quinta-feira, 7 de março de 2013

Soldado Manning coloca império no banco dos réus



 Após mil dias de prisão, cela solitária e tortura, o soldado Bradley Manning declara em audiência que dados dos EUA que divulgou tratam de violações a Convenções de Genebra e outros atos criminosos
Perante o tribunal militar de exceção ordenado pelo presidente Obama, o mais notável preso político dos EUA da atualidade, o soldado Bradley Manning, assumiu com voz firme sua “total responsabilidade” pelo vazamento de documentos secretos e vídeos de crimes de guerra no Iraque e Afeganistão e que o WikiLeaks divulgou. “Acreditei que, se o público em geral, especialmente o público americano, tivesse acesso às informações, isso poderia gerar um debate interno sobre o papel dos militares e da nossa política externa em geral”, afirmou, após ter se referido à “sede de sangue” das tropas americanas e à obsessão em “capturar e matar alvos humanos em listas”. É preciso mostrar, acrescentou, “o verdadeiro custo da guerra no Iraque e no Afeganistão”.
Bradley leu uma declaração de 35 páginas em que assumiu a responsabilidade por 10 das 22 acusações, repelindo porém a atribuição de “espionagem” e “ajuda ao inimigo”, passível de prisão perpétua e até mesmo pena capital, com que o governo dos EUA tenta exemplarmente puni-lo num julgamento classificado como “teatro do absurdo” e “julgamento-farsa” pelo jurista Michael Ratner, do Centro pelos Direitos Constitucionais. “Julgamento” com testemunhas não identificadas e provas secretas e onde a defesa não pode convocar funcionários do governo para depor. O soldado Manning completou 1000 dias de prisão; durante 10 meses, foi mantido em solitária, incomunicável, e torturado. As acusações que assumiu já lhe valem 20 anos de prisão.
Os documentos de Manning são o equivalente, nos tempos atuais, aos “Papéis do Pentágono”, de Daniel Ellsberg, que expôs o fracasso da guerra do Vietnã, uma verdade que acabou prevalecendo. Manning não cometeu crime algum, ao trazer à luz as violações das Convenções de Genebra - ao contrário, mostra que as lições do Tribunal de Nuremberg não podem ser esquecidas. Mas o presidente-Nobel da Paz não demonstra a menor intenção de aliviar a situação do soldado denunciante.
Analista de inteligência no Iraque, Manning foi levado pelos fatos que compilava a uma mudança de consciência, e à decisão de agir. “Eu queria que o público americano soubesse que nem todos no Iraque e no Afeganistão são alvos que precisam ser neutralizados, mas pessoas que estão lutando para viver no ambiente de panela de pressão do que nós chamamos de guerra assimétrica”.
Dos documentos vazados por Manning, o mais contundente e mais amplamente visto é o vídeo do massacre de civis, inclusive dois correspondentes da Reuters, e crianças, em 2007 no Iraque. Na declaração no tribunal, o vídeo mereceu uma extensa descrição por parte de Manning. A tripulação pede ao comando – e recebe – autorização para matar. Em seguida, se congratulam: “bastardos mortos”. Quando um ferido se arrasta tentando escapar, um tripulante torce para que pegue uma arma para que possa alvejá-lo.
A seguir, uma van carregada de civis, inclusive de crianças, que chega para socorrer as vítimas, também é atacada – seis vezes. Quando uma unidade de infantaria vai ao local e constata que há crianças feridas, há o comentário “quem manda trazer suas crianças para o campo de batalha”. A tripulação do helicóptero também festeja quanto um veículo da unidade passa por cima de um corpo. Há ainda o vídeo sobre o ataque no Afeganistão em que foram mortos de 100 a 150 civis em 2009.
Sobre os 250 mil telegramas do Departamento de Estado vazados, Manning disse que quanto mais os leu “mais chegou à conclusão de que esse tipo de informação deveria se tornar pública”. A maioria dos telegramas era desclassificada e não podia causar danos aos EUA – exceto quanto à sua ingerência e intervenção externa. “Documentavam acordos pelas portas dos fundos e atividades aparentemente criminais que não pareciam característica do de fato líder do mundo livre”, assinalou, após lembrar uma declaração sobre “diplomacia aberta escrita depois da I Guerra Mundial e de como o mundo seria um lugar melhor se os estados evitassem fazer pactos e acordos secretos com e contra os outros”.
GUANTÁNAMO
Manning confirmou ter repassado documentos sobre presos de Guantánamo, referentes àqueles que já haviam sido libertados há anos. “Nós estávamos mantendo um número crescente de indivíduos indefinidamente que nós acreditávamos ou sabíamos serem inocentes, soldados de baixo nível que não tinham dados de inteligência úteis e que seriam soltos se ainda estivem no teatro de operações”. Ele lembrou também a promessa do recém-eleito Obama de fechar Guantánamo.
Antes de se resolver por vazar ao WikiLeaks os documentos do Pentágono e do Departamento de Estado, Manning tentou divulga-los através dos dois maiores jornais dos EUA, o Washington Post e o New York Times, mas não teve resposta. Em sua declaração, Manning fez questão de deixar claro que jamais foi pressionado pelo WikiLeaks para fornecer mais documentos, e disse acreditar que esteve em contato possivelmente com Julian Assange, o editor do site.

 
ANTONIO PIMENTA
http://www.horadopovo.com.br/

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