quarta-feira, 3 de outubro de 2012

“Desoneração” cria rombo de R$ 2 bilhões na Previdência


“Não é aceitável desmontar o orçamento da Seguridade Social com a desculpa de oferecer competitividade ao Brasil”, afirma a Anfip

Algumas horas após o  Ministério da Previdência Social (MPS) anunciar um déficit, apareceu um de seus secretários vituperando a “benevolência” (sic) da previdência no Brasil. Segundo esse gênio, é preciso endurecer com os aposentados e com as viúvas, pois... bem, leitores, vamos deixar isso pra lá.

Dos R$ 4,936 bilhões, divulgados pelo MPS como déficit em agosto, nada menos que  R$ 2,024 bilhões correspondem a renúncias fiscais – isso que na linguagem oficial é chamado de “desonerações”. O resto, R$ 2,912 bilhões, não é déficit: trata-se do resultado da previdência rural. Como diz o professor Eduardo Fagnani, do Instituto de Economia da Unicamp, “sentenciar que a Previdência Rural incorre em ‘déficit’ é tão equivocado quanto afirmar que existe ‘rombo’ nas contas dos ministérios da Defesa, do Planejamento, da Educação ou da Casa Civil”.

Em suma, a Constituição de 1988 criou duas contribuições para financiar a Seguridade Social: a CSLL e a COFINS. No entanto, elas não são computadas como fonte de financiamento da Previdência Rural. Por esse método, sempre é possível criar um déficit, com um artifício meramente contábil.

Quanto ao setor urbano da Previdência, apesar das desonerações, teve superávit de R$ 1,633 bilhão.

Mas, voltemos às desonerações: o governo federal estabeleceu que as desonerações que afetarem a receita da Previdência serão cobertas pela União, ou seja, pelo Tesouro (lei nº 12.546/2011, art. 9º, inciso IV). Se é assim, como se explica um rombo de R$ R$ 2,024 bilhões em agosto, devido às desonerações?

O motivo parece algo inacreditável, mas é o óbvio: o Tesouro está caloteando a Previdência. Nisso, não é estranho o fato do setor público ter pago quase 148 bilhões de reais (R$ 147.580.211.139,37) de juros desde janeiro e 224 bilhões (R$ 224.046.490.927,50) nos últimos 12 meses (cf. BCB, Relatório de Política Fiscal, 28/09/2012, Quadro II e Quadro III). Nem o fato de ter mobilizado as estatais para aumentar o “superávit primário” (isto é, a reserva para juros) de agosto.

Apesar da queda na taxa de juros básica (Selic), a taxa de juros da dívida pública ainda está em 15,9% nos últimos doze meses (a taxa de juros da dívida apenas do governo federal e do BC está ainda mais alta: 16,7%; mesmo se considerarmos apenas a taxa de janeiro a agosto, respectivamente 10,2% e 10,6%, ela ainda é muito alta - cf. BC, Relatório de Política Fiscal, 28/09/2012, Quadros XIII e XIV).

Considerando o que está ocorrendo na Previdência, é impossível não concordar com a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) quando pondera que “não é aceitável desmontar o orçamento da Seguridade Social com a desculpa de oferecer competitividade ao Brasil, já que há diversos outros fatores envolvidos na questão competitiva, como o câmbio, a infraestrutura e a sonegação. (…) cada ponto percentual desonerado na folha de pagamento tem custo de R$ 5 bilhões sem a garantia da prometida geração de empregos ou aumento da competitividade”.

O presidente da Anfip, Álvaro Sólon de França, propõe um debate sobre os efeitos da desoneração, já que, segundo ele, as companhias transnacionais beneficiadas estão remetendo lucros para o exterior: “Então, o que muitas vezes as renúncias fiscais estão fazendo é tirar do vermelho as empresas nos seus países de origem, numa transferência de recursos”.

Mas vejamos mais de pertp o que é esse desmonte do orçamento da Previdência.

Depois da última medida de “desoneração” (MP 563/2012), o número de produtos atingidos foi a 2.779 (ao contrário do disposto na Constituição, o governo está fazendo desonerações por mercadoria e não por atividade econômica).

Somente o faturamento ou receita bruta com as vendas internas – mas não o faturamento ou receita com as exportações – entram no cálculo do imposto que substitui a contribuição à Previdência pela folha de pagamento. A parcela do faturamento que vem das exportações está isenta de qualquer contribuição à Previdência.

Assim, “na medida em que a desoneração estimula o crescimento das exportações, ocorre, em contrapartida, uma queda proporcional na arrecadação previdenciária” (cf. Airton Nagel Zanghelini (et al), “Desoneração da folha de pagamentos: oportunidade ou ameaça?”, Anfip, Brasília, 2012, pág. 95).

O trabalho que acabamos de citar, bastante complexo, calcula a queda na arrecadação da Previdência nos moldes atuais de “desoneração”:

A redução no valor de arrecadação previdenciária é de 46,4% para os segmentos econômicos incluídos no art. 7º [serviços] e de 35% para os abrangidos pelo art. 8º [indústria] da Lei nº 12.546/2011”.

Para a indústria de transformação, mostram os auditores que, ao excluir a exportação, a alíquota de 1% sobre o faturamento não substitui os 20% sobre a folha de salário:

“... a alíquota substitutiva que corresponderia à desoneração integral da contribuição patronal de 20% sobre a folha de pagamentos deveria ser de 1,41%” (trab. cit. .

Ou seja, o Tesouro teria que cobrir os 0,41 p. p. restante – ou se cavaria um rombo na Previdência: uma perda de R$ 9,7 bilhões em preços de 2012, somente nas empresas da indústria de transformação.

VALDO ALBUQUERQUE

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