sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Furnas está em “reestruturação” sob as ordens do Deutsche Bank

Plano é cortar R$ 440 milhões nos gastos de custeio da estatal responsável por quinze hidrelétricas, duas termelétricas e 19.419 km de linhas de transmissão

Na terça-feira, depois de declarações do ministro das Minas e Energia, ficou claro que a propalada - na semana anterior - redução das tarifas de energia é, a rigor, um sufoco nas geradoras e transmissoras estatais de eletricidade, ou seja, na Eletrobrás.

Essas empresas são, basicamente, mais de 60% do sistema Eletrobrás. Elas terão que ajustar suas despesas e suas contas à nova ordem, às circunstâncias novas que surgiram”, disse o sr. Lobão, que ainda culpou a Eletrobrás por pagar “salários elevados” e “oferecer vantagens” aos seus funcionários, como se engenheiros elétricos e outros técnicos pudessem ser mantidos numa empresa estatal (ou em qualquer empresa) com uns dois ou três salários mínimos.

Resumindo: com a Medida Provisória nº 579, o que parecia um paradoxo – a devolução à União de ativos que estão em mãos de empresas que pertencem à própria União ou a prorrogação da concessão – transformou-se numa forma de espremer as empresas públicas; não há garantia da redução anunciada (um engenheiro e consultor da área qualificou os cálculos apresentados como “contas de padeiro”); mas há garantia de que as estatais sairão perdendo.

Não é difícil perceber quem sai ganhando, quando a maior parte da distribuição foi não somente privatizada, mas desnacionalizada – e dessas distribuidoras não foi, praticamente, exigido nada, sob a argumentação de que a lei ou o modelo já o faz.

O físico Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobrás, apontou que há uma política de demitir os quadros mais experientes – aqueles que condensam o conhecimento adquirido nas e pelas empresas estatais. Literalmente: “[as estatais] têm um acúmulo tecnológico muito grande, uma cultura hidrelétrica e também de engenharia - e o que eu estou vendo é uma corrida para reduzir quadros mais antigos”.

Um outro especialista formulou o que estava no ar, sob forma de pergunta: “Será que há interesse  em quebrar estatais como CHESF, Furnas e CEMIG, para facilitar a assunção pelo capital privado das hidrelétricas dessas empresas?” (Engenheiro João Paulo Maranhão de Aguiar, Ilumina, 17/09/2012).

Não sabemos, mas o que está acontecendo em Furnas – que, segundo o atual presidente da Eletrobrás, será modelo para as outras empresas do grupo – não é edificante.

Furnas encontra-se em “reestruturação”, sob as ordens da Roland Berger Strategy Consultants, com sede em Munique, mais americana que alemã, controlada pelo suspeitíssimo Deutsche Bank.

A Roland Berger Strategy Consultants foi contratada por US$ 500 mil e está sendo paga pelo BID – que, como se sabe, adora estatais...

Segundo o sr. Decat, presidente de Furnas, o objetivo da “reestruturação” é diminuir em 35% os funcionários e cortar R$ 440 milhões nos gastos de custeio (de uma companhia que administra, ou seja, que “custeia” 15 hidrelétricas, duas termelétricas e 19.419 km de linhas de transmissão).

Segundo Decat, “Furnas tem hoje uma margem Ebtida [lucro antes de descontar juros, impostos, depreciações, exaustões e amortizações; a “margem” é a divisão do Ebtida pela receita operacional], que é quanto sobra para investir, pagar dividendos e dívida, da ordem de 20% em relação a receita. Esse é um número ineficiente e nós queremos aumentar para 70%, que é o que uma empresa de geração e transmissão eficiente pratica no mercado”.

O sr. Decat rebaixou, por sua conta, o resultado de Furnas. No primeiro semestre deste ano, a “margem Ebitda” de Furnas foi 25,7%.

