quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Balanço de 2012: cadê a derrota do PT?

Por Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador:

No mesmo dia em que a Venezuela reelegeu Hugo Chávez (mas não era uma “ditadura”? Curioso… A oposição lutou nas urnas, e legitimou o processo, conquistando 45% dos votos), a democracia brasileira deu demonstrações inequívocas de força e complexidade. A seguir, um balanço das eleições municipais.
A realidade contrariou as previsões (ou sera a torcida?) de colunistas da velha mídia. O PT e Lula não sofreram a derrota acachapante desejada por mervais e outros que tais. E não apenas porque Haddad foi ao segundo turno em São Paulo, com chances razoáveis de vencer Serra. O PT também manteve a força na Grande São Paulo (venceu em São Bernardo do Campo, e deve confirmar Guarulhos, Osasco e Santo André no segundo turno), avançou sobre o Vale do Paraíba (reduto de Alckmin), elegendo em primeiro turno o prefeito de São José dos Campos (cidade do emblemático despejo do Pinheirinho; entre ”Mensalão” e “Pinheirinho” o segundo parece ter pesado mais para definir a derrota tucana). O PT também surpreendeu em Campinas, levando Márcio Pochmann ao segundo turno, contra o candidato de Alckmin.

O tucanato paulista (ainda forte no interior e nos bairros centrais da capital) terá que suar para manter o controle do Estado em 2014; talvez, não tenha energia para mais uma disputa nacional.

O PT também se fortaleceu em Minas, apesar da derrota para Aécio/Lacerda em BH. O partido de Lula conquistou importantes cidades mineiras, como Uberlândia, Poços de Caldas, Pouso Alegre, Ipatinga, e vai disputar o segundo turno em Juiz de Fora. Na cidade operária de Contagem, a derrota de Aécio foi mais dolorida: PCdoB e PT disputarão segundo turno, deixando os tucanos de fora. O que isso tudo significa? Aécio sem dúvida colheu uma vitória pessoal sobre Dilma e Lula com a eleição de Lacerda (PSB). Mas a força do mineiro é relativa – ainda que respeitável.

Voltemos agora o olhar para o quadro nacional. Se o PT não colheu a derrota acachapante que certos colunistas (cada vez mais desmoralizados pelos fatos) previam, também não saiu excessivamente fortalecido. E por isso falo que a democracia brasileira mostrou maturidade.

Outro fato salta aos olhos: onde o PT e o núcleo duro do lulismo fracassaram, não foi a velha oposição que avançou. Não. No Brasil, desenha-se cada vez com mais força o nascimento de uma “terceira força” - ainda disforme, incompleta e que talvez não tenha peso para derrotar o lulismo já em 2014. O PSB de Eduardo Campos é a face mais evidente dessa “nova oposição” que pode brotar de dentro do governismo.

Os socialistas consolidam-se como a quarta legenda nacional, deixando pra trás os decadentes DEM, PTB e PP. Isso fica evidente até pelo número de prefeitos eleitos pelo PSB (433), já se aproximando de PT (627, em alta), PSDB (688, em queda) e PMDB (1.016, em queda, mas ainda assim o partido com mais capilaridade no país).

A vitória em primeiro turno no Recife foi estratégica para Eduardo Campos. E a vitória em BH (jogando de tabelinha com Aécio) é um recado ao PT: se não conseguir mais espaço na aliança governista, pode ser uma força independente em 2014, ou até articular aliança com os tucanos de Minas.

Imaginem uma eleição presidencial com Dilma, Aécio (conquistando o voto anti-PT do Sul e de São Paulo, e ainda arrancando do lulismo parte dos votos mineiros que foram tão importantes em 2010), Marina (arregimentando a tal “nova classe média” e os setores descontentes com o PT)… Eduardo Campos e PSB poderiam surgir como uma quarta força (tirando do PT parte do eleitorado nordestino) – uma força que pode atuar sozinha ou em parceria com as outras três acima listadas. É eleição para dois turnos – com favoritismo para Dilma, mas muito mais aberta do que em 2010.

