quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Os ganhos dos bancos estrangeiros e seu conúbio indecente com o BC


Os bancos estrangeiros conseguem ser mais parasitários até que os bancos privados internos
CARLOS LOPES
Relatório de Economia Bancária e Crédito 2014, publicado pelo Banco Central na última sexta-feira, revela um quase total domínio dos bancos estrangeiros sobre as transações com os chamados derivativos cambiais.
Diz o relatório: “as participações de cada tipo de banco têm-se mantido relativamente estáveis ao longo do tempo, com os bancos estrangeiros detendo aproximadamente 70% do volume total negociado em swaps, seguidos pelos bancos privados (25%) e pelos públicos (5%)” (BCB, Relatório de Economia Bancária e Crédito 2014, p. 78).
De janeiro a outubro deste ano, o prejuízo acumulado do BC nas operações com esses títulos (swaps cambiais) estava em R$ 94 bilhões - aumentando a transferência de dinheiro, via juros, do setor público para o setor financeiro (cf. BCB, Relatório de Política Fiscal outubro/2015, Quadro XLII).
Portanto, é claro em benefício de que segmento do setor financeiro, sobretudo, essas operações são feitas: os bancos de propriedade estrangeira.
Nem estamos nos referindo, ainda, ao fato de que os bancos que ganham bilhões com swaps cambiais também são os representantes (“dealers”) do BC nas operações do mercado de câmbio - o que é um pouco mais do que perfeitamente indecente: em qualquer outro setor da economia, esse conúbio em causa própria, onde a “informação privilegiada” é possuída oficialmente pelos bancos estrangeiros privilegiados, já teria demandado a presença da polícia.
[NOTA: Atualmente, os 14 “dealers” que atuam em nome do BC no mercado de câmbio são cinco bancos dos EUA (Bank of America Merrill LynchCitibankJ.P. MorganMorgan Stanley e Goldman Sachs), um banco suíço (Credit Suisse), um banco francês (BNP Paribas), um banco anglo-hispânico (Santander), um banco inglês (HSBC Bank), três bancos internos (Itaú Unibanco, Bradesco e o banco do atual presidiário André Esteves, o BTG Pactual), um banco de nacionalidade indefinida (Safra) e apenas um banco público, o Banco do Brasil.]
Mas, continuemos com o Relatório de Economia Bancária e Crédito do BC.
Quando a outra parte da transação com derivativos cambiais é uma empresa não-financeira, “os estrangeiros detêm pouco mais da metade do mercado de swaps” (cf. rel. cit., p. 78).
Porém, não é somente: nos contratos de moeda a termo (“non-deliverable forwards” ou NDF), um título derivado - isto é, um derivativo cambial - especialmente importante por sua utilização como “hedge”, isto é, “seguro” de outras operações, “a participação de bancos estrangeiros aumentou aproximadamente 15 p.p., entre 2010 e 2014, chegando a três quartos do mercado no último trimestre de 2014” (idem).
O BC constata que, quanto às operações de NDF, “o volume total cresceu mais de quatro vezes ao longo de um período de cinco anos”. Quando a outra parte da transação é uma empresa não-financeira, “o crescimento também foi expressivo, 3,5 vezes nos últimos cinco anos”. Nesse caso, “a participação de bancos estrangeiros aumentou aproximadamente 10 p.p., entre 2010 e 2014, e atingiu 62% do mercado no último trimestre de 2014” (idem).
 COISAS
Resumindo: os derivativos cambiais - setor em que o Banco Central é o principal cliente - são um “nicho” dos bancos estrangeiros. O que explica algumas outras coisas.
Por exemplo, por que os bancos estrangeiros, em outras áreas, não atacaram de modo mais agressivo os bancos internos, sobretudo o Itaú Unibanco e o Bradesco.
Apesar dos últimos - para usar uma expressão ouvida no Senado - serem “tamboretes” perto do J.P. Morgan, Bank of America ou Citibank, “no período de 2005 a 2011, em média, cerca de 23% dos ativos do sistema bancário pertenciam a bancos de controle estrangeiro, 45% a bancos privados nacionais e 33% a bancos públicos. Por sua vez, entre 2012 e 2014, a média diminuiu para 19%, em bancos estrangeiros, e 42%, em privados nacionais, e aumentou para 39%, em bancos públicos” (cf. rel. c it., p. 66).
Especificamente, a baixa participação dos bancos estrangeiros no crédito, tanto às empresas quanto às “pessoas físicas”:
Entre 2012 e 2014, o volume médio de créditos concedidos por bancos estrangeiros foi de cerca de R$ 392 bilhões, inferior à média de R$ 447 bilhões (...) no período entre 2005 e 2011. Houve redução de 5 p.p. na participação dos estrangeiros nas concessões [de crédito], de uma média de 26% para 21% (…). Como resultado, houve aumento de 5 p.p. na participação dos bancos públicos nas concessões, de uma média de 24%, entre 2005 e 2011 (...), para 29%, ultrapassando a participação dos estrangeiros” (idem, p. 67, grifo nosso).
