quarta-feira, 22 de maio de 2013

DISCURSO DO SENADOR REQUIÃO DIZ QUE THATCHER REPRESENTOU UM TEMPO SOMBRIO E CRUEL PARA A HUMANIDADE



É consenso, à esquerda e à direta, que na origem da crise global, que explodiu em 2008 e de cujos efeitos o mundo ressente-se até agora, está a desregulamentação do mercado financeiro.

 Liberado de toda restrição, até mesmo de freios éticos, o mercado financeiro engendrou toda sorte de expedientes, até mesmo os ilícitos, para aumentar, na velocidade da luz, os seus lucros e estender seus tentáculos sobre as atividades produtivas. A financeirização da economia com artimanhas como o sub-prime, os derivativos, criou as condições para a débâcle.

A especulação, a jogatina sem regras, as fraudes criaram uma economia artificial, nas nuvens que, quando confrontada com o mundo real, desmoronou.
       
Os profetas dessa desregulamentação foram o presidente Reagan e a primeira-ministra Margareth Thatcher; principalmente esta, que o primeiro entendia de economia tanto quanto do ofício de ator.
       
Daí o meu constrangimento quando vejo, notadamente nossa gloriosa mídia e seus comentaristas, editorialistas e especialistas derramarem lacrimosas homenagens à baronesa. Imaginava, porque às vezes sou otimista, um mínimo de bom senso no necrológico. Siso e fidelidade à história. Sei que seria exigir demais.
  
    
Não acredito que no pós-guerra, e sob a dita democracia ocidental, não acredito que tenha havido personagem que representasse tão claramente, tão fortemente as contradições e os conflitos de classe quanto Margareth Thatcher. Ela assumiu os interesses das classes média e alta, em oposição aos interesses dos trabalhadores, com  a determinação,  a fúria, e a crueldade dos donos de fábricas de tecidos inglesas do século XIX.
         
O Estado de Bem-Estar Social, que os governos trabalhistas construíram na Inglaterra, elevou grandemente o padrão de vida da classe operária e fortaleceu o poder dos sindicatos.
A ascensão econômica dos trabalhadores cria uma nova classe média, como acontece hoje em nosso país, descontadas as características de cada processo.
        
A própria Margareth Thatcher, filha de pequenos comerciantes, beneficia-se desse aumento de padrão de vida das classes populares que, por exemplo, vê facilitado o caminho ao ensino superior, a que os pais de sua geração não ascenderam.
        
Pois bem, é exatamente essa classe média, produto do Estado de Bem-Estar Social, que se constitui na cabeça-de-ponte contra as conquistas dos trabalhadores e a influência de seus sindicatos.
         
Reproduzo aqui duas citações, feitas por Rafael Corrielo e Pedro Dias Leite, da Folha de S. Paulo –como se vê, o jornal dos Frias às vezes é útil.
        
A primeira é do historiador britânico Tony Judt.  Ele dá um “exemplo clichê” do representante dessa nova classe média que, em 1979, elegeu Thatcher pela primeira vez.  Esse eleitor típico é como que  “Um corretor imobiliário , cujo pai havia sido operário numa fábrica de carros, e que agora usa gravata, tem sua própria casa, embora na verdade não tenha lá muito dinheiro”. E completa o historiador; “Essa classe de pessoas que ascenderam socialmente, que não eram sindicalizadas, e pertenciam majoritariamente ao setor de serviços, compunha a foto sociológica do eleitor de Thatcher”.     
       
A segunda citação é a de outro historiador inglês, o tão conhecido brasilianista Kenneth Maxwell. Afirma ele: “Era uma situação de crise, e ela recebeu o mandato para enfrentá-la. Capturou essa fantasia de uma classe média que se acreditava o que havia de melhor no Reino Unido do pós-guerra, e entregou o que prometia –uma política fiscal restritiva, limpar e acabar com o poder dos sindicatos”.
         
 Para implantar as reformas que  o mercado, os grandes conglomerados econômico-financeiros, as classes médias e altas exigiam, a fim aumentar seus ganhos e retomar antigos privilégios diminuídos pelos governos trabalhistas, Thatcher precisava tomar uma primeira providência: quebrar a espinha da classe operária.
  
      
E o fez de forma  brutal, impiedosa, cerceando a liberdade sindical, sufocando, estrangulando os sindicatos e as associações operárias, coagindo e constrangendo a oposição. Os sindicatos foram quase que liquidados.
         
Submetidos os resistentes, vieram as reformas. Aquele rosário todo que também nos impingiram. Privatizações,  concessões e terceirizações tão selvagens, tão desregradas que serviram de espelho para brasileiros, argentinos, peruanos, mexicanos e chilenos; cortes nos salários, nas aposentadorias, restrições aos direitos de greve e de associação; combate à inflação com o sacrifício dos mais pobres; diminuição nos investimentos públicos na saúde, educação, moradia e segurança; diminuição dos impostos e encargos sobre os ganhos dos mais ricos.
        
