domingo, 1 de abril de 2012

O câmbio e a competitividade da indústria


Temos uma “nova” teoria no mercado: a de que o câmbio deformado atual – com a hipervalorização do real, que encarece a produção interna e barateia as importações - não é um problema para a indústria. Segundo alguns exegetas que a mídia desentocou nos últimos dias, o problema da indústria é a “falta de competitividade”, não o câmbio (portanto, também não os juros altíssimos, que deformam o câmbio, ao atrair montanhas de dólares desvalorizados para dentro do país).

Diz um deles: “a discussão tem que ser sobre competitividade, e não sobre câmbio”. Outro, declarou: “a expressão guerra cambial não é das mais felizes”. Quanto às superemissões de dólares que invadem o nosso país, “a preocupação do governo norte-americano é recuperar sua economia”.

A expressão “guerra cambial” foi cunhada pelo professor Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia da FGV-SP. Ela descreve o fato de que, com suas superemissões de dólares, os EUA, sem conseguir reerguer sua economia a partir de fatores internos, querem sair da crise saqueando os demais países. Ninguém, até agora, conseguiu contestar esse diagnóstico. Pela simples razão de que é verdadeiro.

Quanto à competitividade, o câmbio é um de seus principais componentes. A taxa de câmbio faz parte, positiva ou negativamente, da competitividade. Sempre foi assim, desde que existem economias nacionais, e sempre vai ser assim, enquanto elas existirem. Um serviçal ideológico das economias e países imperialistas pode querer aboli-las, mas elas existem. Por isso, separar o câmbio da competitividade, como se o primeiro não fosse uma condição para a última, é coisa de charlatão despudorado.

Tanto isso é verdade que os EUA, com as superemissões, estão tentando, exatamente, tornar a sua indústria mais competitiva através da taxa de câmbio, isto é, desvalorizando unilateralmente o dólar, apesar deste não ser apenas a sua moeda, mas a moeda do comércio internacional. É nisto que consiste a atual pilhagem – e quem não se defender, será triturado.

Não existe - e é impossível existir - indústria nacional competitiva, quando a taxa de câmbio subsidia as mercadorias da indústria de outros países, contra a produção interna. No Brasil, a falta de competitividade está na taxa de câmbio. Não é a indústria, mas a taxa de câmbio que não é competitiva.

Os que levantam que o problema da competitividade está num suposto “excesso” de impostos, estão apenas fazendo uma manobra diversionista – ou fugindo de enfrentar – o verdadeiro problema; por mais “desonerações” que haja, isso não vai resolvê-lo, exceto se a meta for a mediocridade permanente. Aliás, nem assim. O que vai acontecer é o debilitamento da capacidade do Estado de fazer política industrial – além de uma crise na Previdência.

Um relatório do Credit Suisse mostra que todo o aumento de consumo em 2011, no Brasil, foi suprido por importações. Ou seja, devido ao câmbio, o aumento da demanda serve apenas para aumentar a parcela do mercado interno que é ocupado pelos importados (v. Mariana Schreiber, “Consumo Cresce, Mas Não Ajuda Indústria”, FSP, 26/03/2012).

O que esse câmbio faz, portanto, é tirar das indústrias nacionais o mercado interno do seu próprio país, pois, devido à aberração cambial, os produtos importados ficam mais baratos que os produzidos aqui.

Assim, falar que as empresas precisam “aumentar a competitividade” com tal câmbio é coisa de idiotas ou sujeitos de má-fé.

Quanto ao mercado externo, esse mesmo câmbio faz com que, cada vez mais, o país se torne um exportador de produtos primários e importador de produtos industriais – o resultado do comércio exterior no primeiro bimestre deste ano, divulgado pela Secex/MDIC na terça-feira, é demonstrativo.

Em valor, os produtos primários foram 42,2% das exportações de janeiro/fevereiro (os manufaturados foram 39,9% e os semimanufaturados, 15,2%).

Apesar de um aumento de +4,2% na quantidade física das exportações de produtos primários, o valor total dessas exportações aumentou em apenas +2,6%. Por quê? Porque os preços dos produtos primários caíram, em média, -1,5%, e vão continuar caindo (a previsão do FMI, provavelmente subestimada, é de uma queda de -14% nos preços até o final do ano).

Enquanto isso, os preços dos manufaturados aumentaram +5,3%. O que nos impede de aumentar outra vez a parcela de manufaturados no total das exportações? Objetivamente, o câmbio, que encarece nossos produtos industriais em relação aos de outros países.

O sr. Nelson Barbosa, secretário-executivo da Fazenda, disse na sexta-feira que “não sei por que falam tanto sobre a taxa de câmbio e não tanto sobre a distribuição de renda”.

Deve ser porque é impossível distribuir renda com o povo desempregado – pois essa é uma consequência inevitável, que já está ocorrendo (v. matéria nesta página), do atual problema cambial. O que acontece quando os empresários não conseguem vender os seus produtos?

Barbosa disse, também, que “mesmo que você tenha a taxa de câmbio certa, isso não vai necessariamente resultar em um bom desenvolvimento econômico”.

Resta saber se o sr. Barbosa considera que, por isso, devemos permanecer com a taxa de câmbio “errada” - como ele admite que é a atual.

Realmente, se a equipe do sr. Barbosa acertar o câmbio, mas, exceto isso, só fizer asneiras, não vai adiantar muita coisa ter “a taxa de câmbio certa”. Porém, o difícil é ter “um bom desenvolvimento econômico” com a taxa de câmbio “errada” – isto é, com um câmbio que subsidia os produtos de outros países contra a indústria nacional.

Certas autoridades, quando se trata de manter os juros altos – pois é essa, no fundo, a discussão do câmbio – são capazes de qualquer coisa, até de mostrar indícios de que não raciocinam com o órgão próprio para a função.

CARLOS LOPES

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