quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Desnacionalização e redução de investimentos derrubam indústria



Até setembro, o setor de bens de capital caiu 12,4%; o de bens de consumo duráveis, caiu 6,2%; e o de bens de consumo semiduráveis e não duráveis, 0,6%

Não é agradável escrever sobre desastres. Mas a maneira mais segura e rápida de piorá-los – torná-los cada vez maiores, mais impressionantes e irreversíveis – é fingir que eles não existem.

O resultado da produção física industrial, divulgado pelo IBGE no dia 1º, acabou com as expansões irresponsáveis do ministro Mantega quanto à “recuperação” da economia, que já estaria chegando a cavalo. Resta, ainda, a explicação de Mantega para a derrocada: naturalmente, a “crise internacional”. Mas, por que, então, a indústria no Brasil, segundo a Economist Intelligence Unit (EIU), está com crescimento abaixo da indústria de todos os outros “países emergentes”?

Por que o crescimento do PIB industrial brasileiro está abaixo daquele da Estônia (+10%), China (+9,1%), Letônia (+8,4%), Turquia (+6,9%), Polônia (+6,6%), Vietnã (+6%), Indonésia (+5,3%), Peru (+5,1%), Argentina (+4,9%), Rússia (+4,2%), Bulgária (+4%), Ucrânia (+3,9%), Hungria (+3,8%), Filipinas (+3,6%), Venezuela (+3,5%), Chile (3,4%), África do Sul (3,1%), etc.?

Esses resultados são em valor.  Na mediana, diz o BC, as estimativas atuais para o crescimento do PIB industrial do Brasil em 2012 estão em +0,02% (cf. Bradesco, Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos, “Compilação sistemática referente às projeções do mercado de curto, médio e longo prazos”, 01/11/2012).

Mas o importante, nessa comparação, é que o nosso desempenho medíocre não pode ser explicado pela “crise internacional”. Por que ela atingiria o Brasil mais do que países “emergentes” muito mais débeis? No momento, essa crise continua não existindo: o que existe é uma crise dos países centrais.

Quanto à produção (física) industrial no Brasil, a projeção atual divulgada pelo BC está em -2,34% para 2012. Então, voltemos aos resultados do IBGE.

A produção industrial em setembro caiu -1% em relação a agosto; caiu -3,8% em relação a setembro do ano passado; caiu -3,5% no ano (janeiro a setembro); caiu -3,1% nos últimos 12 meses; e, quanto ao terceiro trimestre, caiu -2,8% em relação ao mesmo trimestre de 2011.
Se essas comparações do resultado geral são algo aparentadas a um inferno vermelho, pior quando decompomos esse resultado. Para resumir, no ano, o setor de bens de capital (máquinas e equipamentos) caiu -12,4%; o setor de bens de consumo duráveis caiu -6,2%; o setor de bens de consumo semiduráveis e não duráveis caiu -0,6%; o de bens intermediários caiu -2,2%
A produção caiu em 17 dos 27 ramos industriais; em 48 dos 76 subsetores; e em 59,6% dos 755 produtos investigados pelo IBGE – com quedas quase abissais em alguns: veículos automotores (-15,4% no ano); aparelhos e equipamentos de comunicações (-16,3%); máquinas para escritório e equipamentos de informática (-13%); vestuário e acessórios (-11,2%); alimentos (-3,5%); metalurgia básica (-4,8%); máquinas, aparelhos e materiais elétricos (-7,5%).
Já nos referimos aqui à intensa destruição de elos das cadeias produtivas, atingidos por uma política premeditada, por parte da equipe econômica, a partir de janeiro de 2011 (aumentos de juros, câmbio deformado, estímulo e subsídios às importações, arrocho salarial e asfixia de gastos e investimentos públicos).
Esse continua sendo o problema, apesar da melhora nos juros e no câmbio. Ou implementamos uma política de substituição de importações – que não pode ser a mera montagem dessas importações aqui dentro, pelas filiais de multinacionais – ou patinamos na estagnação.

Vejamos alguns outros dados, começando pelos investimentos públicos:

1) Até setembro, o governo federal investiu efetivamente apenas 13,19% da verba autorizada pelo Congresso para investimentos orçamentários, o que significa apenas 11 bilhões, 885 milhões e 472 mil reais em nove meses de governo – ou, em média, 1 bilhão e 320 milhões ao mês (cf. MF, STN, “Relatório Resumido da Execução Orçamentária”, janeiro a setembro de 2012, pág. 11).

