quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Mantega comemora crescimento do PIB menor que ano passado


“Recuperação cada vez mais nítida”, diz ministro

Há certas declarações que deviam implicar, digamos, em punição e execração pública – para não usar um termo mais chulo.

Na sexta-feira, o ministro da Fazenda declarou que “a economia está em recuperação cada vez mais nítida. Ultrapassamos o Cabo da Boa Esperança. O varejo teve um crescimento extraordinário. Cresceu 6,1% no mês, no conceito ampliado”.

Um repórter lembrou que o aumento do consumo foi à custa de um endividamento de 44% da renda das famílias – o que, acrescentamos nós, é uma consequência inevitável da contenção (ou, se o leitor quiser, arrocho) salarial, que torna problemática a continuação do aumento do consumo.

Um sujeito sério falaria dos planos do governo, ou dele mesmo, para aumentar o salário real. Porém, Mantega nem se abalou: “parte da inadimplência que ainda existe é consequência do excesso de crédito de 2010”, ou seja, culpa do Lula. Ainda bem que ninguém – exceto ele – estava falando de inadimplência, mas de endividamento.

O que quer dizer esse pequeno chilique hiperbólico, onde não faltou até uma comparação com Bartolomeu Dias ou Vasco da Gama (o lusíada, não o esquadrão de S. Januário)? Por pouco não disse que, quando passou pelo Cabo, ouviu a voz do próprio Adamastor (“Naufrágios, perdições de toda a sorte,/ Que o menor mal de todos seja a morte.”).

Toda essa presepada quer dizer apenas que Mantega está comemorando um crescimento de 1,5% até o final do ano (ou, talvez, segundo uma parte dos economistas de banco, 1,75%). Significa que ele está achando fenomenal alcançar por volta de metade do medíocre crescimento do ano passado – apesar dele mesmo ter, no início do ano, garantido que íamos crescer pelo menos 4,5%, e, há poucas semanas, garantir que o crescimento do PIB seria, em 2012, maior que o de 2011, o que já não era grande vantagem (aliás, nenhuma).

No dia em que a discussão sobre o crescimento econômico for a de que estamos melhorando nossa posição dentro de um poço, Mantega até poderia dar uns palpites – se não fosse ele o responsável por atirar a economia no poço.

Por enquanto, a discussão é por que um país do tamanho do Brasil, com recursos vastíssimos, vai ter um crescimento tão baixo – e, ainda assim, se tudo correr muito bem no segundo semestre. Ou, dito de outra forma, por que o Brasil está crescendo a taxas muito menores que seus pares - segundo as projeções do FMI: China (8%), Índia (6,1%), Rússia (4%) e até menos que a África do Sul (2,6%) - ou menores que a média (5,6%) dos 150 países “em desenvolvimento” e/ou “emergentes”.

Não se pode sacar da algibeira uma suposta “crise mundial”, pois todos esses países ficam no mesmo mundo que nós, para, supostamente, justificar porque estamos nos arrastando atrás dos países que realmente estão em crise – EUA, países da Europa e Japão.

Então, esse é o problema: parece que estamos diante de uma equipe econômica que considera que sua principal tarefa é colocar a nossa economia a serviço das economias falidas dos países imperialistas, certamente para que elas se recuperem - caso contrário, como o Brasil poderia viver sem estar atrelado a esses países?

No dia seguinte ao recente pacote “logístico” (v. HP, 17-21/08/2012), o presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), Bernardo Figueiredo, nomeado para coordenar o programa, declarou o seguinte:

Se apenas empresas brasileiras disputassem os leilões, regras rígidas limitariam o número de competidores. A participação de estrangeiros, que já estão conversando conosco, eleva a competição e abre espaço para elevarmos as exigências de qualificação técnica e financeira. (…) Há um grande número de companhias [estrangeiras] sem obras por causa da crise econômica na Europa”.

Repare o leitor que Figueiredo falava de rodovias e ferrovias, onde temos experiência há longos anos, onde há grandes empreiteiras privadas nacionais que operam aqui e além das fronteiras, onde temos uma das engenharias mais desenvolvidas do mundo, e onde o Estado brasileiro fundou, há décadas, instituições de planejamento, fiscalização e acompanhamento com eficiência comprovada - o que sempre lhes garante o consagrador ódio da mídia.

No entanto, o sr. Figueiredo acha que as empresas estrangeiras são fundamentais para a competitividade – mesmo aquelas que, no momento, têm competitividade zero, porque estão sem obras para fazer... Haja interesse pela “competitividade” dos outros!

Vejamos outro exemplo: não será surpresa para os nossos leitores saber que das 10 maiores empresas importadoras do país, sete sejam filiais de multinacionais ou que, das 30 maiores importadoras, nada menos que 23 sejam filiais de multinacionais (cf. MDIC/Secex, “Importação brasileira/Principais empresas”, janeiro-julho 2012).

Porém, bem menos conhecido é que, depois da Vale e da Petrobrás, as maiores exportadoras do país são a Bunge (sede em White Plains, NY, EUA), a Archer Daniels Midland (ADM - EUA), a Cargill (EUA) e a Louis Dreyfus (França). Juntas, essas filiais de multinacionais exportaram, em valor, 9,51% do total das exportações brasileiras de julho. São elas, principalmente, que exportam commodities agrícolas no Brasil (cf. MDIC/Secex, “Exportação brasileira/Principais empresas”, janeiro-julho 2012).

Portanto, de toda a xaropada ultimamente publicada sobre o comércio exterior do Brasil, taxa de câmbio e o escambau, resta dizer que estamos sem controle tanto das importações quanto das exportações, exceto a parcela realizada pela Petrobrás – que é 10% do comércio exterior.

Quanto ao mercado interno, onde somente as importações de produtos acabados já ocupam 1/4 do consumo – sem contar, portanto, a montagem das multinacionais, que é realizada a partir de componentes importados -, a situação é crítica.

A quantidade física (“quantum”) das importações de bens intermediários – sobretudo componentes – aumentou +114% nos oito anos do governo Fernando Henrique. Com o estímulo do sr. Mantega, aumentou +61% de 2006 a 2011 – e quase 10 pontos percentuais deste aumento cabem a 2011/2010.

Realmente, assim, no máximo ficaremos no atoleiro que convir aos monopólios falidos de outros países. E o sr. Mantega continuará a enxergar o Cabo da Boa Esperança em lugares insuspeitados.

CARLOS LOPES

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