutura sindical brasileira não representa nada ou é fascista, baseada na Carta Del Lavoro. Quem fala isso nunca leu a Carta Del Lavoro. Precisa ler para falar dela. Eu li. Na carta, o sindicato junta empresários e trabalhadores numa só organização.  


REVOLUÇÃO DE 30

A estrutura sindical brasileira foi criada pela Revolução de 30 para defender os direitos dos trabalhadores contra a oligarquia que resistia à industrialização e ao desenvolvimento.
Foi essa mesma estrutura  que enfrentou a ditadura. Fez greve geral política no dia 21 de julho de 83. Nosso presidente Lula, que se elegeu com o apoio quase absoluto da estrutura,  se tornou conhecido no mundo comandando mobilizações dentro desta estrutura. Aliás, um dos sindicatos mais fortes da estrutura, é os metalúrgicos de São Bernardo que com o de São Paulo comandou o movimento sindical na época.

Não é por acaso que nem a ditadura, nem o imperialismo, nem o neoliberalismo de FHC e Collor conseguiram abalar as bases da estrutura sindical brasileira. 

Benedito Calheiros Bomfim, do alto de seus quase 96 anos, é, provavelmente, a maior autoridade em Direito do Trabalho no país. Somente isso já justificaria a publicação do texto abaixo. Porém, como acontece com autores realmente importantes, há outra razão, de natureza conjuntural, para publicá-lo.
Há pouco tempo, não mais que algumas semanas, o senador Paulo Paim (PT-RS), na tribuna da casa legislativa de que faz parte, alertou: "Estou sabendo que o Poder Executivo pretende enviar ao Congresso Nacional proposta para mudar a legislação trabalhista e criar duas novas formas de contratação, a eventual e por hora trabalhada. Na prática, nós sabemos muito bem o que isso representa: a perda de direitos sociais para os trabalhadores".
Aliás, pela sua importância, transcrevemos alguns outros trechos do pronunciamento de Paim no Senado:
"Tenho o dever e a obrigação de, a partir desta tribuna e utilizando os meios de comunicação desta Casa, fazer um alerta ao nosso País e a nossa gente. Está em plena gestação um processo para flexibilizar a Consolidação das Leis do Trabalho, CLT, a maior conquista social dos trabalhadores brasileiros. Da nossa parte, não aceitaremos em hipótese alguma, a retirada ou a redução de direitos e de conquistas da classe trabalhadora, forjados na luta cotidiana. A partir de hoje, estamos iniciando uma caminhada nacional de mobilização a fim de chamar a atenção de todos para o perigo que se avizinha. Não somos profetas do pessimismo e nem temos bola de cristal para prever o futuro. Porém, a história tem nos mostrado que devemos sempre vigiar e orar. A CLT foi criada em 1º de maio de 1943, pelo então presidente Getúlio Vargas e, em novembro, começou a vigorar. Portanto, em 2013 a CLT completará 70 anos. Ela surgiu de novas demandas do nosso País, que a partir de 1930 deixava de ter uma economia exclusivamente agrícola e passava a se tornar cada vez mais industrial. Novos perfis de trabalhadores surgiam e, nessa leva andarilha para o futuro, como queria Vargas, muitas foram as leis criadas para regulamentar o trabalho. A mobilização popular e a contribuição de vários intelectuais brasileiros foram fundamentais em todo este processo de progresso social e de proteção ao trabalhador".
O senador encerrou anunciando um projeto de lei para que 2013 seja considerado "O Ano da CLT". Baseado nas informações que lhe chegaram, Paim afirmou:
"... não podemos fechar os olhos para a ideia que estão tentando vender para a sociedade e que eu considero um engodo. As possíveis mudanças na CLT não representam modernidade. Pelo contrário, elas pretendem desmontar a CLT e acabar, repito, com diretos e conquistas dos trabalhadores".
Além da evidente importância política do tema, há mais a registrar: acabou definitivamente a época em que alguns intelectuais de salão diziam que a CLT era "copiada da Carta Del Lavoro, de Mussolini". A Internet tem o mérito de tornar o texto da última tão acessível quanto o da primeira, impedindo esse tipo de escroqueria. Como diz o senador Paim, a CLT é "a maior conquista social dos trabalhadores brasileiros" - e, aqui, não acentuaremos sua importância econômica, do ponto de vista de garantir um mercado interno para a indústria nacional, mas ela é, também, evidente.
