sexta-feira, 23 de março de 2012

IMPUNIDADE IMPERIAL: INVASOR DESINTEGRA LÍBIA


STELLA CALLONI*

Há quase um ano do começo da invasão mercenária e dos bombardeios da Organização do Atlântico Norte (OTAN) na Líbia, a declaração da “independência” de Benghazi (a região da Cirenaica mais rica em petróleo) anunciada pelos comandantes militares de Al Qaeda, significa claramente a desintegração final do território líbio, um fato de una ilegalidade pavorosa.

A região conhecida como a Cirenaica abrange desde a fronteira do Egito até Sirte, a zona mais castigada pelos bombardeios e as matanças dos invasores. Ali nasceu e foi assassinado brutalmente o líder líbio Muammar el Kadafi (20 de outubro 2011) e quase toda sua família.

Não é coincidência que recentemente chegassem a Benghazi 12 mil soldados dos Estados Unidos para supostamente “cuidar” os poços petroleiros como transmitiram as agências informativas.
A informação diz que “milhares” de pessoas assistiram à cerimônia de “declaração da independência”, na que sob a liderança do sheik Zubahir Ahmed Al Senussi estará funcionando um Conselho provisório da Cirenaica.

Falam de “independência” num país invadido e ocupado, com um povo abandonado à sua sorte e submetido ao terror, e onde continua se assassinando sob torturas, como o denunciam Médicos sem Fronteira e a própria Amnesty Internacional.
Nada fizeram as Nações Unidas (ONU), nem a Corte Penal Internacional (CPI), ante os crimes de lesa humanidade que cometeram os invasores da Líbia.

A ONU, com a sua resolução 1973 de 17 de março de 2011, abriu as portas aos invasores, resolvendo uma exclusão para os vôos desse país, o que significou militarmente deixar totalmente indefeso o povo líbio e amarrar as mãos às possibilidades de defesa legítima de seu governo.

Além disso, ordenava fazer “o necessário” para proteger o povo líbio, que foi bombardeado e massacrado durante oito longos meses pelos seus “protetores”.

O promotor da CPI, Luis Moreno Ocampo, em dias condenou a Kadafi e toda sua família por violações aos direitos humanos, ao “bombardear uma manifestação pacífica”, fato que nunca ocorreu, como foi comprovado plenamente. O promotor não escutou os observadores independentes nem o governo líbio.
Ante os fatos consumados da ocupação da Líbia, agora mercenários da Al Qaeda e outros trazidos pela OTAN serão parte do Conselho que administrará “os assuntos” de Bengazhi e “defenderá os direitos de sua população”.

Pergunto-me, o que dirão os que não se atreviam a reclamar diante de uma invasão a todas as luzes ilegal, brutal e genocida, para que “não se os confundisse” com defensores do líder líbio Muammar El Kadafi? A ele ninguém poderá lhe negar que se ocupou de seu povo e que conseguiu converter uma colônia, desde que tomou o poder derrocando o Rei Idris em 1969, em um país independente e soberano, expulsando bases militares estrangeiras e resgatando o petróleo para seu povo. No momento da invasão o povo líbio registrava o mais alto nível de vida e desenvolvimento de toda a região. É a esse povo ao que lhe correspondia lutar pela sua libertação, se considerasse que era necessário faze-lo, sem nenhuma intervenção estrangeira.

Segundo dizem os “libertadores” de Benghazi, esta era a região mais esquecida durante os 42 anos do governo anterior, quando na realidade estava na mesma situação que o resto do país, com impressionantes avanços.

A argumentação dos “independentistas” se choca com a realidade. Se já Kadafi não está, por que partir para a Líbia para melhorar a situação de Benghazi?

É bom lembrar que a suposta “rebelião” líbia segundo alguns analistas era uma continuidade da “primavera árabe” que tanto encantou a rede midiática do poder hegemônico e aos não hegemônicos, embora não fosse tão primavera..

