quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Getúlio no 7 de Setembro: a luta pela independência econômica


Muita coisa poderia ser dita sobre o discurso do presidente Getúlio Vargas, no Sete de Setembro de 1951, durante as solenidades da Hora da Independência, que hoje publicamos.
Sobretudo hoje, que temos uma quadrilha especialmente vulgar, instalada no governo, e o país está sendo destruído pela subserviência econômica aos monopólios financeiros, sobretudo externos, poderíamos contrastar a visão e os objetivos de nosso maior presidente, ou o Brasil daquela época, com a mediocridade dos últimos anos - que conduziu a isto que está aí.
No entanto, preferimos que o leitor o faça, ao ler o discurso de Getúlio.
Resta-nos dizer que este é um dos mais importantes discursos de Getúlio – e um dos mais desconhecidos.
Como fonte para o texto, utilizamos a edição da “Última Hora” (Rio de Janeiro) do dia oito de setembro de 1951, que, como manchete, reproduzia um trecho do discurso: “Juremos lutar por um Brasil livre da subserviência econômica”, com o seguinte “olho”: “Vargas fala às massas, reafirmando as linhas mestras de seu governo, no dia em que exaltamos a nossa independência política” - e acompanhado do texto de primeira página: “O discurso que o Presidente Getúlio Vargas pronunciou ontem, à tarde, iniciando a solenidade da "Hora da Independência", na praça fronteira ao edifício do Ministério da Educação, presentes o Corpo Diplomático acreditado no país, representantes especiais estrangeiros, altas autoridades brasileiras e grande massa popular, é um documento de alta significação, não só pelos conceitos que emite sobre a nossa independência política, como pela análise que faz da luta pela nossa independência econômica. Reafirmando a tradição da política brasileira quanto às relações com os outros povos e acentuando quais são os nossos principais inimigos, Vargas proferiu uma oração que está, sem dúvida alguma, destinada à mais profunda repercussão, não só no Brasil, como no exterior. A íntegra deste documento, importante sob todos os seus aspectos, para a vida brasileira, vai publicada na segunda página deste caderno”.
Na segunda página, além do discurso, estão reproduzidas as circunstâncias em que foi realizado, oito meses após a posse de Getúlio, eleito presidente nas eleições de 1950:
“As comemorações do ‘Dia da Pátria’ foram encerradas com a solenidade cívico-artística da Hora da Independência, realizada no pátio do Ministério da Educação e durante a qual o presidente Getúlio Vargas falou à Nação.