Não por acaso, desde 1964, todas as modificações que se fizeram ou tentaram fazer na CLT sempre foram para piorá-la. A tese é sempre a mesma: como o Brasil "avançou", é preciso que os trabalhadores tenham menos direitos. O avanço do país, portanto, significa retrocesso para os trabalhadores. Logo, o país mais avançado é aquele em que os trabalhadores não têm direitos...
Sobre isso, o artigo do advogado Benedito Calheiros Bomfim é muito elucidativo. Na época em que Bomfim publicou o texto, o governo Fernando Henrique pressionava o Congresso para modificar o artigo 618 da CLT. Em poucas palavras, queria transformar a lei em letra morta, permitindo que uma falsa "livre negociação" fosse superior a ela - o que é totalmente inconstitucional, por razões óbvias: de que vale uma lei que além de permitir transgressões a si mesma (e não como exceção, mas como regra), também permite transgressões ao artigo 7º da própria Constituição? Imaginemos se a Lei Áurea "permitisse" aos escravos "negociar" sua continuação como escravos...
Um dos grandes momentos do presidente Lula foi quando, logo depois de assumir, em 2003, mandou retirar do Congresso o projeto de Fernando Henrique.
Apesar dos anos que se passaram, o artigo de Benedito Calheiros Bomfim é, considerando as palavras do senador Paim, perfeitamente atual.
C.L.
BENEDITO CALHEIROS BOMFIM*
Há anos, mais acentuadamente na última década, governo, empresários, mídia, parlamentares, seminários jurídicos, meios acadêmicos, publicações especializadas, todos discutem a "rigidez" da legislação trabalhista, e advogam a premente necessidade de sua mudança, com vistas à sua flexibilização.
Alega-se que, editada em 1942, a Consolidação das Leis do Trabalho, decorridas cerca de seis décadas, tornou-se obsoleta, ultrapassada, e necessita de imediatas e profundas alterações, visando à sua atualização e modernização, a fim de adequá-la à realidade do país e às exigências da economia globalizada. A reforma preconizada, no dizer de seus adeptos, reduziria o custo da mão-de-obra e de seus encargos, tornaria o país mais competitivo, estimularia o desenvolvimento econômico e a geração de empregos. E, em consequência, serviria para incentivar a vinda de capitais estrangeiros, o mesmo argumento utilizado para justificar a criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
Poucos temas, no país, alcançaram a intensidade polêmica, o nível de interesse e de polarização como o concernente à propugnada reforma da legislação do trabalho, baseada, agora, fundamentalmente, na proposta governamental de alteração do art. 618 da CLT, para estabelecer a prevalência do negociado sobre o legislado.
Não é propósito deste ensaio mostrar a inconstitucionalidade do questionado projeto, já demonstrada, entre outros, por juristas do porte de Arnaldo Sussekind e Alberto Couto Maciel. Diverso é o ângulo sob o qual pretendemos abordar o assunto.
Ora bem. Ao longo do tempo, a CLT vem passando por constantes e fundas modificações, na maior parte redutoras de vantagens e direitos dos assalariados. Entre elas, a mais importante mudança consistiu na criação do FGTS, que acabou com a estabilidade no emprego e com a indenização por despedida injusta, espinha dorsal do sistema, outorgando ao empregador o direito de despedida arbitrária. Com esse regime jurídico, que confere ao empresário liberdade para remanejar seu quadro de pessoal, equivalente à denúncia vazia no contrato de trabalho, aumentou a rotatividade na mão-de-obra, com sérios prejuízos, inclusive para a qualificação profissional, num país já carente de trabalho qualificado e de empregos.
Para atrair adesões ao FGTS, a legislação originária garantia aos optantes, no caso de acordo para rescisão contratual, o direito ao levantamento dos depósitos, regalia essa revogada logo que o Governo conseguiu que a maioria dos trabalhadores optassem pelo novo sistema jurídico.
A faculdade de opção, consagrada na lei, largamente alardeada, não passava de uma farsa, vez que a adoção do FGTS, na prática, erigiu-se em condição para admissão ao emprego. E os que já se encontravam trabalhando, se não optavam, geralmente sofriam pressão para fazê-lo, quando não eram demitidos.
