sexta-feira, 28 de março de 2014

Mudar estruturas que permitam uma vida melhor para a juventude.



José Mariano Beltrame, disse, nesta quinta-feira (27), em entrevista ao Clarín em Português, que adiar o pedido de ajuda ao Exército pode ter contribuído para dificultar o combate ao tráfico no Rio de Janeiro. Para ele, a polícia sozinha será incapaz de resolver o problema da segurança pública. "Todo mundo quer um policial para chamar de seu. Mas não é assim". A música diz "um homem pra chamar de seu". Mas para ele, o Rio já encontrou seu rumo nesta área.
Beltrame está em Buenos Aires para realizar palestras na UCA (Universidade Católica de Buenos Aires) no momento em que a segurança pública passou a ser prioridade entre os argentinos e que políticos locais apontam as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) como exemplo. Ele é cauteloso. E garantiu a segurança na Copa do Mundo no Brasil.

A entrevista foi realizada no hotel onde o secretário está hospedado em Buenos Aires e quando ele falava com sua assessoria no Rio de Janeiro sobre a prisão de um líder do tráfico de drogas do Complexo da Maré, Marcelo P., que estava foragido.
Calça jeans, camisa polo vinho e sem segurança por perto, o delegado da Polícia Federal e secretário de Segurança Pública do Rio falou sobre o Rio, o Brasil e indicou como outros Estados ou países devem encarar o problema inicial da segurança.
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Violência em UPPs no Rio de Janeiro34 fotos

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21.mar.2014 - Policial reforça a segurança na favela do Mandela, onde contêineres da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) foram queimados na última quinta-feira (20), para acompanhar os funcionários da limpeza que tiram as cinzas do local Leia mais Tânia Rêgo/Agência Brasil
A seguir a entrevista na íntegra:
Clarín: Qual será o tema da sua palestra aqui em Buenos Aires?
José Mariano Beltrame:
 Eu vou falar um pouco sobre a experiência do Rio de Janeiro e vou dar uma visão do que entendo dos temas que obrigatoriamente devem ser abordados por toda a América Latina para que a gente consiga dar uma resposta efetiva para a segurança pública.
Clarín: Uma ação conjunta.
Beltrame: 
O que sei é que hoje tenho a impressão de que estamos sempre agindo com a aplicação de analgésicos e o problema estrutural, o problema em si a gente não resolve. Não se trata somente das questões sociais, de cidadania, porque isso sem dúvida tem um peso enorme mas isso não nos diz respeito (como polícia).
São questões relativas às mudanças na ordem penal, pelo menos no Brasil, a questão da fronteira, dos menores de idade. No Brasil, a questão do crack, a questão dos presídios que não deixam de ser uma grande assembleia de bandidos. Estas questões precisam ser encaradas pela sociedade.
A sociedade precisa escolher que sistema prisional ela quer. Que sistema legal ela quer. E eu me sinto tranquilo de dizer isso porque nós, lá no Rio de Janeiro, temos resultados. Nós temos resultados e estamos vendo quando as coisas não funcionam. Por exemplo, nessa madrugada prenderam o chefe do tráfico (de drogas) da Maré (Marcelo Santos das Dores, o 'Menor P') apontado como chefe do tráfico em 11 favelas do Rio...
Clarín: Onde o Exército vai entrar...
Beltrame:
 Exatamente onde o Exército vai entrar. (Beltrame não quis dizer quando o Exercito entrará no local). Ele foi preso tendo uma infinidade de mandatos de prisão. Um homem que saiu no regime semiaberto em 2007 e que simplesmente não voltou mais.
Clarín: Ou seja que é um problema judicial???
Beltrame:
 Sim, um problema judicial. E tenho a impressão que ninguém quer mexer nisso. A imprensa não mexe, os políticos não mexem, as pessoas não mexem, mas está aí. A polícia do Rio de Janeiro gastando uma energia imensa em cima de um trabalho (para capturar) uma pessoa que já era para estar presa e há muito tempo.
Clarín: Por que o senhor acha que isso acontece? Corrupção? Por quê que isso acontece?
Beltrame: 
Eu acho que efetivamente a sociedade precisa estabelecer de maneira clara que tipo de segurança pública ela quer. Que segurança pública ela quer para Buenos Aires, que segurança pública ela quer para o Rio de Janeiro para daqui a 20 anos. Porque o que eu percebo é que estamos dando grandes anestesias em problemas. Mas tem toda a questão da cidadania que não entra e tem essas questões estruturais. Nós temos reincidência muito grande nos presídios. Isso significa que os presídios não recuperam (os que ali estão). Que o menor de idade hoje é um objeto usado pelo crime. Então, tem muita coisa que acontece e que a polícia poderia estar fora disso.
Clarín: O senhor acha que a UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) é então só uma parte desse combate?
Beltrame:
 Exatamente. A UPP abriu uma janela de oportunidades para que as coisas aconteçam. Seja no âmbito da cidadania, seja no âmbito de obras públicas, seja no âmbito da reorganização urbana daquele local. Ninguém mexe com o controle vertical do aumento das favelas. Ninguém mexe com isso. E então é isso.
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Violência no Rio de Janeiro em 2014200 fotos