2)  Mas nem todos os investimentos públicos são orçamentários: em outro relatório do Tesouro, é dado como investimento total do governo até setembro, incluído o programa “Minha Casa, Minha Vida” (MCMV), o total de R$ 45,2 bilhões – um investimento total que seria apenas metade da dotação orçamentária aprovada pelo Congresso para investimentos. No entanto, para se chegar a esses R$ 45,2 bilhões é necessário somar os financiamentos da Caixa aos mutuários do MCMV. O total do PAC, sem essa soma, são investimentos de R$ 24,3 bilhões até setembro. Em suma, não foi abandonada a política - recessiva de fio a pavio - de bloquear gastos e investimentos públicos.

3)  O resultado foi um impacto direto e violento sobre a indústria nacional: “O volume abaixo do esperado de obras públicas este ano trouxe inadimplência e estoques elevados ao setor [de bens de capital]”. Além disso, como registrou o BC, “a participação dos importados no atendimento da expansão anual do consumo de bens industriais passou de aproximadamente 40% em 2008 e 2010, para 100% em 2011” (cf. BC, Relatório de Inflação, junho 2012).

4) Apesar dos esforços da presidente Dilma, que fizeram a taxa básica de juros cair substancialmente, os juros dos bancos ainda estão muito altos. Inclusive as taxas dos bancos públicos, com exceção do BNDES. Apesar disso, a queda nos juros dos bancos públicos foi suficiente para que eles chegassem, hoje, a 45,5% do “estoque de crédito” do país (o dinheiro que está emprestado). Mas isso ainda é pouco para as necessidades do país, como veremos pelo item seguinte.

5) Está havendo uma sonegação do crédito por parte dos bancos privados: “Setembro trouxe uma desaceleração significativa no ritmo anual de expansão do crédito, que caiu de 17% em agosto, para 15,8%, ficando abaixo da projeção do BC para o fechamento de 2012, de 16%. (…) há quem acredite que o crescimento do estoque pode ficar abaixo do que estima a autoridade monetária. 'Há um risco do crescimento ser abaixo de 15% neste ano, já que a queda foi generalizada', afirma Carlos Kawall, economista do J. Safra e ex-secretário do Tesouro” (v. Valor, 29/10/2012). Em 2010, quando a economia cresceu 7,5%, a expansão do crédito foi 20%.

6) O endividamento médio das famílias está em 22,36% da renda familiar. O problema é a política geral de contenção de salários. Em relação ao mesmo período de 2011, os salários dos trabalhadores com carteira assinada variaram apenas +3,61%, a mesma coisa que os salários do setor público (+3,66%). Isto é, apesar da maioria dos acordos salariais, segundo o Dieese, conquistarem aumentos reais, o IBGE não consegue encontrar o mesmo, quando se trata da maioria dos trabalhadores (cf. BC, Indicadores Econômicos, “Rendimento médio real efetivo das pessoas ocupadas”, 31/10/2012, fonte: IBGE).

7) Mas não é isso que vem impedindo os bancos de baixarem os juros, pois não há crescimento significativo da inadimplência por esse lado. A questão é que eles ainda estão ganhando muito com os títulos públicos (no momento, o custo médio da dívida federal está em 12% a.a., apesar da taxa básica ter caído para 7,25% a.a.).

8) A política de favorecimento ao capital estrangeiro – basicamente, de desnacionalização da economia - levou à estagnação, mas continua sendo aplicada a todo vapor. Um boletim financeiro nota, com alguma satisfação: “As medidas governamentais de proteção à produção local têm efeito ambíguo sobre o investimento. No curto prazo, encarecem (ou tornam mais demoradas) a compra de equipamentos importados. Ao longo do tempo, no entanto, aceleram o ingresso de investimentos estrangeiros diretos em alguns setores. Esse efeito é particularmente importante no atual contexto de crise global de demanda, em que vale o custo do deslocamento da produção para ter acesso ao mercado brasileiro” (cf. Itaú BBA, “Brazil Orange Book”, 05/11/2012, pág. 3, grifo nosso).
Em resumo: o objetivo dessa política, ao contrário do que pode parecer, é aumentar a desnacionalização da economia, atraindo mais investimento direto estrangeiro (IDE).

O novo relatório da UNCTAD é bem esclarecedor a esse respeito: de 1990 a 2000, o estoque de IDE no Brasil aumentou 229,13%. De 2000 a 2011, esse estoque aumentou 447,79% (cf. UNCTAD, “World Investment Report 2012”, pág. 175).
O resultado, exceto quando o investimento público puxou o crescimento, isto é, quando Lula, contra Mantega, estabeleceu o Plano de Aceleração do Crescimento, foi a mais patética estagnação da economia e do país.

CARLOS LOPES

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