“Cento e sessenta professores das orquestras do Teatro Municipal a Sinfônica Brasileira; cento a vinta músicos das Bandas do Corpo de Bombeiros e da Prefeitura do Distrito Federal; coros de duas mil vozes do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, dos professores e técnicos de Educação Musical da Prefeitura do Distrito Federal, dos professores de canto orfeônico do Estado do Rio de Janeiro, do Teatro Municipal, dos alunos do Instituto de Educação e do Colégio Pedro II tomaram parte na grande concentração cívico-musical, que teve como solista Cristina Maristany, estando a regência a cargo do maestro Villa Lobos.
“O presidente Getúlio Vargas chegou ao Ministério da Educação às 16 horas, acompanhado dos membros dos Gabinetes Militar e Civil da Presidência da República, sendo conduzido pelo ministro Simões Filho e prefeito João Carlos Vital ao Jardim Suspenso daquele Ministério e de onde assistiu à festividade.
“Achavam-se presentes ministros de Estado, senadores, deputados, representantes do Corpo Diplomático, e altas autoridades civis, militares e eclesiásticas. No pátio onde fora erguido um palanque destinado à concentração cívico-musical, viam-se representações das Eecolaa Naval, Aeronáutica, Educação Física, bem como representantes de organizações de escoteiros e de entidades desportivas desta Capital.
“A Embaixada Universitária de Coimbra esteve, igualmente, presente à solenidade.
“Após a execução do Hino Nacional por orquestras e bandas, o presidente Getúlio Vargas pronunciou o importante discurso, que publicamos em separado”.
Com o discurso de Getúlio em 1951, iniciamos nossas comemorações do Dia da Pátria, aqui no HP.
C.L.
GETÚLIO VARGAS
As comemorações do Dia da Pátria devem ter para nós uma dupla significação. Transportam-nos aos dias gloriosos da nossa independência política, evocando o esforço secular do nosso povo para atingir à emancipação e à maturidade social. Recordam os grandes nomes do passado que construíram essa Independência e os soldados heroicos que a defenderam, nas lutas que preenchem a nossa história.
Mas também nos fazem olhar para o presente e para o futuro, onde se delineia a segunda fase do mesmo movimento de libertação nacional. Para o presente, porque a independência conquistada exige trabalho e sacrifício cotidiano, para ser conservada e defendida; para o futuro, porque ainda existe alguma coisa por obter, como complemento da independência política e continuação do mesmo impulso de emancipação nacional. Refiro-me à independência econômica, como sustentáculo material da Nação e como condição precípua do equilíbrio e da igualdade social.
A independência econômica não se adquire necessariamente com a independência política: é tarefa lenta e difícil, que se arrasta por muitos decênios, que às vezes se retarda por séculos e cujo êxito final depende de inúmeros fatores, alguns previsíveis, outros condicionados aos fenômenos gerais da organização mundial.
A independência política é um ato de força, que se prepara como revolução e que se concretiza num instante decisivo, criando uma nova ordem jurídica e traçando sobre o mapa continental os limites de uma nova soberania. Uma vez conquistada, ela se impõe como fato e como direito e seus efeitos perduram, desde que o povo, que se fez independente, saiba conservar - como nós temos sabido - o bem que adquiriu.
Muito diversa é a independência econômica. Não provém de uma revolução, mas de um processo evolutivo, que se vai completando a pouco e pouco. Não cria uma nova ordem jurídica, porém transforma lentamente a ordem já criada, procurando adaptar o formalismo das normas às exigências materiais da vida humana em sociedade. Não traça no mapa das nações nenhum limite novo de soberania, mas delimita, dentro do próprio meio social, a independência real do indivíduo e as condições fundamentais da vida – o bem-estar, a felicidade, os confortos indispensáveis à fecundidade do trabalho, e, de modo geral, aquele princípio equitativo que aconselha uma gradativa e proporcional distribuição da riqueza, dos bens materiais e das amenidades da existência entre os que trabalham e produzem.
Essa tarefa não é obra de uma geração, nem apanágio de um século: é uma soma infinita de esforços sucessivos, é produto de um longo período de adaptação às circunstâncias da vida em comum e às condições da própria economia mundial. A bem dizer, a independência econômica não tem um dia decisivo de ultimar-se, não pode fixar-se numa única data histórica, como a independência política, que hoje celebramos com o mesmo orgulho e o mesmo entusiasmo com que temos feito há cerca de cento e trinta anos.