Mas não esclareceu que empresas de eletricidade são essas, com uma “margem Ebtida” de 70%, que ele achou no mercado. Nos EUA, entre as 500 maiores da “Fortune”, não há nenhuma. A que tem uma “margem Ebtida” maior, a Exelon, está pelos 30%. Será que o Decat estava falando da falecida Enron?

O sucesso do “Ebtida” como medida de avaliação de uma empresa é mais ou menos equivalente (ou análogo) ao do “superávit primário” para a administração pública: os bancos queriam um critério para avaliar as possibilidades de uma empresa continuar pagando juros e amortizações. O “Ebtida” - lucro antes dos juros, impostos, depreciações, exaustões e amortizações - serve para isso (v., p. ex., Revista de Contabilidade do Mestrado em Ciências Contábeis da UERJ, v. 10, nº 2, 2005, p.27).

Com base nesse critério, Decat, evidentemente, quis passar a empresa que preside como ineficiente. Porém, Furnas é a 56ª maior empresa brasileira em faturamento, 33ª companhia do país com maior “Ebtida” - US$ 851,4 milhões (cf. Exame, “Melhores e Maiores Empresas 2011”, julho 2012) – e, até sua posse no cargo, considerada um prodígio de profissionalismo até pela “Veja”.

Decat, presidente de uma empresa em que o Estado, através da Eletrobrás, tem 99,82% das ações ordinárias e 98,56% das ações preferenciais (cf. Relatório Anual de Furnas, pág. 29), não está preocupado em satisfazer seu maior acionista. Pelo contrário, quer tornar Furnas “mais competitiva e atraente aos investidores e parceiros” e “completamente alinhada às exigências de modernidade”.

Bem, já ouvimos isso em outro lugar e outro tempo. Acabou no apagão. Mas, vejamos de que empresa estamos falando.

Furnas, fundada pelo presidente Juscelino Kubitschek em 1957, tem a geração, transmissão ou comercialização de 40% da energia elétrica do país – especialmente no Sudeste, região mais industrializada do país, embora vá além desse marco geográfico.

Há pouquíssimas empresas de eletricidade no mundo – sobretudo se excetuarmos outras brasileiras – com o seu porte, o seu know-how e a sua lucratividade. Ela atende 13 Estados, tem 15 usinas hidrelétricas e 2 termelétricas, capacidade instalada total de 11.365,58 MW, linhas de transmissão de 19.419 km e uma comercialização, em 2011, de 54.892 GWh.

Além dos resultados operacionais – há mais de 50 anos, Furnas é notória pela eficiência -, os resultados financeiros são igualmente bons: em 2011, seu lucro líquido foi de R$ 260 milhões, com um patrimônio líquido de R$ 13,3 bilhões (capital acionário: R$ 65,2 bilhões) e fez investimentos de R$ 2,019 bilhões, mais, portanto, que o gasto com custeio previsto para este ano (R$ 1,98 bilhão).

Observemos que o lucro líquido de 2011 foi, em verdade, bem maior – os R$ 260 milhões são uma redução contábil violenta, causada pelo plano de demissão “voluntária” do sr. Decat (para o qual foi feita uma provisão de R$ 341 milhões) e por outra provisão, de R$ 349 milhões, por ativos mais antigos (“provisão para redução do valor recuperável de ativos de longa duração”).

Ou seja, o lucro líquido sem essas provisões - que não são gastos, mas reservas para possíveis gastos - seria de R$ 950 milhões, quase um bilhão de lucro líquido.

Pois bem, leitores, com esses resultados, e com esse tamanho, Furnas fechou o ano de 2011 com 6.401 funcionários (4.860 efetivos e 1.541 não efetivos).

Mas, segundo o seu presidente, a empresa “não estava preparada para as mudanças” da MP nº 579.

Se é assim, melhor seria mudar a MP. Por que cargas d'água temos que emitir MPs para espremer as empresas nacionais – e estatais?
CARLOS LOPES

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