terça-feira, 30 de maio de 2017

Seminário “Estado de Direito ou Estado de Exceção?”





TEXTO DO DISCURSO

Quem quer ser universal, canta a sua aldeia.
Lembro-me desta frase de Marshall McLuhan, que era dita nos momentos em que, na falta de partidos e sindicatos fortes, a juventude se transformava na linha de frente na luta contra a ditadura e pelas eleições diretas.
Sei o que é o uso da Lei, do Ministério Público e do Judiciário contra um governo e contra uma política popular. Sofri isso desde os primeiros dias em que governei o Paraná, primeiro na década de 90, depois nos anos 2000.
Mas porque foi assim?
Em uma palestra recente, o general Villas Boas chama a atenção para o que ocorreu e está ocorrendo no Brasil, nessas últimas décadas. Até os anos 80, tínhamos, de uma forma ou de outra, um projeto nacional de desenvolvimento. E o Brasil produzia, industrialmente, mais que a Coréia do Sul, Tailândia, Malásia e China, somadas. Hoje, não chegamos a 15 por cento da produção chinesa.
Por que?
O general Villas Boas destaca a adesão do Brasil aos princípios da Guerra Fria. Deixamos de ter um projeto nacional e inserimo-nos de cabeça na disputa entre os Estados Unidos e a União Soviética. O liberalismo norte-americano e o comunismo.
Deixamos de ter um projeto nacional e dividimos a nossa sociedade, com as supostas e pretendidas elites estabelecendo uma discriminação odiosa a tudo o que parecesse ser de esquerda, pró comunismo. E esse passou a ser também o comportamento do Judiciário, do Ministério Público, das Polícias Federal, Militar e Civil.
Enquanto isso, Brasil perdia a perspectiva de um projeto nacional e via o seu desenvolvimento encolher, estiolar-se.
O general Villas Boas observa que podemos entrar novamente em uma outra Guerra Fria.
Agora, não mais a contraposição de ideologias e sim geopolíticas, com uma divisão de trabalho que nos coloca na condição de produtores de matérias primas, com um baixo nível de industrialização, e sob o domínio da financeirização econômica.
É neste momento, a meu ver, com informações que os serviços de inteligência norte-americanos obtiveram com o controle da internet e de escutas telefônicas, que se deflagra a campanha contra a corrupção.
Uma corrupção endêmica e sistêmica no processo eleitoral brasileiro, mas que passa a servir de biombo para o desmonte do que ainda remanescia do sonho de um Estado Nacional Soberano no Brasil.
A hermenêutica dos juízes e a manipulação das leis não conhecem mais limites, dando cobertura a reformas que destroçam os direitos dos trabalhadores e minam as bases de um Estado Soberano.
Brasil produtor de commodities minerais e agrícolas; venda de terras para estrangeiros, sem limite de extensão; precarização absoluta do trabalho.
Enfim, Brasil celeiro do mundo e trabalho semiescravo, à disposição dos capitais hegemônicos do planeta. Adeus a um país soberano!
Mas quais são as alternativas?
Temos o exemplo do New Deal norte-americano, com grandes investimentos públicos, redução da carga horário dos trabalhadores e aumento salarial, para que o mercado interno alavancasse o país.
Temos o exemplo da Nova Política Econômica Alemã, com a redução brutal dos juros da rolagem da dívida e a criação do MOFE, a moeda não-moeda e a garantia de rentabilidade para que o capital fosse investido em grandes projetos públicos de infraestrutura.
Hjalmar Schacht, Taylor, Ford, tudo sistematizado e inovado por Maynard Keynes.
Este é um caminho.
A partir desta introdução da visão ideológica que contamina o Direito, caiu-me às mãos o relatório do Projeto de Lei que regulamenta a punição ao abuso de autoridade.       
Não tenho intenção de me ater à literalidade do tema proposto para este seminário.
Aos 76 anos, há mais de 60 anos debatendo, protestando, agitando, marchando, denunciando, assinando manifestos, posso me autoconceder indulgência plenária, absolvendo-me da indisciplina de fugir do script.
Acredito que não sejam apenas eu, minhas sete décadas e seis anos de vida que estejam cansados das palavras, das análises de conjuntura, das denúncias, da revelação do mais recente escândalo, da última trapalhada da direita, do genial artigo de fulano, beltrano …. e coisa e tal.
Chega.
Todos os temas foram expostos e suficientemente aclarados. Não há mais o que discutir.
Discutir que este maldito é antinacional, antipopular e antidemocrático?
Quem é que não sabe?
Discutir que as reformas trabalhista e previdenciária servem apenas ao patrão e ao capital?
Há ainda alguém que ignore ou que duvide?
Discutir o abuso de autoridade?
