domingo, 8 de abril de 2012

Plano Mantega: da arte de enxugar gelo

A presidente Dilma, com o apoio que tem dos brasileiros, deveria merecer mais respeito da equipe econômica. Submetê-la a pantominas como a de terça-feira, diante de empresários e trabalhadores, é um constrangimento que poderia ser evitado – e deveria, se o sr. Mantega e colegas fossem gente séria.

O que dizer de quem afirma que “os EUA (…) se juntaram à China e também estão utilizando o câmbio como instrumento fundamental”? Cada um dos presentes sabia que a China se defendeu diante da monstruosa desvalorização do dólar, que os EUA fizeram através de superemissões - somadas às da Europa e Japão, “chegam a US$ 9 trilhões”, disse o próprio Mantega. Todos também sabiam que o problema do Brasil é que a equipe econômica se recusa a defendê-lo.

Não é sério reunir aquela gente toda para anunciar medidas que não enfrentam - e ninguém acredita que vão resolver - os graves problemas econômicos atuais do país, e expor a presidente a uma fuga travestida de enfrentamento de coisa alguma.

Fora as desonerações, que vão criar um problema na Previdência e outro no Tesouro, mas não vão resolver o problema da indústria nacional, as medidas consistem de uma “preferência” para produtos “nacionais” nas compras do governo, com uma margem de preço totalmente insuficiente para que os empresários nacionais prevaleçam sobre as importações, enquanto o câmbio estiver hipervalorizado, isto é, enquanto os juros não caírem ao nível internacional. Além disso, há um aumento no repasse do Tesouro ao BNDES. O resto não tem importância.

Essas duas são medidas positivas – ou seriam, se estivesse definido o que se chama de “nacional”. Se as filiais de multinacionais forem, como nos últimos tempos, tratadas como “nacionais”, somente servirá para aumentar as importações e as remessas de lucros. Infelizmente, não é um receio infundado, diante da proposta de “regime automotivo” que premia as montadoras que fizerem “compras regionais” (p. ex., compras de componentes na filial argentina da mesma multinacional). Ou diante do dinheiro desembolsado pelo BNDES para quadrilhas estilo Telefónica, ou, para ficarmos na indústria automotiva, General Motors, Ford, Fiat e Volkswagen – todas felizes beneficiárias do BNDES, em detrimento da indústria nacional.

A proposta real do sr. Mantega é clara pelo seu discurso: não fazer nada, exceto um enxuga-gelo ocasional, quando a presidente Dilma exige que algo seja feito.

Segundo disse Mantega, não há nada acontecendo que não esteja acontecendo em “todos” os países. Até “redução de salários” disse ele que está acontecendo em “todos” (???). E nada foi feito de errado - a sua política de derrubar a produção, o consumo e o investimento, que fez o país regredir aos índices dos tucanos, foi inteiramente certa. Todos os problemas são “gerados pela economia internacional” (sic).

Como ele não manda na economia internacional - bem, aí o câmbio continua desse jeito porque “infelizmente, subsídio cambial não é considerado pela OMC” (?!).

De onde se conclui que, para ele, o Brasil deixou de ter uma economia nacional, deixou de ter soberania e deixou de ter Estado e governo que o defenda. Não é função do ministro fazer alguma coisa, pois “a crise mundial continua”, “a economia mundial defronta-se com vários problemas”, “2012 será um ano de baixo crescimento”, há “forte desaceleração da indústria mundial”, a “economia norte-americana cresce muito lentamente”, a “desaceleração na indústria é fenômeno global” e a “letargia dos países ricos começa a afetar os emergentes” (grifo nosso).

O fato de que não houve crise mundial em 2011 (portanto, ela não pode “continuar”), que os países ditos emergentes, e até aqueles ditos em desenvolvimento, tiveram em 2011 um crescimento médio de 6,2%, parece ter acontecido num planeta muito distante daquele em que vive o sr. Mantega.

E, realmente, aconteceu na Terra: 150 países cresceram em média 6,2% em 2011 e a previsão do FMI - que não costuma favorecer a periferia - é que eles, em 2012, vão crescer de 5,4% a 6,1%, ao contrário das economias centrais, para as quais é previsto um crescimento de 1,2%, mas só se os EUA crescerem 1,8% (o que é duvidoso) e o Japão, 1,7% (o que é improbabilíssimo).

No entanto, segundo o ministro, não há alternativa para o Brasil, exceto ser um pingente da crise dos países centrais. E não apenas da crise, mas da decadência: o problema da indústria de transformação estar reduzida a 14,6% do PIB, devido ao câmbio e aos juros que destroem a cadeia produtiva, também é normal, pois “o setor manufatureiro tem perdido peso no PIB na maioria dos países”.

A falta de compromisso com o que diz, leva o sr. Mantega a exibir, para ilustrar esta afirmação, um gráfico que o desmente (slide 6 da sua apresentação): nesse gráfico, elaborado a partir de um relatório do Credit Suisse, a participação da indústria de transformação no PIB dos países emergentes da Ásia é crescente desde 1991 – e continua crescente. A curva correspondente à América Latina, é crescente até 2005; em seguida, ela cai - mas Mantega esqueceu de dizer por quê: devido à redução da parcela da indústria de transformação no PIB do Brasil. Quanto aos países “emergentes” da Europa, no mesmo gráfico a participação da indústria de transformação cai a partir de 1999, mas volta a aumentar de  2002 até 2008, quando cai outra vez por motivo óbvio: a débàcle na zona do euro.

Não há, portanto, nenhuma tendência constante à redução da indústria no PIB, exceto nos países “desenvolvidos” - exatamente os que estão em crise -, onde ela cai e cai, sempre e sempre.

É evidente que o problema do Brasil – um câmbio deformado por altíssimas taxas de juros que encarece os produtos da indústria nacional e barateia os importados – não é o problema do mundo.

Do ponto de vista do conjunto da indústria (de transformação + extrativa + construção civil + produção e distribuição de eletricidade, gás, água, esgoto e limpeza urbana), sua participação no PIB do Brasil foi 27,5% em 2011. Uma participação muito baixa. Basta comparar, por exemplo, com a da indústria no PIB da China (46,9%); ou da Rússia (37%); ou da Noruega (40,1%); ou do Azerbaidjão (62,7%); ou do Irã (41,7%); ou da Tailândia (44,7%); ou da Coreia Popular (48,2%); ou da Coreia do Sul (39,3%); ou da Indonésia (47%); ou da Bielorrússia (46,4%); ou, mesmo, da Argentina (31,6%); ou da Malásia (42,1%); ou da África do Sul (31,2%); ou da Polônia (33%); ou do Vietnã (41,4%) - dados referentes a 2011; além do FMI, a outra fonte deles também é insuspeita de favorecimento à periferia: CIA, World Factbook 2012, “GDP - composition by sector – industry (%) 2012 Country Ranks, By Rank”.

No entanto, quando falou em “defesa comercial”, Mantega elencou providências policiais contra fraudes em importações – algo que deveria ficar adstrito à Polícia Federal, e não às autoridades econômicas. Se o problema das importações fossem as ilegalidades, até que estaríamos bem. Mas, pelo contrário, o problema é, precisamente, o que entra no país com estímulo cambial oficial (e que o sr. Mantega não diga que a taxa é determinada pelo “mercado” - composto por 13 bancos, nove deles estrangeiros, e alguns peixes menores).

CARLOS LOPES


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