quarta-feira, 27 de junho de 2012

Ouro, sol e guerra no Saara

TONY BUSSELEN *

O Níger é um dos países mais pobres do planeta. O país ocupa o penúltimo lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU.

Não é, contudo uma questão de falta de recursos naturais. O Níger é o terceiro produtor mundial de ouro. Seu subsolo contém igualmente urânio. Os habitantes, entretanto, em nada se beneficiam dessas riquezas. O grupo francês Areva (número um mundial da energia nuclear, quase 90% em mãos francesas) extrai todo ano do Níger perto de 3000 quilos de urânio e isso desde 1958, o jornal francês Le Canard Enchaîné calculou em 2005 que naquele ano Areva havia realizado 428 milhões de euros de lucros, e disso nada ficou no Níger. No mesmo ano, Areva gastou em ajuda humanitária ao Níger 214 mil euros, ou seja, 0,05% de seus superlucros no ano. Em 2007 Areva assinou um contrato por uma nova mina de urânio em Imourarem – a segunda jazida do planeta – prevista para entrar em exploração no ano seguinte. Tratava-se de um investimento de 1,2 bilhões de euros que faria crescer em 166% o fornecimento de urânio do Níger para a França.

O Mali, vizinho do Níger é também um importante produtor de ouro. Além disso no Mali há importantes jazidas de petróleo ainda hoje inexploradas.

O sol africano


Entretanto toda a região interessa, sobretudo, à multinacional alemã Siemens, que encara um projeto gigantesco de energia solar conhecido pelo nome de Dsertec. Em seis horas o deserto capta mais energia solar do que a humanidade consome em um ano, escreve a Desertec Foundation em seu site na internet (http://www.desertec.org/).

Desertec espera utilizar essa energia solar para a produção de eletricidade que ela encaminhará para a Europa através de uma vasta rede de linhas de transmissão de alta tensão.
Em 2050, ao menos 15% do consumo corrente de energia virá do Saara. Custo desse projeto: 400 bilhões de euros.
A França também é interessada na energia solar do Saara. Em 2008 a União para o Mediterrâneo (UPM) foi criada, entre outras coisas, para isso. Alguns meses depois de sua fundação o Plano Solar Mediterrâneo viria igualmente à luz com o objetivo de coordenar e supervisionar os projetos energéticos da UMP.

Manobras militares no Saara


Nesta região, no correr dos anos, os EUA e a OTAN organizaram uma série de programas de cooperação e exercícios militares. Em outubro de 2002 o Pentágono lançou a Iniciativa Pan-Saariana. Tratava-se de um programa militar do governo americano envolvendo os países do Saara, quer dizer: o Mali, o Níger, o Chade e a Mauritânia. Em 2004 esse programa seria substituído pela Inicitiva Trans-Saariana Contra o Terrorismo (TSTCI) mais centrado na luta contra o "terrorismo". Em maio de 2005 os EUA enviaram mil homens de suas "forças especiais" para a região a fim de aí organizar com os exércitos locais – sempre dentro do quadro do TSTCI – uma primeira operação Flintlock. Desde então uma operação Flintlock acontece a cada ano e um número crescente de países nela tem sido implicado.

Em 2011 dessa operação participaram militares dos seguintes países: EUA, Canadá, França, Holanda, Espanha, Mali, Burkina Faso, Chade, Mauritânia, Níger, Nigéria e Senegal. Desde 2008 esses exercícios anuais são dirigidos pelo Africom, o centro de comando especialmente criado pelos EUA para a África com sede em... Stutgart.

Do mesmo modo a OTAN organizou importantes exercícios militares na região. Assim em 2006 a operação em grande escala Steadfast Jaguar, no curso da qual foi lançada a Resposta "Força da OTAN", uma força armada de intervenção rapidamente engajável. Em 2008 a OTAN igualmente participou da operação Jigui da qual, além de países da região, participaram os EUA.

Desde 2008 o Africom realiza exercícios anuais multinacionais de comunicação sob o nome de África Endeavour. Em 2011 eles aconteceram em Bamako a capital do Mali. 180 oficiais de 41 países participaram. No ano passado quando a União Africana se opôs à guerra do Africon e da OTAN contra a Líbia era, entre outros motivos, por que todo mundo sabia que a desestabilização da Líbia conduziria irremediavelmente a desestabilização da região do Saara. A razão dessa instabilidade são os Tuaregs. Nômades que se deslocam num território que engloba regiões da Líbia, Argélia, Níger e Mali.

A OTAN tem que manter a ordem


Há muitos anos esses Tuaregs lutam por sua autonomia. Desde que sua última revolta nos anos 1990 no Mali e no Níger foi reprimida, muitos combatentes partiram para a Líbia onde eles foram fortemente armados e treinados por Kadafi, era previsível que esses guerreiros retornassem ao sul com o objetivo de retomar a luta. Foi o que se passou em novembro e dezembro passado. Desde janeiro os guerreiros tuaregs começaram sua ofensiva pela independência de Azawad, a metade norte do Mali (uma região tão grande quanto a França). Nessa guerra eles receberam o apoio das seções locais da Al Qaida. A guerra provocou o enfraquecimento do exército e do Estado Maliense. Em 22 de março desse ano militares descontentes sob a direção do capitão Sanogo, um oficial formado nos EUA, deram um golpe de estado. Em algumas semanas as tropas tuaregs e as seções da Al Qaida tomaram o norte do país. No sábado, 26 de maio a independência de Azawad foi proclamada.


Para os EUA e a Europa isso foi inaceitável. Era a questão de um novo Afeganistão no qual os islamitas ditariam sua vontade. Os países da região os quais todos contam igualmente com suas importantes minorias tuaregs viam esse novo estado como uma ameaça. Assim todos se prepararam para intervir militarmente com a ajuda dos EUA e da França. Dessa maneira todos os exercícios militares teriam sido uma vasta preparação, uma primeira vez para a guerra contra a Líbia e uma secunda vez, hoje, em uma guerra num dos países do Saara, sob os olhos aprovadores da ONU e às vezes com a participação ativa do Africon e da OTAN. Em 6 de abril o The Washington Post já manchetou: "A OTAN deve pôr ordem nas questões do Mali".

*Tony Busselen é jornalista especializado em estudos africanos. Publicou este artigo, originalmente intitulado A mão do Ocidente na África – Ouro, sol e guerra no Saara, foi publicado em Bruxelas no jornal "Solidaire" órgão do Partido do Trabalho da Belgica.

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