quinta-feira, 18 de abril de 2013

A hora do Brasil baixar os juros e crescer os investimentos públicos



Aumentar os juros é desviar mais dinheiro público e privado para a esterilidade do “mercado financeiro”, isto é, da especulação e do cofre dos bancos
A poucas horas da reunião do Copom, apareceram alguns argumentos novos a favor do aumento de juros. O principal, mais engenhoso e mais estúpido (não estranhe o leitor a contradição, pois a culpa não é nossa), é o de que a prova que os juros básicos têm que ser aumentados está em que eles já aumentaram nas apostas feitas no “mercado futuro”.
Trata-se de um argumento genial: os juros têm que ser aumentados porque, aqueles que querem que eles sejam aumentados, estão apostando no seu aumento. Equivale, mais ou menos, a retirar o homicídio do Código Penal porque os assassinos não querem ir para a cadeia.
De quebra, a responsabilidade pelo aumento de apostas nos juros altos é descarregada sobre Mantega e Tombini, que, no caso, apenas fizeram papel de bobos (ou de frouxos, o que é a mesma coisa): o primeiro, ao dizer que “o governo não hesitará em tomar medidas impopulares para conter a inflação” (grande coisa), mas que não tem nada a ver com aumento de juros; o segundo, por sua pregação da “tolerância zero com a inflação” - o que, se fosse sério, significaria abolir o dinheiro, sob qualquer forma de moeda, no país... Evidentemente, se não fosse Mantega e Tombini, o pretexto para o aumento das apostas em maiores juros futuros poderia ser a seca, a chuva ou o carnaval que passou.
No entanto, se algum problema há, exatamente, é que os juros ainda estão acima do patamar internacional – cujo atingimento é o objetivo declarado, com razão, pela presidente Dilma. O principal sintoma desse problema está, ainda, no câmbio. Apesar da correção, desde que os juros básicos caíram, a taxa de câmbio ainda permanece, segundo o Observatório de Câmbio da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP/FGV), 20% acima da “taxa de equilíbrio” (calculada por comparação com os valores históricos e com o movimento, em determinado período, das moedas com as quais o real mantém relação). O fato das importações parecerem imunes à correção cambial até agora realizada, indica, provavelmente, que o cálculo dos pesquisadores da FGV está certo.
Escrevemos este artigo antes da reunião do Copom. Estamos de acordo com Amir Khair em que “o momento é de pôr o pé no acelerador, reduzindo juros básicos (...), depreciando o câmbio, completamente fora de lugar (...). Que o governo não caia na armadilha de 2011, quando o terrorismo inflacionário gerou as medidas macroprudenciais que seguraram o crescimento. É preciso firmeza do governo para enfrentar o que se assemelha a uma nova edição desse terrorismo” (Amir Khair, “Terrorismo inflacionário”, OESP, 15/04/2013).
Keynes, como medida para fazer uma economia capitalista crescer, usou o termo “eutanásia do rentista” - os juros teriam que ser, sempre, os mais baixos e, sempre, em função do emprego e da produção. Com efeito, a recíproca mostra que os juros altos promoveram no Brasil uma eutanásia dos produtores. Como lembra Khair, a média da taxa nominal foi, sucessivamente, 23,8% (1996 a 1998); 19,8% (1999 a 2002); 14,9% (2003 a 2010); 11,8% (2011); 8,6% e 7,25% (2012/2013). Ainda que não sejam taxas reais, evidentemente que esses números, correspondentes a taxas nominais, guardam alguma relação com as taxas reais.
A queda dos juros básicos, com a menor taxa em 17 anos, é a maior conquista do governo Dilma. É verdade que reconstruir os elos destruídos da economia, especialmente da indústria, só é possível com o aumento do investimento público, e, por consequência, também do investimento privado. Aumentar os juros significa desviar mais dinheiro – público e privado - para a esterilidade do “mercado financeiro”, isto é, da especulação e do cofre dos bancos. É, portanto, do ponto de vista econômico, o mais completo antônimo de investimento público – e de investimento em geral. Em que época da história de qualquer país, houve um forte investimento e financiamento públicos com altas taxas de juros? Exatamente por isso, os corifeus do aumento de juros passaram, rapidamente, a pregar, também, o corte violento nos gastos públicos – quanto menos o Estado gastar, melhor para quem pretende saquear o Tesouro.
O resto é palhaçada. Até um conhecido comentarista econômico da mídia, José Paulo Kupfer, reconheceu, na quinta-feira passada, que os reclamos pelo aumento de juros nada têm ver com um suposto aumento da inflação. Kupfer atribuiu esses reclamos à política (cf. Kupfer, “Preço arrefece, mas decisão sobre juros ganha viés político”, OESP, 11/04/2013).
Dias depois, Amir Khair desenvolveu o tema:
Não há razões técnicas para elevar a Selic (...). Vale observar que as expectativas inflacionárias são comandadas tecnicamente pela 'inflação de curto prazo' e essa é cadente desde o início do ano. Desde dezembro, nenhum (!) banco central no mundo elevou a taxa básica de juros e oito a reduziram (...). Além disso, a política dos bancos centrais é posicionar a taxa no nível da inflação, que na média dos emergentes está próxima a 5% ao ano. No caso dos países desenvolvidos, essa taxa tem sido inferior à inflação. (…) A questão política é marcada pelo que a oposição ao governo ganharia com o argumento que vem sendo apresentado, de que a presidente usou seu voluntarismo para reduzir a Selic e olha no que deu: elevou a inflação. Esse argumento não resiste aos fatos, pois metade da inflação se deve aos alimentos que sofreram choque internacional de oferta, que está progressivamente se dissipando. O índice das commodities agrícolas saiu do máximo de 155, no final de julho, para 121, no dia 9 deste mês” (Amir Khair, art. cit., grifo nosso).
Um outro artigo, que está longe de ser progressista (isto é, está longe de ser contra o aumento de juros), revela o verdadeiro problema dos paladinos da agiotagem: “Em janeiro do ano passado, quando a Selic era de 10,5%, a inflação anual corria a 6,22%. Portanto, o juro real 'desapareceu' entre esses dois períodos, caindo de 4,28% para pífio 0,66%” (cf. Roberta Costa e Aline Oyamada, “BCs testam maior flexibilização para metas”, Valor Econômico, 15/04/2013).
O cálculo do juro real está errado, mas esse erro (para baixo) acaba por enfatizar ainda mais a essência da questão. Nas palavras de um autor - que, apesar de ser, há décadas, um adicto do arrocho salarial, que aplicou quando era ministro, tem a vantagem do humor: “... nos últimos 14 anos a taxa média de inflação anual foi de 6,36% (...). O fato curioso é que inflação tão alta durante tanto tempo foi bem suportada pelo setor financeiro enquanto a taxa de juro real anual era de 7% ou 8%. Agora, com a taxa de juro real de 2%, ela parece insuportável...” (Delfim Netto, “O mercado de trabalho e a inflação”, Valor Econômico, 16/04/2013).
Não é preciso dizer mais.
CARLOS LOPES

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