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27.mar.2014 - Estudantes e moradores atravessam uma ponte próxima ao complexo de favelas da Maré, no Rio de Janeiro, nesta quinta-feira (27). Um Ciep (Centro Integrado de Educação Pública) suspendeu as aulas nesta quinta, devido às constantes operações policiais realizadas na comunidade desde a última sexta-feira (21) Sergio Moraes/Reuters
Clarín: O que o senhor diz é que a polícia não pode resolver a questão da segurança pública sozinha.
Beltrame:
 É assim, mais polícia, mais polícia e mais polícia. Porém, mais polícia, mais polícia não resolve o problema. As pessoas, na verdade, querem um policial para chamar de seu.
Clarín: E isso é impossível?
Beltrame:
 Deve ser um conjunto. Mudar estruturas que permitam uma vida melhor para a juventude. No Rio de Janeiro, por exemplo, existem lugares sem esgoto, sem água e onde a luz é o que chamamos de 'gato' (clandestina). Tudo é tão clandestino que a pessoa acaba vivendo naquele lugar e se acostuma com o clandestino. E obviamente o crime, o tráfico de drogas vão para onde? Para onde o Estado não está.
Clarín: Aqui na Argentina a segurança pública, junto com a inflação, passou a ser a principal preocupação dos argentinos. E vários políticos, governadores e prefeitos citam a UPP como exemplo especialmente para áreas mais carentes e com problemas na área de segurança como na Grande Buenos Aires. O senhor sugere a UPP como saída também para estes lugares?
Beltrame:
 Eu acho que a UPP é uma solução 'made in Rio de Janeiro'. É uma solução para o Rio de Janeiro. Para quem tem uma configuração geográfica, como a que temos. Para quem tem uma existência de facções criminosas que ideologicamente se odeiam. Para quem já tem implantado nessas áreas, armamento, capacidade belicista importante. Eu acho que pode se tirar algumas coisas da UPP para se aplicar aqui e quem sabe alguma coisa daqui para que seja aplicada lá. Mas eu acho que o que se fez lá é uma coisa muito para o Rio de Janeiro porque no Rio existem requisitos que não se encontram no mundo e não só a criminalidade.
Clarín: A topografia
Beltrame:
 Exatamente, a topografia, um abandono total dos governos durante 30, 40 anos. O que fez com que o tráfico adquirisse uma cobertura muito grande e trouxesse armas de vários tipos e de vários lugares. Coisas que por onde eu falo e que por maior que seja o problema, ainda está se iniciando e é o momento para que alguns Estados brasileiros e alguns países devem agir. E essas ações precisam de plano, logística. E os governos devem ter uma opção clara pela segurança pública. E eu acho que nenhum político sobe num palanque eleitoral sem falar em segurança em primeiro lugar.

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