Esses dados referem-se ao crédito em geral - ao total de operações de crédito, independente da modalidade do crédito ou do tipo de tomador do empréstimo.
A conclusão é que os bancos estrangeiros conseguem ser mais parasitários até que os bancos privados internos (onde estavam, em 2014, 50% do total de operações de crédito).
A questão é que a entrada dos bancos estrangeiros no mercado interno não serviu, em absoluto, para aumentar o crédito na economia. Pelo contrário.
CRÉDITO/PIB
 No Brasil, em 2014, todo o crédito para as empresas (incluindo o BNDES e demais bancos públicos), chegava a 31,3% do PIB.
Se incluído o crédito para as “pessoas físicas”, o volume total de crédito no país chegava apenas a 58,9% do PIB, o que é completamente insuficiente para uma economia do tamanho da brasileira.
Para comparação: também em 2014, nos EUA, essa relação estava em 194,8% do PIB; na China, em 141,8%; na Coreia do Sul, em 138,5%; na Inglaterra, em 141,2%; na Suécia, em 131,9%; em Singapura, tão badalada por alguns, 131,5%; na Holanda, 117,9%; na Malásia, 124,7%; no Japão, em 187,6%; e até o Chile nos superava em crédito: 109,4% do PIB (cf. The World Bank, Domestic credit to private sector (% of GDP) 1960-2014; notar que esses dados do Banco Mundial não incluem o crédito ao setor público; portanto, a diferença em relação ao Brasil é ainda maior).
Não é uma questão pouco importante: a restrição de crédito está diretamente relacionada com as altas taxas de juros que asfixiam o país há décadas - e, portanto, com a derrubada do crescimento.
Em 2014, todo o crédito à industria de transformação montou a 8% do PIB. Se tomarmos a indústria de máquinas e equipamentos, todo o crédito a esse setor decisivo não passou do equivalente a 3,3% do PIB (em valores correntes: R$ 18 bilhões e 684 milhões). Como é possível crescer com esse nível tão baixo de financiamento?
Não é uma questão nova, evidentemente. A 30 de maio de 1947, em discurso no Senado, respondendo ao senador Ivo D'Aquino (PSD-SC), que defendia a política econômica recessiva, supostamente anti-inflacionária, do governo Dutra, disse Getúlio Vargas:
“... acha o ilustre senador que o volume total dos meios de pagamento – moeda em circulação e depósitos à vista – deve estar em relação conveniente com o volume total dos bens, das mercadorias e dos serviços. Parece lógico que a solução para o problema não é restringir créditos, e sim aumentar a nossa produção e riqueza, aumentando, portanto, os bens, as mercadorias e os serviços” (cf.Getúlio Vargas, Perfis Parlamentares nº 62, Edições Câmara, Brasília, 2011, p. 591, grifo nosso).
Porém, em 1947 não havia, no Brasil, as siderais taxas de juros que, hoje, são o principal entrave ao investimento e ao financiamento das empresas nacionais – taxas que, aliás, não existem, hoje, em país algum do mundo.
Aliás, Getúlio firmou a concepção inversa, isto é, normal: “... sem crédito abundante, sem juros módicos, sem permanente e estimuladora assistência financeira será impossível levar a economia nacional à plenitude de suas realizações” (GV, discurso em Curitiba, 18/09/1950).
O grande presidente estabelecia uma relação imediata entre o conflito da especulação com a indústria e a situação dos trabalhadores:
No choque entre as forças da finança e da indústria, quem sofre é o trabalhador, condenado brutalmente, por essa luta, a conhecer misérias e angústias maiores do que as que já tinha de suportar. Nega-se ao trabalhador uma parcela de dinheiro para reajustamento de seus saláriosalegando-se que isso afetará o custo da produção. Mas aumenta-se a parcela de juros do dinheiro (...). O custo da produção não baixa. Antes pelo contrário: com a redução de meios para desenvolver-se, esse custo aumenta cada vez mais” (Senado, 03/07/1947).
CONTRAÇÃO
 Segundo o Banco Mundial, em 1989, antes da terra arrasada do governo Collor, o crédito para o setor privado, no Brasil, estava em 127,7% do PIB. Caiu, com o país, para 42,1% do PIB no ano seguinte (com o PIB desabando -4,35%).
Uma redução tão brutal que parecia, na época, uma alucinação.
No governo Itamar, em 1993, o crédito atingiu 134,1% do PIB (com o país crescendo +4,7%).