Na Líbia se aplicou um modelo contra-insurgente, com guerra psicológica de fundo, cujos generais estavam os meios de difusão massiva. A partir de conhecer, mediante espionagem e infiltrações, os descontentamentos de alguns setores, que existem em todos os países, começou-se a oferecer ajuda aos possíveis “rebeldes” enquanto foi se criando um “foco” supostamente insurrecional” que não era tal. Tinha sido preparado cuidadosamente durante longo tempo, com a participação das inteligências e grupos especiais das potencias, aproveitando as porosas fronteiras para infiltrar mercenários, enquanto os governantes europeus entretinham a Kadafi com adulações. Foi reconhecido depois que estes preparativos de intervenção começaram a princípios de 2010 e inclusive antes.

Por essas fronteiras porosas, como as do Egito, ingressaram os grupos de tropas especiais das grandes potências, especialistas em guerras sujas e os mercenários de Al Qaeda, como se sabe armados pelos reis sauditas e pelos militares egípcios e, lógico, pelos Estados Unidos e Israel.

O insólito é que Washington e Europa argumentam que sua guerra anti-terrorista que viola toda legalidade internacional, se desenvolve em busca dos “terroristas” de Al Qaeda, os que por outra parte conformam seus exércitos mercenários nas novas guerras coloniais.

A invasão da Líbia foi por ar e mar. Sem a OTAN, as tropas especiais das potências e seus soldados de fortuna não teriam avançado um passo.

O que é que dirão agora as Nações Unidas desta desintegração de um país ocupado?.

Não há explicação possível. Os Estados Unidos e seu sócio inarredável, Israel, são os que finalmente ficam com o controle da zona mais rica em petróleo, a maior produtora de alimentos, e com o melhor clima mediterrâneo, entre outras maravilhas, como o Banco Central que criaram os mercenários e seus chefes em 29 de março de 2011 em Benghazi, para poder continuar negociando o petróleo. Foi o primeiro Banco Central no mundo criado por supostos “rebeldes” esfarrapados, como diziam, quando ainda não tinham podido liberar nenhuma zona na Líbia.

Até agora ninguém conhece os nomes desses supostos líderes tribais que mencionam, aprovando a "independência" de Benghazi, e em que circunstâncias se dispuseram para esta desintegração com a cumplicidade da ONU. Uma tragédia sobre a tragédia. Alguns analistas começam a se perguntar como se resolverá este problema político-regional "para o Conselho Nacional de Transição (CNT) que governa a Líbia" desde o assassinato de Kadafi.

Esse CNT, que é em realidade um governo títere do poder colonial, se opôs não obstante à criação de uma região oriental, advertindo sobre a desintegração do país. Deveriam ter imaginado que o envio de 12 mil soldados estadunidenses teria algum objetivo específico, mas nesse caos e anarquia que impera na "nova Líbia" as contradições são cada vez mais profundas e violentas. Seus chefes na guerra os deixaram flutuando sobre as areias do deserto. É possível que agora lhes joguem a corda "salvadora" de converter Trípoli na sede do Comando dos Estados Unidos para África (AFRICOM).

Mas nesta tragédia, neste genocídio sobre genocídio, que a comunidade internacional amparou com o seu silêncio, o povo líbio tem perdido tudo. É um povo abandonado à sua sorte, sem nenhuma proteção, ao que agora lhe roubam seu próprio território. O silêncio sobre o sucedido na Líbia, mortes e desaparições de milhares de pessoas, destruição de uma avançada infraestrutura, de moradias gratuitas, hospitais, escolas e universidades, e grandes avanços em outros aspectos é verdadeiramente aterrador. Esses crimes de lesa-humanidade cometidos sob o manto de "invasões humanitárias", ao ficar impunes, são aplicáveis quase de imediato a outros países. É o que está ocorrendo na Síria, o mesmo modelo de destruição e morte.

A mesma matriz e o mesmo silêncio. A comunidade internacional continuará sendo cúmplice do crime? Continuarão chamando invasão humanitária a esse modelo tão perversamente tosco e tão certeiramente criminoso, dos novos traçados contra-insurgentes do século XXI? E na Europa, como lhe explicarão os governantes a seus povos que fizeram semelhantes gastos de guerra, que ajudaram indiscutivelmente à crise que os afeta, para ficar fora desse jogo, maldito, de genocídios por recursos, e traições pelo controle do mundo que ninguém poderá sustentar indefinidamente?

*Stella Calloni é colunista do jornal La Jornad

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