Mas o PT mostra uma capacidade grande de adaptação. Avança para o Centro-Oeste (conquistou Goiânia e pode levar Cuiabá no segundo turno), antes apontada como região “conservadora” (será que o PT passa a ser visto como uma centro-esquerda cada vez mais moderada, fiadora da estabilidade?); pode colher vitórias importantes no Nordeste (Salvador, Fortaleza e João Pessoa) no segundo turno; e aprende a colocar-se como coadjuvante nos locais onde o eleitorado torce o nariz para o partido (é o caso de Curitiba, onde a legenda de Lula integra a coligação de Fruet, do PDT, que foi ao segundo turno contrariando todas as pesquisas).

Aliás, é importante destacar também o avanço relativo do PDT: elegeu Fortunatti em Porto Alegre, pode conquistar Curitiba e tem boas chances em Natal. É da base aliada de Dilma. Mais um exemplo de que não é a velha oposição que avança onde o PT tem dificuldades. À diferença do PSB, no entanto, a legenda trabalhista não tem um nome nacional para unificá-la. De toda forma, ganha musculatura para negociar mais espaço.

O quadro geral, portanto, é de fragmentação. O PT – partido ainda hegemônico no país - terá que fazer uma escolha: vai priorizar a aliança com PMDB (partido que domina os pequenos municípios)? Ou terá que abrir mais espaço para PSB e outras legendas de centro-esquerda?

E a velha oposição? Está claro que PSDB e DEM dependem cada vez mais - para seu projeto nacional de poder - das defecções na base governista. Hoje, os tucanos precisam mais de Eduardo Campos do que o contrário. Com o PSB, Aécio ficaria realmente forte. Não é à toa que FHC lança hoje na “Folha de S. Paulo” (espécie de diário oficial do tucanato) um pedido, quase uma súplica ao líder socialista, ao falar de aliança com o PSB: “se houver, será forte e salutar, Mas depende do desempenho do governo federal e das alianças da presidente Dilma para ver se o Eduardo se arrisca a romper.”

Difícil imaginar que Eduardo Campos vire linha auxiliar do tucanato paulista. Ele não precisa disso. Pode esperar até 2018, costurando até lá uma ponte com o Sudeste via Aécio e PSD de Kassab. Nesse caso, parte da velha oposição (embutida no “novo” partido kassabista) é que viraria linha auxiliar do PSB.

Do ponto de vista das classes e grupos sociais, o que isso tudo significa? O PT e o lulismo costuraram um “bloco político” que teve papel relevante num país extremamente desigual. Se o Brasil, graças ao lulismo, se transformar mesmo num “enorme país de classe média”, pode ser que uma nova força tenha que surgir para comandar o processo. Não será o PSDB paulista/DEM (que representam as velhas elites e a velha classe média, desesperadas com a perda de espaço); e talvez a médio prazo não seja o PT a comandar esse novo bloco histórico.

A tal nova (?) força (representando setores emergentes nas capitais e nas maiores cidades do interior) incorporaria a pauta ambiental, significando um passo adiante no projeto lulista de inclusão via crédito/consumo/programas sociais.

Isso já ficou evidente com a votação de Marina em 2010. Em 2012, o eleitorado deu o mesmo recado, procurando escapar da polarização extrema entre PT e PSDB. Em 2014 e 2018, o espaço estará aberto para essa nova força que hoje ainda não se consolidou.

Dilma e Lula têm sabedoria para “ler” esse quadro. E talvez por isso caminhem cada vez mais para o centro – para desespero da velha esquerda, e dos sindicatos e movimentos sociais que se alinham com o lulismo. O PT pode ter fôlego para se adaptar aos novos tempos. Mas certamente há mais gente disposta ocupar esse espaço.

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