domingo, 15 de março de 2015

O Jornal Nacional e as manifestações

Kátia Gerab Baggio:

publicado em 14 de março de 2015 às 21:05
Protesto de sindicalistas na sede da Petrobras em São Paulo
Uma avaliação sobre as manifestações de 13 de março e a cobertura do Jornal Nacional
por Kátia Gerab Baggio*
Só agora (sábado, 14/3, às 16:30) assisti ao Jornal Nacional de ontem no site da TV Globo.
Dá para perceber que o jornalista José Roberto Burnier até tentou ser equilibrado, divulgando as estimativas de participantes feitas pelas PMs e pelos organizadores, principalmente a CUT. Mas estas foram, em geral, tão díspares que revelam, provavelmente, exageros para menos ou para mais.
No caso do Rio de Janeiro, a quantidade de público foi baixo, na minha avaliação. Só para comparar, as manifestações em Betim e BH juntaram, pelo menos, o dobro de pessoas do que no Rio. Em Brasília, também havia mais gente do que no Rio.
Resta procurar entender o porquê dessa baixa participação, comparativamente. Seria o efeito O Globo e Rede Globo na capital fluminense? Seria medo dos “black blocs”, que não apareceram em nenhuma manifestação de ontem?
O que houve ontem foi uma prova de que, em manifestações organizadas por movimentos sindicais e sociais com grande experiência, capacidade de mobilização, com pautas e direção claras, não há espaços para táticas de “black blocs” e para a participação de anonymous e mascarados.
Não houve necessidade disso. Todos os participantes (militantes sindicais, de movimentos sociais, partidos ou simples simpatizantes, como eu, aqui em Belo Horizonte) foram sem máscaras, mostrando seus rostos sem medo, sem vergonha, assumindo suas posições com convicção!
A matéria do JN também destacou que uma parte dos manifestantes recebeu ajuda de custo para a alimentação, além de transporte. Mas, afinal, qual o problema de ajuda de custo fornecida por sindicatos, para a alimentação, e fornecimento de transporte pela CUT, pagos a manifestantes pobres que militaram o dia todo? Nenhum, simplesmente nenhum. É crime? Não.
Desqualifica a legitimidade dessa participação? Claro que não! Caso contrário, só as classes médias e altas participariam de manifestações. Mas é isso, no fundo, que a mídia oligopolista brasileira gostaria. Não nos esqueçamos da criminalização constante que a “grande” mídia faz de movimentos sociais como o MST ou o MTST.
No caso da manifestação na Avenida Paulista, houve desinformação clara, em relação à estimativa da PM de 12 mil pessoas.
12 mil pessoas em que horário? No início? No meio? É evidente que estimativas como essas devem ser feitas no auge de público, para revelar o máximo de apoio. E, pelas imagens, é óbvio que havia muito mais do que 12 mil pessoas.
A própria Folha de S. Paulo (Datafolha) estimou em 41 mil. Então, porque a TV Globo divulgou esse número claramente tendencioso, da PM do governo tucano de São Paulo, de 12 mil? Absurdo.
Mas Burnier (assim como todos os jornalistas da TV Globo e GloboNews) tem que seguir as diretrizes dos proprietários da empresa, os três irmãos Marinho, representados fielmente pelo diretor-geral de Jornalismo, Ali Kamel. Então, o que se viu no noticiário mais importante da emissora de TV mais assistida do país?
A TV Globo não teve nenhuma condição de ignorar as manifestações em 24 estados do país, como a imensa manifestação em São Paulo. Seria impossível fazer isso sem uma absoluta desmoralização.
A manifestação em São Paulo, enorme e extremamente significativa, por ter ocorrido na maior capital do país, a mais rica e governada pelo PSDB há mais de 20 anos (desde o início do governo Covas, em janeiro de 1995), ocupou apenas 1 minuto e 25 segundos (a cobertura teve início aos exatos 4 minutos da matéria).
Só para comparar, as matérias sobre a Operação Lava Jato, no Jornal Nacional, têm ocupado muito mais tempo do jornal televisivo, baseadas, praticamente, em delações premiadas de réus confessos, até agora sem provas objetivas. E, nas matérias sobre a Lava Jato, o JN sempre procura destacar qualquer acusação contra petistas, mesmo que absolutamente vagas.
Mas o maior problema da cobertura, em que o dedo de Kamel aparece para todas as pessoas minimamente bem informadas do país, foi ao final, após a matéria de Burnier.
O JN colocou no ar o seguinte trecho de uma entrevista com o líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias, do Paraná. Justamente do Paraná, estado em que professores, estudantes e funcionários públicos têm feito enormes manifestações contra o governo tucano de Beto Richa. Manifestações estas que a TV Globo tem feito o possível para ignorar.
E o que declarou o senador Álvaro Dias:
“É inevitável constatar que houve um fracasso de público. Mostra que a impopularidade do governo está no fundo do poço. Mas é muito bom para a democracia esse confronto de posições divergentes de forma pacífica, legítima, democrática. Faz bem ao país, ajuda a conscientizar, politizar, amadurecer politicamente”.
A matéria terminou com a seguinte declaração do ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante:
“Tem um lado bonito das manifestações que é a conquista da democracia, que é o direito de se manifestar, de se organizar, de protestar, de reivindicar. Isso é vitalidade [...]. O que não pode é ter violência, radicalismo, intransigências, não poder ter uma cultura golpista, porque a democracia não é só ter o direito de se manifestar.”
A frase mais importante que o ministro disse: “Não pode ter uma cultura golpista”!
Foi, no entanto, uma fala branda diante das ações golpistas em curso.
Mas é isso que o Grupo Globo, a revista Veja, os jornais OESP e Folha de S. Paulo, além de outros veículos da chamada “grande” mídia, têm estimulado contra os governos petistas: “uma cultura golpista”!
E a fala de Álvaro Dias, de que houve “fracasso de público” nas manifestações de ontem, não tem nenhuma sustentação na realidade. Não tem nenhuma consonância com as imagens divulgadas pelas mídias, “grandes e pequenas”, e pelas redes. E muito menos na experiência de quem foi às ruas e praças ontem.
Foi, para usar um português claro, mentirosa.
Mas o Jornal Nacional fez questão de destacar essa entrevista. Para convencer os incautos? Os que não quiseram ver as imagens das manifestações, inclusive as mostradas pelo próprio JN? Ou para que os golpistas do dia 15 a repitam pelas redes?
É difícil prever como serão as manifestações de amanhã, 15 de março, pelo impeachment. A princípio, o mais provável é que só na cidade de São Paulo haja manifestações dignas de nota.
Vamos aguardar. E combater o golpismo antidemocrático sem violência, com argumentos e manifestações democráticas, como as que vimos ontem.
Manifestações do dia 13 de março que demonstraram, de forma cabal, que os eleitores que reelegeram Dilma não aceitarão, sem reação, a imposição da vontade daqueles que perderam as eleições em outubro.
O golpismo sofreu um duríssimo golpe, no dia de ontem, sem trocadilho. E a mídia oligopolista sabe disso, apesar de Álvaro Dias querer desmentir e manipular a realidade.
Em síntese: “Não vai ter golpe!”, como manifestantes de todo o Brasil gritaram ontem.
*Professora de História das Américas na UFMG
PS do Viomundo: O repórter José Roberto Burnier é sério — como, aliás, 99% dos profissionais da TV Globo. Porém, eles são trabalhadores sem controle editorial da emissora.

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