sexta-feira, 11 de maio de 2012

Conluio criminoso: a fabricação do probo Demóstenes pela Veja

Representante político de Cachoeira foi promovido por comunhão de interesses   

As gravações feitas pela Polícia Federal, com autorização da Justiça, durante as operações Vegas e Monte Carlo, não deixam sombra de dúvida que as atividades criminosas do senador Demóstenes Torres como integrante da quadrilha de Carlos Cachoeira eram conhecidas pela direção da revista Veja. Apesar disso, Veja fazia a apologia do senador. E, sem dúvida, não era porque Cachoeira fosse uma boa “fonte”, simplesmente porque uma coisa nada tem a ver com a outra. Nada obrigava a Veja, mesmo que Cachoeira fosse essa fonte tão fenomenal, a promover escancaradamente o representante político da quadrilha a paladino da ética ou a mosqueteiro do bem.

A revista tanto sabia que Demóstenes não passava disso. No dia 13 de maio de 2009, às 9:22 h da manhã, a PF registrou o seguinte diálogo, entre Cachoeira e Demóstenes, sobre o redator-chefe da Veja, Policarpo Júnior:
Cachoeira: Oi doutor.
Demóstenes: Fala mestre. O Policarpo...
Cachoeira: Que que tem o Poli?
Demóstenes: É, o Poli. Ta aí, o Aredes se recusou a recebê-lo. O Norton disse que é tudo mentira, que não tem nada disso, e aí ele resolveu explodir o cara. Ele me ligou e falou: “esse cara é vagabundo, e tal...” e eu falei “não, espera um pouco aí...”. Você podia interferir, às vezes o cara resolve, e fala logo, fala em off. Fala pra ele que é de confiança o homem, você sabe que ele nunca furou com a gente, uai.

“Aredes” é o delegado Aredes Correia Pires, corregedor-geral de Segurança Pública de Goiás até o dia 29 de fevereiro, quando foi preso por integrar a quadrilha de Cachoeira - e subordinado de Demóstenes quando secretário de Segurança Pública de Goiás. “Norton” é Norton Luiz Ferreira, delegado que não fazia parte do esquema Cachoeira/Demóstenes.

O diálogo acima foi há três anos. Porém, muito antes é evidente que a Veja sabia o que era Demóstenes. E promoveu-o antes e depois de 2009, até que a PF fechou o cerco.

Portanto, só existe uma razão para o espaço que a “Veja” deu a Demóstenes: porque sabia que ele era da quadrilha e tinha interesses nessa associação criminosa.

Em sua julho de 2007, a revista ilustrou o senador corrupto como “mosqueteiro da ética”. Alguns diriam, num esforço insólito de acobertamento, que a revista ainda não sabia que o senador era membro do crime organizado. É pouco provável, pois ela mesma tinha relações diretas com o crime organizado. Mas, em 8 de junho de 2011, ela sabia, como pode-se concluir do diálogo acima, e publicou uma entrevista do senador nas “páginas amarelas”, pintando Demóstenes outra vez como estadista e paladino. Isso, depois de anos de ações criminosas conjuntas e dezenas ou centenas de reuniões de Policarpo com a quadrilha. A revista não só sabia o que era Demóstenes no esquema, mas agia em conluio com ele.

Pintar o senador Demóstenes como paladino da moralidade nessa altura do campeonato, depois de Policarpo ter convivido e atuado junto com todo o bando, não podia visar outra coisa senão fortalecer e acobertar a atuação da quadrilha.

A propósito, não apenas Policarpo sabia o que era Demóstenes, como isso era algo corriqueiro nas conversas da quadrilha. Em 29 de janeiro último, um certo “Marcelão” diz ao notório Dadá: “… o Demóstenes falou que não falou nada daquilo... os caras aumentaram, meu irmão, disse tá até puto, (…) ligou pro Policarpo...”.

Ou, no dia 27 de abril de 2011:
Cachoeira: … eu vou almoçar com o Policarpo aí. Se terminar o almoço e você estiver lá no apartamento eu passo lá.
Demóstenes: Ok... O Policarpo me ligou, tava procurando um trem aí. Queria que eu olhasse pra ele algumas coisas. Pediu até pra eu ligar para ele mais tarde, não quis falar pelo telefone. (…).

O grupo de Cachoeira comemorou a entrevista de Demóstenes nas “páginas amarelas” da Veja. Cláudio Abreu, integrante da máfia e diretor da empreiteira Delta, diz a Cachoeira: “Eu tô vendo o nosso amigo nas páginas amarelas. Você não tá vendo?”.
Cachoeira: Eu num entrei não. Você conseguiu?
Cláudio: Eu vi. O título da entrevista é “Só me sobrou o Supremo’”[lê para Cachoeira:] “O combativo parlamentar diz que o Congresso age bovinamente, o TCU está sob fogos, os promotores cansados, situação que põe em risco o Estado de Direito no Brasil”. É mole, cara?
Cachoeira: É foda mesmo o cara, fala bem aí?

Outros veículos de imprensa, como o jornal “O Globo”, por exemplo, que se dispôs até a fazer um editorial em socorro às sinistras ligações de Veja com Cachoeira, podiam até não saber que Demóstenes fazia parte da quadrilha - o senador farsante, de fato, conseguiu enganar alguns incautos -, mas a Veja sabia. Seu diretor frequentava reuniões com membros do grupo. Não tinha como não saber. Foram mais de 200 ligações telefônicas entre Policarpo Jr. e Cachoeira. Quase todos os dias, durante muito tempo. A intimidade era tanta que ele era chamado pela quadrilha por apelidos: “Poli”, “PJ” e “JR”.
O senador aparecia quase toda semana na revista. Antes mesmo de saírem as matérias, ele já sabia o assunto. Era o primeiro a repercuti-las. Numa das gravações, Cachoeira fala com Demóstenes: “E aí, doutor, novidade?”, ao que responde o senador: “Poli me ligou dizendo que vai estourar o diretor geral (...)”.

Não é possível, com toda essa intimidade, que Policarpo Jr. não tivesse percebido nada. Afinal, segundo ele mesmo, “são vinte anos de Veja” que ele tem nas costas.

Como disse o deputado Fernando Ferro (PT-PE), pela importância que tinham na linha editorial da revista, as matérias de Policarpo acertadas com Cachoeira, e àquelas exaltando Demóstenes, não podem ter sido feitas sem o respaldo da direção da revista. Até porque a maioria delas virou capa da publicação. “Certamente ele agia sob ordens superiores”, afirmou Ferro, defendendo que não só Policarpo, mas o dono da publicação, Roberto Civita, seja convocado pela CPMI. Como cobra o deputado Protógenes Queiroz (PCdoB-SP), “Civita também deve explicações ao parlamento”.

A relação de Policarpo Jr. com a gangue de Cachoeira é bastante antiga. Ele agora foge da CPMI como o diabo foge da cruz, mas depôs, em 2005, no Conselho de Ética da Câmara, como voluntário, no processo de cassação de um deputado que teria tentado extorquir Cachoeira para que este não fosse citado no relatório da CPI da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. A CPI investigava irregularidades na loteria estadual. A atuação do diretor da Veja detonou a CPI e favoreceu o contraventor, abrindo, a partir daí, um longo e promissor período de ações criminosas conjuntas, desvendadas agora pela Polícia Federal.
SÉRGIO CRUZ

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