Enfim, a receita completa do neoliberalismo, apimentada com os preconceitos de classe dos páleo-liberais.
        
Quando os trabalhistas, especialmente a esquerda do partido que se recusava a aceitar as reformas de Thatcher como inamovíveis, voltaram a se fortalecer, em meados de 80, ganhando sete grandes administrações regionais, entre elas a de Londres, a dita Dama de Ferro reagiu ao estilo dos experimentados golpistas latino-americanos: suspendeu as eleições diretas nessas administrações e cassou os mandatos dos eleitos.
        
Já imaginaram se Chaves, os Kirchner, Evo Morales, Rafael Caldera ou mesmo o nosso Lula tivessem feito isso? Nossa mídia e a  nossa oposição, eternamente vigilantes, teriam reagido com a santa indignação que só os verdadeiros democratas sabem manifestar.
       
A crítica ferocíssima do tamanho do Estado agiu, em diversas ocasiões, como qualquer tiranete  ou autocrata terceiro-mundista. Aliás, ela revelou por esses um carinho especialíssimo, como em relação Augusto Pinochet, por quem  sempre manifestou respeito Isso sem falar em outros discípulos como Menem, Fujimori, Salinas, essa coleção toda de seguidores da baronesa que acabaram atrás das grades.
      
A influência funesta de Margareth Thatcher espalhou-se mundo afora. América Latina, América do Norte,  Europa Ocidental, Leste Europeu, Ásia, África.
         
Não sou dos que acreditam que um homem ou uma mulher, singularmente, ou que um fato isolado, fortuito, possam mudar os rumos da história ou construir os rumos da história. Se não fosse Thatcher, teria sido outro; se não fosse na Inglaterra, teria sido em outro país. A verdade é que as condições para uma reação conservadora, ultramontana, com flertes explícitos com o fascismo, estavam dadas.
      
A crise do modelo do Estado de Bem-Estar Social, assim como a crise do chamado “socialismo real” exercitado na União Soviética e países do Leste Europeu abrem trincas por aonde vai se infiltrar, sem qualquer resistência, a água contaminada do neoliberalismo.
      
É possível constatar que tanto a social-democracia européia quanto o socialismo soviético degringolam-se porque não souberam reinventar-se, evoluir, avançar, atingir novas etapas; não souberam atender, no caso soviético, principalmente, também as necessidades de consumo de seus povos;  não souberam ainda manter acesos, vibrantes, os princípios políticos e ideológicos fundadores. Despolitizaram-se, desideologizaram-se, descaracterizaram-se.
      

E,.no caso da Europa Ocidental,  os partidos social-democratas, que deveriam ser as “correntes de transmissão” dos sindicatos, tomaram mais gosto pelas comodidades e transações da  vida parlamentar, pelo toma lá da cá da política,  pelo agarramento ao poder, do que pela defesa dos trabalhadores.
       
Escandalizo-me frequentemente com os companheiros do PT e com outros camaradas de partidos que se dizem de esquerda, quando os vejo cegados pelo imediatismo, aprisionados ao mais larvar pragmatismo, capturados pelo economicismo e envolvidos pelos pequenos jogos da política.
       
Essa distância das verdadeiras dimensões  da Política, esse esquecimento da militância pelas transformações estruturais, radicais, esse abandono de princípios, esse desprezo pela teoria, pelos fundamentos pavimentam o atalho para o retrocesso, para a volta à senzala, para a anulação de todas as conquistas acumuladas nos mandatos de Lula e Dilma.
     
Se aconteceu na Europa Ocidental e na União Soviética, por que não aconteceria aqui, onde as forças populares e sindicais e os partidos  são muito mais frágeis? Por que não aqui onde as classes dominantes dispõem do mais formidável poder de domínio da opinião pública, através da monopolização dos meios de comunicação?
     
Até parece que a nossa esquerda foi enleada pela bazófia do fim das ideologias, pela mágica extinção das contradições de classe, dos interesses e pontos de vista de classe.     
      
Mas devemos também, aprender que o desmoronamento da social democracia e do “socialismo real” não se dá apenas por razões internas. O combate às idéias trabalhistas e socialistas não descansou um dia sequer, desde as jornadas operárias ainda nas primeiras décadas do século 19. Depois de rondar a Europa por 150 anos, o espectro parecia ter sido exorcizado. Tal foi a euforia dos coveiros que chegaram até mesmo ao delírio, à insanidade de  decretar o fim da história.
      
