sexta-feira, 27 de abril de 2012

Equivocam-se de novo



MARK WEISBROT*

A decisão do governo argentino de renacionalizar a YPF tem sido recebida com gritos de indignação, ameaças, previsões de raiva e ruína, e ainda alguns insultos grosseiros na imprensa internacional. Já escutamos tudo isso antes. Quando o governo argentino não pagou sua dívida no final de 2001, e então desvalorizou sua moeda um par de semanas mais tarde, tudo era negro e cheio de pessimismo nos meios de comunicação. A desvalorização provocaria inflação fora de controle; o país enfrentaria uma crise de balança de pagamentos por não ser capaz de conseguir empréstimos e a economia cairia em espiral para uma recessão mais profunda. Nove anos depois, o PIB real da Argentina cresceu aproximadamente 90%, o crescimento mais rápido na América Latina. O emprego se encontra em níveis recorde e tanto a pobreza como a pobreza extrema se reduziram em dois terços. O gasto social, ajustado pela inflação, quase triplicou.

Tudo isso faz parte, provavelmente, das razões pelas quais Cristina Kirchner foi reeleita em outubro passado numa vitória esmagadora. Lógico que aqui, nos Estados Unidos, essa história de sucesso rara vez é contada, sobretudo porque envolveu a revogação de muitas das fracassadas políticas neoliberais – respaldadas por Washington e o Fundo Monetário Internacional – que levaram o país à ruína durante sua pior recessão, a de 1998-2002. Agora o Governo está revogando outra fracassada política neoliberal da década dos ’90: a privatização de sua indústria de petróleo e gás.

Há razões sólidas para ter tomado esse passo e o mais provável é que o Governo venha a demonstrar que está certo mais uma vez. A Repsol, empresa petroleira espanhola que era dona de 57% da YPF, não produziu o suficiente para se manter ao nível do crescimento rápido da economia argentina. De 2004 a 2011, a produção de petróleo diminuiu quase 20% e de gás 13%, com a Repsol YPF responsável por muito dessa situação. E as reservas provadas da empresa de petróleo e gás também diminuíram substancialmente nos últimos anos. O atraso na produção não é só um problema em termos de satisfazer as necessidades dos consumidores e das empresas, também é um sério problema macroeconômico.

O déficit na produção de petróleo e gás levou a um aumento rápido nas importações. Em 2011 estas se duplicaram em relação ao ano anterior, chegando a 9,4 bilhões de dólares, anulando uma grande parte do superávit comercial da Argentina. Uma balança comercial favorável tem sido muito importante para o país desde seu default em 2001. Devido a que o Governo está excluído da maioria dos empréstimos dos mercados financeiros internacionais, deve ter o cuidado de contar com as divisas suficientes para evitar uma crise da balança de pagamentos. Essa é outra razão pela qual já não pode correr o risco de deixar a produção e gestão de energia para o setor privado.

Por que a indignação contra a decisão da Argentina de tomar – através de uma compra forçada – uma participação de controle naquela que durante a maior parte da história da empresa foi a empresa petroleira nacional? O México nacionalizou seu petróleo em 1938 – igual que uma série de países da OPEP – e ainda não permite o investimento estrangeiro no petróleo. A maioria dos produtores de petróleo e gás no mundo – desde a Arábia Saudita à Noruega – tem a empresa estatizada. As privatizações de gás e petróleo na década dos ’90 foram uma aberração, o neoliberalismo ficou louco. Ainda quando o Brasil privatizou parte das empresas estatais na década dos ’90, o governo manteve o controle majoritário da Petrobras.

Enquanto a América Latina conseguiu sua "segunda independência" na última década e meia, o controle soberano sobre os recursos energéticos tem sido uma parte importante da recuperação econômica da região. A Bolívia renacionalizou sua indústria de hidrocarbonetos em 2006 e os recursos dos hidrocarbonetos aumentaram de abaixo dos 10% para mais de 20% do PIB (a diferença seria cerca de dois terços das entradas atuais do governo da Bolívia). O Equador, sob Rafael Correa, aumentou seu controle do petróleo e sua participação na produção das empresas privadas.

A Argentina está se colocando em dia com os seus vizinhos e o mundo, e revogando os erros do passado nessa área. Os seus detratores, porém, estão numa posição débil para ficar atirando pedras. As agências de qualificação ameaçam rebaixar a nota da Argentina. Deveria alguém levá-las a sério depois que deram umas qualificações AAA ao lixo sem valor que estava respaldado por hipotecas durante a bolha imobiliária, e depois fingiram que o governo dos Estados Unidos poderia realmente não pagar sua dívida? E em relação às ameaças da União Européia e ao governo direitista da Espanha, o que foi que fizeram bem ultimamente, com a Europa presa em sua segunda recessão em três anos, quase na metade de uma década perdida e com um desemprego de 24% na Espanha?

É interessante que a Argentina tenha tido um notável sucesso econômico nos últimos nove anos, enquanto recebe muito pouco investimento estrangeiro direto e é em sua maior parte rechaçada pelos mercados financeiros internacionais. Segundo a maioria da imprensa de negócios, esses são os dois grupos mais importantes que qualquer governo deve satisfazer. Porém, o governo argentino teve outras prioridades. Tal vez essa seja outra razão pela qual a Argentina recebe tanta chuva de críticas.

* Co-diretor do Center for Economic and Policy Research, em Washington

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