Em seguida, foi arrochado até que, no governo Fernando Henrique, se situava por volta dos 30% do PIB (em alguns anos, menos ainda).
O governo Lula aumentou esse volume até um pouco mais de 50% do PIB.
Mas, em 2014, mostra o BC, houve “desaceleração em relação ao ano anterior (...), em linha com o arrefecimento da atividade econômica e com a trajetória da política monetária” (cf.BCB, Relatório de Economia Bancária e Crédito 2014, p. 7).
Considerando que existem alguns cavalheiros (e damas) que vivem a repetir que os juros não são altos, o problema são os “spreads” (a suposta “taxa de risco”) que os bancos seriam obrigados a embutir nos juros, para se protegerem dos clientes, esses caloteiros em potencial, é interessante observar a relação direta entre o aumento da taxa de juros e o aumento dos “spreads”:
Ao longo do ano, a elevação das taxas de juros foi acompanhada pela ampliação dos spreads” (idem).
Que as taxas de juros, quanto mais altas são, mais risco há de inadimplência, é óbvio. Mas não é por isso, em absoluto, que os “spreads” são altos.
De passagem, observemos que a elevação das taxas de juros devido aos “spreads” não é qualquer elevação: em dezembro de 2014, no conjunto das operações de crédito, estava em +14,9 pontos percentuais (p.p.) em média - ou +1,1 p.p. em relação a dezembro de 2013.
Certamente, essa elevação foi em cima da elevação dos juros. Mas como se compõe o “spread” dos bancos?
Ao contrário do que diz a Febraban, a “expectativa de inadimplência” tem pouquíssimo papel no estabelecimento do “spread”.
Não poderia ser diferente, pois a taxa de inadimplência (atrasos acima de 90 dias) do sistema financeiro esteve em 2,7% em 2014, comredução da inadimplência nas operações para “pessoas físicas” (sobretudo crédito pessoal e financiamento de veículos).
Quanto às empresas, somente houve inadimplência em 1,9% das operações de crédito.
Quase dois terços do “spread” (63,17%) é devido às margens de lucro dos bancos (margem bruta; a margem líquida - obtida pela subtração dos impostos em relação à margem bruta - é responsável por 37,75% do “spread”, o que, ainda assim, está muito acima da participação da inadimplência, ou, melhor, da “expectativa” de inadimplência, responsável, segundo o BC, por 24,73% da composição do “spread” - embora, até isso nos parece exagerado).
Bem, leitores, chegamos a um ponto que, outra vez, deveria pertencer à crônica policial - e não à análise econômica ou financeira.
Imaginemos um açougueiro que aumentasse o preço da alcatra ou da carne moída em 14,9 pontos percentuais além da percentagem de lucro considerada “normal”, a título de taxa de risco – e em função de aumentar a margem de lucro.
Esse monumental “spread”, ou causaria a falência do açougue ou uma visita ao açougueiro do japonês da Polícia Federal.
Com os bancos, não acontece nada disso. Por quê?
Porque os ganhos dos bancos estão nas transações com títulos públicos – incluindo aqui os derivativos cambiais transacionados com o Banco Central.
O crédito às empresas e ao consumidor é um atividade secundária – aliás, terciária ou quaternária – dos bancos, porque o governo faz com que, para ganhar dinheiro, eles não precisem emprestar às empresas ou aos consumidores (muito menos emprestar a taxas de juros razoáveis, isto é, viáveis para as empresas).
Porém, voltemos, especificamente, aos bancos estrangeiros.
O BC submete o papel desses últimos a um interessante teste econométrico - o teste de causalidade de Clive Granger, proposto por esse economista inglês em 1969, para separar correlações “causais” (entre fatos que são causa e efeito) e aquelas onde a correlação entre os fatos não é determinada por uma relação de causa e efeito.
Não somos admiradores de certa econometria, que, geralmente, tem o dom de desaparecer com os seres humanos da economia. Mas, nesse caso, o importante é a conclusão final.
Antes de transcrever o resultado, somente uma observação: para Granger, a relação de causalidade entre um fato e outro é reconhecida pela possibilidade de, conhecido o primeiro fato, o segundo tornar-se previsível.
Não discutiremos aqui essa concepção. Mais vale transcrever logo a conclusão do BC:
“... os bancos estrangeiros causam, no sentido de Granger, as taxas dos bancos privados domésticos para arrendamento financeiro para pessoa física. Com relação a créditos para pessoa jurídica, os bancos estrangeiros causam, no sentido de Granger, as taxas praticadas pelos bancos públicos para arrendamento financeiro e as taxas praticadas pelos bancos privados domésticos para a modalidade capital de giro”.
http://www.horadopovo.com.br/

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