quinta-feira, 18 de julho de 2013

O subfinanciamento federal da Saúde no Brasil de hoje


Estranhamente, o Brasil, que tem na Constituição toda uma seção dedicada à Saúde - iniciada com o famoso artigo 196 ("A saúde é direito de todos e dever do Estado") - e um Sistema Único de Saúde (artigo 198 da Constituição), é um dos países que estão em pior condição no mundo quando ao financiamento das ações de Saúde
A tabela ao lado, extraída da base de dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), e referente ao ano de 2011 – últimos dados disponíveis -, evidencia um problema gravíssimo para o nosso país: o baixíssimo dispêndio público com Saúde.
O dispêndio público (investimento público e custeio) em Saúde é, naturalmente, um indicador de civilização, ainda que, obviamente, não seja o único. Na tabela, selecionamos um conjunto de países desenvolvidos e alguns que se esforçam para desenvolver-se. O leitor, certamente, não se surpreenderá com a ausência dos EUA, que jamais foi considerado, por alguém sério, como um exemplo de civilização no que concerne à Saúde, pelo contrário – o motivo é que esse é o único país do mundo que jamais teve um sistema público nacional de Saúde (existem alguns poucos sistemas públicos estaduais, por exemplo, o de Massachusetts; porém, nacionalmente, o Medicare e o Medicaid, mesmo antes da mutilação de suas verbas pelo conluio Obama/Tea Party, estão mais próximos do antigo atendimento aos indigentes do que de um sistema nacional de Saúde).
Não insistiremos no fato de que uma assistência sanitária mercantilizada é um sinal grave de atraso – parece evidente que a vida e a Saúde não podem ser tratadas como mercadorias. Daí o fato de que, mesmo em países capitalistas como a França, Alemanha, Japão, Inglaterra, Itália, Bélgica e outros que o leitor pode ver ao lado, o sistema de saúde ser, antes de tudo, público, mesmo nos casos onde não existe um único sistema de Saúde. Tal fato é expresso pelo financiamento, predominantemente público.
Para garantir o atendimento à população, a existência de empresas privadas na exploração da Saúde terá, portanto, que ser secundária em relação ao serviço público. Essa era exatamente a ideia quando o Sistema Único de Saúde foi inscrito na Constituição de 88 e foi expressa pelo artigo 199 da Lei Maior ("A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. § 2º - É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos. § 3º - É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei").
Estranhamente, o Brasil, que tem na Constituição toda uma seção dedicada à Saúde - iniciada com o famoso artigo 196 ("A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação") - e um Sistema Único de Saúde (artigo 198 da Constituição), é um dos países que estão em pior condição no mundo quando ao financiamento das ações de Saúde. Como o leitor pode conferir ao lado, segundo a OMS, somente 45,7% dos gastos com Saúde em nosso país são públicos. A rigor, desse ponto de vista, é o setor público que torna-se complementar em relação aos planos de saúde e outras empresas privadas. A outra forma de expressar essa realidade seria dizer que o SUS deixou de ser o "único" sistema existente no país, situação manifestamente mais do que ilegal, já que é inconstitucional.
Porém, como se chegou a isso? Pois, ainda antes da Constituição, em 1975, nada menos do que 67% do financiamento à Saúde era público – e somente 33% tinham origem privada (cf. Conselho Nacional de Secretários de Saúde - CONASS, "O Financiamento da Saúde", 1ª ed., Brasília, 2011, p. 36).
Hoje, chegou-se a uma monstruosidade, em que a população é violentamente extorquida – sob pena, inclusive, de morte - por alguns achacadores, na medida em que a alternativa aos planos, o SUS, é vandalizado pela falta de dispêndio público (os autores do trabalho que citamos expressam esse fato do seguinte modo: "Há, ironicamente, uma clara elevação no gasto das famílias em áreas em que a Constituição oferece garantias formais. (...) Para as regiões metropolitanas, a pesquisa mostra pequena tendência de elevação no percentual do gasto com saúde em praticamente todos os decis de renda" - cf. CONASS, op. cit., p. 45).
Trata-se de uma política de cruel favorecimento à privatização da Saúde: o que houve foi uma brutal redução dos dispêndios do governo federal com Saúde no governo Fernando Henrique. Em 1980, 75% dos dispêndios públicos com Saúde eram realizados pelo governo federal, 17,8% pelos Estados e 7,2% pelos municípios. Hoje, a parte federal está reduzida a 43%, a parte dos Estados aumentou para a média de 28% e a parte municipal, também em média, para 29%. Os orçamentos confeccionados pelos tucanos provocaram três quedas nas receitas do Ministério da Saúde, uma das quais, em 1996, de -16,75% (cf. CONASS, op. cit., p. 75; notar, na mesma página, o seguinte trecho: "Dos quatro anos que registraram receita significativa acima da média do período, a maior foi em 2005, quando a diferença ficou perto de 18%. Dos sete anos que registraram valores abaixo da média, cinco são de antes de 2000").
O governo Lula fez um esforço para aumentar as verbas federais da Saúde – o que é visível principalmente quando se considera a dotação orçamentária em termos de percentagem do PIB, mas também em relação aos gastos totais do governo, em que a Saúde aumentou sua parcela de 44,6% (2002) para 47% (2010).
Infelizmente, em 2011, essa parcela diminuiu para 45,7%.
CARLOS LOPES

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