quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Arrocho aos servidores achata mercado interno e investimento


Quanto mais baixa a renda, pior para o mercado interno e para as empresas privadas nacionais

O governo começou, na terça-feira, a negociar com os funcionários públicos. Preferiu (pois poderia tê-lo feito antes a qualquer momento) assistir ao alastramento de um incêndio com grandes proporções – uma greve que paralisa a administração do país quase há dois meses – para negociar. E, ainda por cima, só o faz no momento em que tem de enviar ao Congresso a proposta orçamentária para o próximo ano. Infelizmente, a política de fato consumado e de ignorar a realidade, mesmo após os resultados desastrosos que já provocou, ainda não foi superada pelo Planalto.

Seria bom que alguém explicasse à população – ou seja, a nós – por que o governo, até agora, pretende que os salários dos funcionários não devem ter reajuste. Ou, em outras palavras, por que acha justo que os funcionários tenham o salário real reduzido, pois é isso o que significa não ter reajuste ou ter um reajuste inferior à inflação.

Nem perguntaremos como o governo pretende que a população tenha “serviços públicos de qualidade”, se os responsáveis por esses serviços não têm direito nem à reposição da inflação nos seus salários. A pergunta, obviamente, seria ociosa. Ninguém que queira serviços públicos de qualidade pode pregar, ao mesmo tempo, que ele seja efetuado por funcionários que têm o salário real reduzido a cada mês e a cada ano – a rigor, a cada dia.

Segundo o sr. Mantega, os funcionários não devem ter reajuste porque ganham muito bem (!?) – deve ser o caso dele, que ganha demasiado para emitir esse gênero de idiotice. É inútil levar a sério quem chama de “solidez fiscal” um gasto de R$ 230 bilhões com juros, mas acha um absurdo a simples reposição da inflação no salário dos servidores.

Outra resposta ridícula que se forjou para a mesma questão é a de que a hora é do investimento público, e não do aumento dos salários dos servidores.

Resta saber, então, por que, dos R$ 67,5 bilhões de investimentos autorizados pelo Congresso para 2011, apenas R$ 17 bilhões foram liberados, e nem estamos falando do efetivamente pago, que foi menos ainda (R$ 16,7 bilhões), mas do que foi “liquidado” (cf. Tesouro Nacional, RREO [Relatório Resumido da Execução Orçamentária]/janeiro a dezembro 2011, pág. 11; no mesmo relatório, v. também anexo 1-Balanço Orçamentário, págs. 2 e 4).

Mas pode ser que no ano passado fosse diferente. Ou que, em 2012, o governo tenha corrigido sua política. Então, vejamos este ano: se “a hora é do investimento público”, por que, até o último dia 30 de junho, apenas 5,41% dos investimentos orçamentários federais, autorizados para 2012, haviam sido liberados – e menor ainda a parcela efetivamente paga? (cf. TN, RREO/junho 2012, idem).

Evidentemente, não é para aumentar os investimentos públicos que o governo não quer reajustar o salário dos funcionários. Ele não quer reajustar os salários pela mesma razão que derrubou os investimentos: a submissa crença de que não podemos crescer enquanto os EUA, Europa e Japão estiverem imersos na crise. Ou, o que é a mesma coisa, a crença de que só podemos crescer como apêndices dos países imperialistas - para ser mais exato, dos EUA.

A presidente Dilma, na sexta-feira, disse que “tem de olhar o que é mais importante no país. O que o meu governo vai fazer é assegurar empregos para aquela parte da população que é a mais frágil, que não tem direito à estabilidade, que sofre porque pode e esteve, muitas vezes, desempregada”.

Nossa contribuição à presidente, que ajudamos a eleger e apoiamos, é falar a verdade: o governo não está assegurando emprego de ninguém com a atual política. Há quatro meses que o desemprego industrial está aumentando, pois a produção da indústria está caindo há um ano e meio – o que nada tem a ver com a “crise internacional”, mas com a política de derrubada do crescimento.

Ao falar dos funcionários públicos, é bom saber do que estamos falando: há cerca de um milhão de servidores federais. Obviamente, a política do governo federal em relação a eles repercute diretamente na política de Estados e municípios em relação aos seus funcionários.

Logo, estamos falando de 10 milhões de servidores (federais, estaduais e municipais; o número deve ser algo maior, pois usamos aqui os dados expostos em “A Situação do Trabalho no Brasil na Primeira Década dos Anos 2000”, Dieese, São Paulo, 2012, pág. 102 - que são de 2009).

Admitindo, em média, quatro pessoas por família, estamos falando de 40 milhões de pessoas, que fazem parte do mercado interno – e quanto mais baixa for a sua renda, pior para o mercado interno e para as empresas privadas nacionais, ou seja, pior para o emprego no setor privado e para os investimentos (pois não há empresário que seja estimulado a investir pela perspectiva de um mercado minguante).

Portanto, o arrocho em cima dos servidores públicos não ajuda em nada a manutenção de empregos no setor privado. Pelo contrário. E não ajuda em nada a estimular os investimentos privados.

Além disso, ao tratar dessa forma os servidores, o governo está sinalizando para que os empresários tratem de forma semelhante os empregados de suas empresas. O que redunda em mais restrição do mercado interno: consequentemente, cedo ou tarde, em mais desemprego e menos investimento. Sobretudo quando o mercado externo é cada vez menos promissor – e, mesmo que não fosse assim, na economia brasileira as exportações equivalem apenas a 10% do PIB.

É difícil garantir empregos com menos investimentos públicos, menos mercado interno, menos investimentos privados, menos produção, menos salário e... menos emprego.

Mas essa é a única política com a qual o arrocho do funcionalismo é coerente.
CARLOS LOPES

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