sexta-feira, 23 de março de 2012

Ata do Copom sinaliza aumento de juros e prega arrocho salarial



“O cenário de referência leva em conta as hipóteses de manutenção da taxa de câmbio em R$1,70/US$ e da taxa Selic em 10,50% ao ano (a.a.)”, diz BC

A ata da reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), isto é, a diretoria do BC, é sempre um maçante enrola-trouxa, portanto, leitor, vamos logo ao que interessa:

1) “O cenário de referência leva em conta as hipóteses de manutenção da taxa de câmbio em R$1,70/US$ e da taxa Selic em 10,50% ao ano (a.a.)”.

A taxa Selic (a taxa de juros básica, que também remunera os especuladores com títulos públicos) está em 9,75% nominais ao ano. Descontada a inflação projetada até dezembro, isso significa que a taxa real – o ganho dos bancos e especuladores - é 4,2%, uma taxa monstruosa, não apenas a primeira do mundo, mas estupidamente mais alta do que a média internacional (que é negativa: -0,7%) e mais alta ainda que a dos EUA (-2,6%). Uma taxa dessas serve para atrair uma invasão de dólares, locupletar especuladores - antes de todos, os bancos -, hipervalorizar artificialmente o real, destruir a indústria e beneficiar multinacionais com esse subsídio cambial às importações.

No entanto, segundo a ata do Copom, no “cenário de referência” do BC - isto é, as hipóteses em que baseia a política monetária – os juros são de 10,5% ao ano. Isto é, juros superiores aos atuais até 31 de dezembro, pois a taxa é anual.

Não por acaso, nessa ata o BC alterou a previsão do câmbio: era R$ 1,80 por dólar, agora é R$ 1,70. Portanto, coerente com um aumento de juros, está prevendo – aliás, pretendendo - uma hipervalorização do real maior do que antes, numa situação em que as cadeias produtivas internas da indústria já estão se desfazendo, como consequência, exatamente, do câmbio e dos juros.

2) Daí, ao mencionar a homeopática redução de juros que fez a partir de 1º de setembro, o BC  prevê “reversões pontuais e temporárias”, isto é, elevações de juros – e todos sabemos o quanto são pontuais e temporárias as “reversões” do sr. Tombini e colegas. O país ainda não se recuperou dos aumentos de juros do ano passado, quando a taxa real de 4,8% (dezembro/2010) foi elevada, em sete meses, para 6,8% - dois pontos percentuais a mais que significaram um aumento de 41% no ganho da especulação, somente por conta do aumento de juros.

3) No entanto, também diz a ata, “o Copom atribui elevada probabilidade à concretização de um cenário que contempla a taxa Selic se deslocando para patamares ligeiramente acima dos mínimos históricos, e nesses patamares se estabilizando”.

O “mínimo histórico” da taxa Selic é 8,75%, em vigor no período que vai de 23/07/2009 a 28/04/2010. O que o BC está dizendo é, na melhor das hipóteses, que não vai diminuir a taxa de juros básica a menos que 9% (“ligeiramente acima dos mínimos históricos”).

Considerando a inflação projetada pelo BC (4,5%), isso daria uma taxa real de 4,3% ao ano - o que seria um desastre para o país, tendo em vista o diferencial em relação às taxas de juros externas, que permitiriam, por exemplo, a um especulador norte-americano, entupido de dólares obtidos a taxas reais negativas, obter um colossal rendimento de 7%, que não existe em país algum do mundo (muito menos garantido pelo governo), sem contar o que ele ganharia no câmbio, onde, depois de converter seus dólares em reais para ganhar essa fábula, cada vez menos reais comprariam mais dólares. E com as já referidas repercussões sobre a indústria, a produção - em suma, a barbarização da nossa economia pelas importações e pelos próprios juros.

Porém, leitor, acredite, essa é a interpretação benigna da ata do Copom.

Existe outra, infelizmente, mais provável: com a taxa nominal de 10,5% do “cenário de referência” do BC, a taxa real de juros (considerando a mesma inflação) seria de 5,74%. Muito próxima da “mediana” de 5,5%, que, segundo disse Tombini em seu recente depoimento no Senado, seria a “taxa neutra” calculada pelo “mercado financeiro”, isto é, pelos bancos (v. HP 02/03/2012).

Essa “taxa neutra” é a suposta taxa de juros que, segundo os neoliberais, não pode cair jamais, pois causaria inflação. Na verdade, é a “mediana” da ganância dos bancos. Só isto e nada mais.

Não precisamos dizer o que aconteceria com uma taxa real de 5,5% ou 5,74% - tudo o que já dissemos, somente que pior.

4) Por último: “um risco importante [de inflação] reside na possibilidade de concessão de aumentos de salários incompatíveis com o crescimento da produtividade”.

Há alguns dias, a presidente Dilma declarou que quem falava sobre juros no governo era o Banco Central, o que achamos uma pena, pois preferimos ouvi-la, até porque tem mais bom senso – e foi eleita pelo povo – do que aqueles sujeitos do BC. A taxa de juros (como disse Clemenceau sobre a guerra e os generais) é coisa séria demais para ser entregue somente ao BC.

Porém, respeitando a opinião da nossa presidente, desde quando o BC foi autorizado a emitir opiniões sobre política salarial ou se meter em áreas que não lhe competem?

Além do mais, parece coisa do falecido Bob Fields, representante dos EUA no primeiro governo da ditadura, que achava os empresários uns estroinas que desperdiçavam dinheiro com aumentos salariais.

Se há algo que o país está precisando, depois dos exíguos 2,7% de crescimento em 2011, é do estímulo do consumo, até para que os empresários possam investir sabendo que terão a quem vender os seus produtos. Essa pregação estúpida e deslocada do arrocho salarial, com essa conversa sobre “riscos” de aumentos salariais “acima da produtividade” (os empresários, além de estroinas, devem ser doidos) é, meramente, um berro pela recessão – o país não deve crescer, senão, quem tem dinheiro (a começar pelo governo) em vez de aplicá-lo na especulação, vai acabar investindo na produção... Isso é que é tragédia para a diretoria do Banco Central.

CARLOS LOPES

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