quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Os americanos vivem atolados em falácias

PAUL CRAIG ROBERTS*



Cheguei à conclusão de que os súditos do Grande Irmão, no livro 1984, de George Orwell, estão melhor informados que os estadunidenses.

Eles não têm a menor ideia do motivo que levou a uma década de guerras no Oriente Médio, na Ásia e África. Não se dão conta de que suas liberdades têm sido suplantadas por um Estado policial, ao estilo da Gestapo. Poucos compreendem que as dificuldades econômicas serão permanentes.

No dia 27 de outubro de 2011, o governo dos EUA anunciou algumas estatísticas econômicas de rotina e o presidente do Conselho Europeu anunciou um novo enfoque frente à crise da dívida soberana grega. O resultado destas cifras estranhas e simples palavras levou o Índice de Standar & Poor’s 500 à sua maior melhora mensal desde 1974, apagando sua perda anual em 2011. O euro subiu, colocando de novo a moeda europeia a 40% acima da paridade inicial com o dólar, quando foi introduzido o euro.

Na Rádio Pública Nacional (NPR) um analista bobo declarou, enfaticamente, que as últimas estatísticas do governo dos EUA provam que começou a recuperação e que não há perigo algum de uma recaída na recessão. E economistas bobos predisseram uma manhã melhor.

A Europa está feliz porque os bancos privados europeus, os credores dos governos europeus, aceitaram engolir 50% da dívida soberana da Grécia e que os recapitalizem com recursos públicos do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF). O presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, pensa que a dívida da Grécia é a única dívida soberana que se amortizará e que as dívidas da Itália, Espanha e Portugal serão resgatadas de alguma maneira por outros meios, incluída uma contribuição chinesa ao fundo de resgate FEEF. Obviamente, se toda a dívida soberana da UE também deve ser reduzida em 50%, o fundo de resgate não estará à altura da tarefa.

Para os nossos corruptos mercados financeiros, qualquer notícia que possa se adulterar para que pareça boa pode aumentar o preço das ações. Porém quais são os fatos?

Para conhecer os fatos temos que nos voltar para gente séria, não para a mídia da imprensa corporativa. Entre os que nos oferecem fatos reais está John Williams, do shadowstats.com.

Em seu informe do 27 de outubro, Williams traz à luz que a alegre cifra de crescimento econômico de 2,5% para o terceiro trimestre de 2011 é uma bobagem. Todos os demais indicadores econômicos contradizem esta falácia. Por exemplo, se informa de que o consumo pessoal aumentou em 1,7%, porém esse aumento no consumo teve lugar apesar de uma queda de 1,7% na renda disponível do consumidor! Em outras palavras, se houve um aumento no consumo pessoal, proveio da redução das poupanças ou do aumento da dívida do consumidor.

Os consumidores de um país não podem reduzir suas economias ou aumentar suas dívidas eternamente. Para que uma economia se recupere, deve haver um aumento no poder aquisitivo. Este aumento não se vê por nenhuma parte nos EUA. Uma grande porcentagem dos bens e serviços vendidos pelas corporações são produzidos agora no exterior por mão de obra estrangeira.

Portanto, os estadunidenses já não recebem renda da produção dos bens e serviços que consomem. O mercado de consumo do país está acabando.

O Dow Jones aumentou 339,51 pontos graças às falsas boas notícias, porém o sentimento do consumidor está bem para baixo. John Williams informa que “a confiança do consumidor chegou aos níveis mais baixos registrados em 2008 e 2009” e essa confiança caiu agora “ao nível de 2008”. Porém o mercado bursátil vive um auge. De alguma forma uma população desocupada de 23%, endividada até o pescoço, vai gerar una recuperação econômica.

A recuperação somente pode ter lugar no mundo ilusório criado para nós pelos meios de comunicação. Já que não se lhes permite expressar uma só palavra verídica, a imprensa corporativa elogia recuperações inexistentes e armas de destruição em massa, satanizando os oponentes elegidos por Washington.

A crise da dívida soberana na Europa tem distraído os estadunidenses da crise muito mais grave de seu próprio país. Após duas décadas de exportação de manufaturas e de postos de trabalho da classe média norte-americana, e depois de uma década de crescimento da dívida do consumidor, que tem provocado a penhora de milhões de moradias e uma massiva dívida de cartões de crédito e empréstimos a estudantes que não podem pagar, os consumidores não têm crescimento salarial ou de sua capacidade de financiamento com a qual poderiam reviver uma economia baseada na demanda do consumidor.

Os bancos europeus, já arruinados pelas compras de derivativos- sucata com qualificações AAA de Standard & Poor’s e Moody’s, se veem ameaçados pela crise da dívida soberana. A crise da dívida da Grécia, causada com a ajuda de Goldman Sachs para ocultar a verdadeira dívida do país, assim como havia feito com a Enron, revelou que Portugal, Irlanda, Itália, e Espanha, além da Grécia, têm uma dívida maior do que a que pode ser assumida por seus governos.

Na União Europeia, diferentemente dos EUA e do Reino Unido, que têm seus próprios bancos centrais que podem criar mais dinheiro para resgatar a governos sobre-endividados, o banco central da UE está proibido por tratado que imprima dinheiro para comprar bônus dos Estados membros que não podem ser redimidos.

Sem consideração à proibição do tratado, o banco central da UE tem emprestado dinheiro à Grécia para que pague aos donos de seus bônus. A austeridade imposta, que faz parte do acordo, criou a instabilidade política na Grécia.

Agora, quando o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, anuncia um perdão de 50% da dívida soberana grega por bancos privados, se pode negar o mesmo tratamento a Portugal, Itália, e Espanha?

O Banco Central Europeu segue a iniciativa da Reserva Federal [BC dos EUA] e cria mais dinheiro para resgatar a dívida. O custo será pago com inflação e fuga de euro e de dólar. Como indicador do futuro, apesar das falácias positivas das notícias e do aumento do valor das ações estadunidenses, o yen japonês subiu em 27 de outubro a um novo nível máximo em relação ao dólar dos EUA.

*Paul Craig Roberts é economista, ex- secretário-adjunto do Tesouro dos EUA no governo Reagan e ex-editor associado do Wall Street Journal. 
 

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