Mas, na exacerbação das reformas neoliberais, na  radicalização imposta por Margareth Thatcher está o vírus de sua derrocada. Por exemplo, a desregulamentação do sistema financeiro, com a suspensão de qualquer embaraço, por menor que fosse, à sua atuação resulta em uma esbórnia  nunca vista. E é por aí que bicho pega, é a farra financeira que provoca a explosão de 2008.
      
O livro de John Perkins, “Confissões de um Assassino Econômico”, poderia ser tomado como uma crônica dos efeitos do thatcherismo sobre a economia mundial, notadamente sobre a economia dos países pouco desenvolvidos. Quem não se lembra do ataque sistemático às moedas, ao câmbio dos países periféricos durante os anos Thatcher?
Ataques que levaram centenas de milhões de pessoas ao desemprego, à miséria, ao desespero. Ataques que destruíram economias, anarquizaram a produção, anularam avanços, espedaçaram esforços de décadas para a superação do atraso.
     
Assassinatos econômicos deliberados, extermínio calculado de economias, destruição premeditada de vidas e sonhos. De repente, parecia que o Império Britânico  havia sido ressuscitado e, qual uma Rainha Vitória tardia, Margareth Thatcher não via o sol se por em seus domínios.
     
Em um artigo publicado em maio de 2009,  na Folha de S. Paulo,  o professor Bresser Pereira entoava o réquiem pelo falecimento do thatcherismo que, segundo ele, já acontecera antes de outubro de 2008,  com a contaminação global provocada pela  quebra do Lehman Brothers.
   
  
Dizia ele: “A experiência neo-liberal fracassou sob todos os ângulos: as taxas de crescimento econômico diminuíram, a renda concentrou-se em toda parte, a instabilidade econômuica aumentou, e agora essa experiência termina de forma inglória”.
      
Privatização, desregulação, redução dos impostos para os mais ricos, abolição dos controles do câmbio e do mercado financeiro, destruição dos sindicatos,  criação de riqueza, para poucos, em vez da distribuição da riqueza,  pilares do neoliberalismo que ruíram sem que se necessitasse um Sansão para estremecê-los.
     
Em seu necrológico das reformas de Margareth Thatcher, Bresser Pereira lembra que “as teses de que as políticas neoliberais tornavam os países mais competitivos, porque ao diminuírem os salários eles se tornariam mais dinâmicos, não se confirmou”. E ele cita os exemplos da Rússia  de  Gorbatchov e Boris Ieltsin, e a Argentina de Carlos Menem, que adotaram essa política no limite, e que protagonizaram desastres poucas vezes vistos.
         
E continua ele:
         
“Quanto mais um país adotou as políticas neoliberais, menos cresceu. A redução dos salários foi alcançada, mas:
1) essa redução causou insuficiência de demanda e obrigou os países a produzirem mais bens de luxo e menos bens de salário para compatibilizar oferta e procura;
2) as políticas neoliberais de desregulamentação salarial minaram a solidariedade social, levando os trabalhadores a perder sua identificação com suas empresas e com seu país; e 3) a liberalização financeira tornou as economias nacionais mais sujeitas a crises, que se multiplicaram em todo o mundo: a desregulação “big bang” do setor financeiro promovida por Thatcher em 1986 está na origem da crise atual”.
     
E, otimista, Bresser Pereira conclui esse artigo de 2009: “O neoliberalismo não voltará tão cedo: sua crise é incomparavelmente mais grave do que a desaceleração econômica que, nos anos 1970, facilitou o assalto neoliberal”.
    
Concluo citando três fatos que refletem a visão de mundo da baronesa.
    
Primeiro, a visita que ela fez a Augusto Pinochet, quando ele estava sob prisão domiciliar, na Inglaterra, por crimes contra a humanidade. Ela disse que o visitou para agradecê-lo pelo apoio material e pelas informações que ditador deu à Inglaterra na guerra das Malvinas. Por essa inconfidência, ficamos sabendo que o ditador tornou-se  um agente do Reino Unido, um alcaguete, um dedo-duro.
      
Ah, sim, Thatcher também agradeceu Pinochet por ele ter devolvido a democracia ao Chile. Quem duvidar disso, vá à internet, há lá um vídeo reproduzindo esse edificante encontro entre o ditador e exterminadora de sindicatos.
     
Segundo, a Guerra das Malvinas, quando agiu de forma impiedosa, arrogante, cruel. Os gurkhas, soldados nepaleses armados com as  terríveis “kukri”, facas apropriadas para degolar, formaram a vanguarda do exército britânico contra as mal treinados recrutas argentinos. É simbólica, emblemática a presença dos gurkhas à frente exército inglês. É a velha Albion, em um surto psicótico, delirante, querendo mostrar a força de um império que já morrera.
    
Terceiro, a classificação de Nelson Mandela como “terrorista”, em apoio à sua prisão e à repressão à luta dos negros contra o governo racista da África do Sul.  
     
Que Deus a tenha.

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