Por isso mesmo, Victor Russomano, classificou o regime do FGTS como "tremendamente reacionário", e "intrinsecamente, nocivo aos interesses do trabalhador, considerados esses interesses, de forma macroscópica, dentro da empresa e da comunidade". ("A Estabilidade do Trabalhador na Empresa", pp. 295/297).
A Carta Política de 1988 generalizou o malsinado sistema do Fundo de Garantia, tornando obrigatória sua adoção.
No tocante ao prazo prescricional de 5 anos para propositura de ação (até o limite de 2 anos do fim do contrato), a Emenda Constitucional nº 28/00 igualou trabalhadores urbanos e rurais, restringindo direito destes últimos.
Da mesma forma, na área da Previdência Social - tema que não nos cabe analisar aqui - as alterações legislativas têm sido invariavelmente lesivas a benefícios e direitos dos segurados ativos e inativos.
A reforma radical por que passou a CLT consistiu na supressão da antiquada representação classista, instituição que representava a característica marcante, e, durante algumas décadas, a singularidade da nossa legislação trabalhista, mudança que importou em profunda reestruturação da Justiça do Trabalho.
A Constituição de 1946 reconheceu o direito de greve, mas um Decreto- Lei nº 9.070/46, que, na prática, proibia o exercício desse direito, embora lhe fosse anterior, foi considerado constitucional, por força de distorcida exegese do STF.
Ao aplicar a Lei nº 605/49, a jurisprudência trabalhista, após alguma hesitação, passou a entender que os mensalistas já têm integrado em seu salário a retribuição pelos domingos e feriados. Por isso, quando trabalham em tais dias só lhes é reconhecido o direito à remuneração do dia laborado, de forma simples, sequer sem o percentual devido por horas extras. Não fosse a Lei nº 605, receberiam as horas trabalhadas nos dias de descanso, como suplementares, com o adicional de 50%. Vale dizer, foram os trabalhadores prejudicados pela lei que teve por escopo beneficiá-los.
A CLT não estabelecia que "a caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade" (...) "far-se-ão através de perícia a cargo de Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrados no Ministério do Trabalho", o que passou a ser feito a partir da Lei nº 6.514/77. Acontece mais que a obtenção do adicional de insalubridade é dificultada e onerada com a obrigatoriedade dessa perícia, exigida mesmo quando não contestada pelo empregador, o que, além de ser um contra-senso, não se compadece com o espírito nem com a letra do aludido diploma legal.
Dentro da linha flexibilizadora, a Constituição de 1988 permitiu a redução de salários, compensação de horários e encurtamento da jornada, além da hipótese de turnos ininterruptos de revezamento. Os direitos resultantes da ação trabalhistas alcançam o período de 5 anos, mas, incongruentemente, só podem ser postulados até 2 anos contados da cessão da relação de emprego.
O salário mínimo vem decaindo de valor e, hoje, equivale a menos de um sexto do que, realmente, representava quando foi instituído. E cada vez se distancia mais da garantia estipulada no art. 7º, IV, da C.F. Como se não bastasse, nos últimos anos, com o agravamento da crise econômica e o alastramento do desemprego, o valor do salário real vem sofrendo sucessivas quedas. Na década de 90, o salário caiu 22,5%. O Brasil, hoje, é o segundo país do mundo em quantidade de desempregados, segundo divulgado. Nem é suficiente ao trabalhador possuir emprego. É indispensável, mais, libertá-lo do medo de vir a perdê-lo.
A Medida Provisória nº 1.906/97 e a Lei nº 9.971/00 acabaram com a correção do salário mínimo, que passa a ser definido por Medida Provisória do Executivo a cada ano.
Além do salário mínimo definido na Lei Maior, ficaram no papel "a relação de emprego protegida contra despedida arbitrária" e o "aviso prévio proporcional ao tempo de serviço".
A Consolidação das Leis do Trabalho, ao longo de sua vigência, vem sofrendo alterações, na maioria das vezes, benéficas aos empregadores. Tantas são as modificações nesse sentido, que, se se comparar a CLT originária com a atual, constatar-se-á facilmente a profunda desfiguração do texto original.
* Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho, ex-Presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros. Publicado em "Justiça do Trabalho", nº 225, p. 6.
http://www.horadopovo.com.br



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