A independência econômica é um eterno processo de desenvolvimento, uma sucessão de ciclos que se ampliam, que não raro se renovam, e que parecem desconhecer qualquer termo final. Para sustentá-la, portanto, para consolidá-la e para dilatá-la, é preciso manter sempre aceso o fogo sagrado e vigilante do nosso patriotismo e do nosso devotamento à causa pública. Todo novo governo tem por missão vencer mais uma fase desse processo: e o caminho percorrido será tanto maior quanto melhor forem assimiladas e compreendidas a grandes necessidades populares. Aproximar-se do povo, auscultar-lhes as aspirações profundas, sentir-lhe a miséria, o sofrimento, o clamor de desespero que se levanta das camadas desfavorecidas da fortuna, acompanhar de perto os reclamos da subsistência individual, penetrar nas crises profissionais e domésticas, ouvir os apelos que saem dos lares, das oficinas, das fábricas, das escolas, fazendas e dos campos; procurar resolver as crises, melhorar as condições de vida, aumentar o conforto e assistência aos que trabalham, proporcionar a todos os homens padrões mais altos de existência e igualdade de oportunidade na luta pelo pão cotidiano – essa grande e primordial missão de todos os governos.
E, fazendo isso, estamos construindo lentamente a independência econômica e lutando contra os seus principais inimigos, que são o imperialismo, na esfera internacional, e a exploração do homem pelo homem, no meio interno.
Não alimentamos ambições territoriais, nunca praticamos uma política de prestígio e de expansionismo, nem enveredamos pelas aventuras de domínio e pelos sonhos de hegemonia. Não estabelecemos distinções e discriminações entre os que tiverem a ventura de nascer no nosso solo e os que por circunstâncias ou causas diversas vieram abrigar-se sob a nossa bandeira e amar por igual a terra generosa e hospitaleira que se transformou na sua pátria de adoção.
Respeitadora dos direitos alheios, exemplar na sua conduta internacional, pacífica, desinteressada e altruística nas suas relações com os outros povos, podemos orgulhar-nos duma Pátria livre, independente e soberana, vivendo sob os influxos dos princípios cristãos e solidária com os anseios da fraternidade humana. A sociedade brasileira evoluiu e progrediu como a imagem refletida do espírito de harmonia e concórdia que prevaleceu desde os albores da nacionalidade e tem sucessivamente inspirado e ditado as linhas mestras do nosso convívio nos quadros da ordem internacional.
Queremos apresentar-nos diante do mundo como uma força benéfica e o exemplo duma paz social que não se deixa contaminar ou perturbar pelas competições dos interesses, pela rivalidade dos egoísmos, pelas lutas de classes ou pelos predomínios de grupos, regiões ou influências.



































A independência econômica possui também um dístico e uma bandeira. Sua bandeira é a da solidariedade humana e do sacrifício de todos pelo bem comum. Seu dístico é aquele que os fundadores da República em nossa Pátria souberam descortinar com lucidez e mandaram escrever nitidamente entre as cores da bandeira nacional: "ordem e progresso". Ordem e disciplina nas relações sociais, para que não ultrapasse cada qual os limites das suas necessidades e das suas capacidades; progresso no conjunto da sociedade, para que melhorem as condições de vida e todos conquistem maior parcela de benefícios e obtenham existência mais fácil, mais confortável, mais tranquila, mais sadia, mais justa e mais cheia de esperanças no futuro.
Para alcançar esses objetivos é que nos esforçamos nós todos os que lutamos e trabalhamos pela Pátria. Eles são o alimento e a inspiração do meu Governo.
Brasileiros!
Tudo o que tenho feito e continuarei fazendo no Governo visa fortalecer a vossa independência econômica e preparar para vós e para os vossos filhos melhores dias, maior bem-estar.
Unamo-nos todos em volta da nossa bandeira e que a celebração do Dia da Pátria, relembrando o marco histórico da independência política, nos estimule sempre, cada ano com maior entusiasmo, a continuar edificando para o futuro a nossa independência econômica.
Cada vez que festejardes o 7 de Setembro, deveis ter a satisfação de verificar que vencestes mais uma fase na luta pela igualdade e pelo bem-estar social, e que dias melhores hão de sorrir para os vossos filhos. Este é o meu desejo ardente, são esses os meus votos e os motivos mais constantes de todos os meus empreendimentos, na suprema magistratura da Nação.
Unamos os nossos corações cheios de fé e de esperança e juremos lutar, até o máximo sacrifício, por um Brasil grande e unido, forte e independente — livre de injunções políticas, mas livre também da subserviência econômica e integrado na justiça social.
http://horadopovo.com.br/2017/09Set/3568-06-09-2017/P8/pag8a.htm

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