Discutir que os juros são extorsivos, que não se retoma o crescimento econômico sem investimentos públicos, que o protecionismo é indispensável para o fortalecimento da indústria nacional, que nenhum país se desenvolve ancorando sua economia nas commodities, agropecuárias e minerais?
Que novidade há nisso?
Discutir, denunciar que estão entregando petróleo, terras, minérios, os ares, os mares e as florestas?
Quem é que desconhece?
Passar horas acessando blogs de esquerda e se comprazendo com que se lê, satisfazendo-se e sentindo-se vingado dos fascistas?
Para quê?
Assomar as tribunas, qualquer tribuna, para denunciar os descalabros e desmandos na educação, na saúde, o desmonte do SUS, desse e daquele programa?
E daí?
Companheiros. Amigos e amigas que comigo dividem o pão amargo desses dias. Não faltaram palavras, não faltou uma vírgula sequer em nossos discursos, em nossos artigos, em nossos debates.
Dissemos tudo!
Dissemos tudo, uma, duas, mil vezes!
O que então estamos esperando para cruzar o rio, para jogar a cartada decisiva de nossas vidas?
Senhores, senhoras, convençam-se: não há mais espaço para a conversa, para os bons modos.
Os nossos adversários só dissimulam cordialidade e gentileza enquanto não pisamos nos calos de seus interesses.
Precisamos de uma vez por todas, definitivamente, convencermo-nos de que a direita julga o poder como seu por direito, uma atribuição inseparável de sua classe, a ela concedido e dela inconquistável.
Já falei mais de uma vez, na tribuna do Senado, sobre as reflexões finais de François Miterrand. Tomado pelo câncer, ciente da morte próxima, o presidente francês, apesar de todas as concessões feitas aos liberais, fala sobre a longa disputa com a direita, em seu país e na Europa.  E conclui que não existe a possibilidade de uma disputa leal, realmente democrática, aberta com a direita.
Porque a direita considera o poder como seu como os monarcas absolutistas julgavam-se governantes por determinação divina.
Examinem a história brasileira.
Estivemos efetivamente algum dia no poder? Detivemos efetivamente o poder?
Ou fomos apenas governos, estivemos apenas no governo, em governos limitados, cercados, vigiados e constrangidos pelo poderio midiático e econômico da direita entreguista?
Ainda assim, por quanto tempo permanecemos no governo, antes que fôssemos golpeados?
Ah, deus meu! Quanta ilusão! Como a soberba, a arrogância, as tentações, a vaidade cegaram-nos.
Era claro que o poder não era nosso. Era claro que éramos tão-somente intrusos, tolerados, amaciados, acarinhados, paparicados. Era claro que a maioria na Câmara, no Senado, nas Comissões era uma maioria enganosa e oportunista e que jamais votaria qualquer coisa que contrariasse os verdadeiros detentores do poder.  
É isso que buscamos quando falamos de candidaturas e não de um projeto de poder?
Queremos voltar ao governo para quê? Para sermos novamente golpeados, quando ousarmos ultrapassar os estreitos limites que eles reservam para os nossos movimentos?
Recusemos o governo!
Queremos o poder!
Queremos candidaturas?
Antes das candidaturas, vamos tramar, tecer, conjurar, conspirar um projeto de poder. E que as candidaturas sejam dele decorrentes.
Doe-me a idade, doem-me as frustrações. Mas, sobretudo, sangra e dói a alma quando vejo que marcamos passos nos mesmos erros.
Os nossos interesses, os interesses dos trabalhadores, dos agricultores, dos estudantes, da pequena burguesia, dos intelectuais, dos funcionários públicos, dos professores, dos profissionais liberais são inconciliáveis com os interesses dos donos do poder. Os propósitos nacionais, democráticos e populares são dissonantes com os propósitos deles.
Como diz o Lindbergh, não temos elites, temos classes dominantes.
E essa incompatibilidade, essa inconciliação deve ser resolvida como?
Primeiro, com o reconhecimento e a aceitação do antagonismo.
E, a partir disso com a fundação de um projeto de poder próprio, que tenha como norte os propósitos nacionais, populares e democráticos das classes e dos setores de classe desvinculados do grande capital, nacional e global.
Não um plano de governo! E sim um projeto de poder!
Um Projeto Nacional. O projeto desejado pelo general Villas Boas.
Um projeto para o Brasil, para os brasileiros, porque essas supostas elites se comportam como as elites dos países mais desenvolvidos, ancoradas no capital financeiro e sem nenhuma visão de solidariedade, de amor, de perspectiva de vida para os mais pobres.
Com a Bíblia e o Papa Francisco repetimos: não se pode servir a Deus e a Mamon, sendo que Mamon não é outro Deus ou o diabo e sim uma palavra hebraica que significa singela e simplesmente o dinheiro.

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