terça-feira, 15 de novembro de 2011

O GREGOS E OS MONOPÓLIOS ALEMÃES: CARTAS NA "STERN"



Nos últimos meses, o número de artigos, matérias, locuções televisivas ou radiofônicas – e sabe-se lá que outros meios de impingir a desinformação – acusando a Grécia e os gregos pela crise naquele país, e, de resto, na Europa, tem sido quase (e este "quase" é muito importante) avassalador. Só não chega a ser avassalador porque a resistência do povo grego tem impedido que seja bem sucedida uma das campanhas mais ferozes desde que Hitler acusou os tcheco-eslovacos de agredir os alemães.

Mas leia-se a maior parte dos jornais franceses, alemães, ingleses, norte-americanos, ou seus plagiários aqui mesmo, no Brasil. A culpa é sempre dos gregos.

Passa-se por cima de que a União Europeia (e, mais ainda, a "zona do euro"), após Maastricht (1992) e o Tratado de Lisboa (2007), tornou-se uma organização para impor a submissão aos monopólios financeiros - principalmente alemães. Recentemente, publicamos artigo de Gérard Filoche e Jean-Jacques Chavigné, onde os autores observam que esses "acordos", além de tornar praticamente cláusula pétrea a "livre circulação de capitais" (o que significa uma garantia ao dinheiro especulativo de origem norte-americana para que invada a Europa e saqueie os recursos europeus), proíbe que o Banco Central Europeu faça empréstimos aos Estados-membros, proíbe que a própria União Europeia empreste a um Estado-membro e proíbe que um Estado-membro empreste a outro Estado-membro. Portanto, obriga que os Estados-membros estejam na mão dos bancos.

Não é um acaso, portanto, que, sob serviçais internos, a dívida grega tenha sido cevada pela operosa administração do Goldman Sachs, talvez o mais notório especialista em fraudes financeiras de Wall Street.

Porém, não é apenas uma questão policial – isto é, a mera fraude na dívida pública – que hoje aflige os gregos. Como demonstram dois jornalistas brasileiros:

"A imagem pintada sobre a dívida grega, que teria aumentado porque os perdulários gregos viveram na mordomia e não se preocuparam com ganhos econômicos, pois contavam com dinheiro fácil da União Europeia, não resiste a um mínimo esforço de se olhar números do país. O déficit comercial passou de 4% do PIB, entre 1975 e 1980, para 11%, na década 2000/2010, com o acesso do país à Zona Euro. A balança agrícola saiu de um excedente de 9 bilhões de dracmas, em 1980, para um déficit de 3 bilhões de euros, em 2010, transformando o país num importador de produtos alimentares. A deterioração do déficit comercial foi acompanhada pela balança de transações correntes: um superávit de 1,5%, entre 1975 e 1980, transformou-se num déficit de 0,9%, em 1980/1990, até alcançar 3% do PIB, em 1990/2000. Após o acesso do país à Zona do Euro, o déficit da balança de transações correntes explodiu para 13% do PIB" (Marcos Oliveira e Sergio Souto, Monitor Mercantil, 04/11/2011).

No entanto, fala-se em certos boletins pró-imperialistas em "ajuda" à Grécia. Como dizem os mesmos autores:

"A escolha das palavras nunca foi um processo de resultado neutro. No jornalismo econômico, frequentemente é transformado em um processo de naturalização dos interesses do status quo financista. Por isso, não surpreende, mas deve servir de alerta ao pensamento crítico, a opção das agências internacionais de notícias, seguidas por seus replicadores locais, por chamar de ‘ajuda’ os empréstimos concedidos por União Europeia, FMI e Banco Central Europeu (BCE), para que governos europeus continuem a manter o fluxo de pagamentos para a banca. Na verdade, mais do que empréstimos, suas condições draconianas, que ameaçam a coesão social duramente conquistada naquele continente, são instrumentos de chantagem. Ela visa a aproveitar a insolvência a que foram levadas algumas nações devido aos bilhões de euros transferidos ao sistema financeiro para ampliar espaços naquelas economias das empresas dos principais integrantes da UE, particularmente, as multis alemãs e francesas" (MM, 8/11/2011).

Recentemente, na revista alemã "Stern", apareceu uma "carta aberta aos gregos", assinada (real ou supostamente) por um cidadão de nome Walter Wuellenweber, que repete, de forma concentrada, todos os chavões dessa campanha diversionista, desonesta, em poucas palavras, inteiramente sem vergonha.

Na edição seguinte da "Stern", um funcionário público grego, Georgios Psomás, publicou uma resposta à carta de Wuellenweber.

Abaixo, nós reproduzimos as duas cartas – a segunda, a de Psomás, não é apenas uma lúcida exposição dos fatos e a reposição da verdade em seu devido lugar. Também é de um humor hilariante – o que é mais um mérito na triste situação em que se encontram os países periféricos da Europa.
     C.L.

Queridos gregos

Desde 1981 pertencemos a mesma família.

Nós, os alemães, temos ajudado como nenhum outro ao Fundo comum, cerca de 200 bilhões de euros, e a Grécia recebeu cerca de 100 bilhões dessa soma, ou seja, a maior soma per capita recebida por qualquer outro país da União Europeia.

Nunca nenhum povo ajudou até agora voluntariamente a outro povo por tanto tempo.

São vocês, sinceramente, os amigos mais caros que temos. O caso é que vocês se enganam a si mesmo, mas também a nós. Em essência, vocês nunca demonstraram serem merecedores do nosso euro.

Desde a incorporação do euro como moeda grega, vocês nunca fizeram por onde para cumprir com os critérios de estabilidade.
Dentro da UE vocês são o povo que gasta as maiores somas em bens de consumo.

Vocês descobriram a democracia, então devem saber que se governa através da vontade do povo, que ao final tem a responsabilidade.

Não digam então que só os políticos são os responsáveis pelo desastre. Nada os obrigou a evadir durante anos os impostos, a opor-se a cada política coerente para reduzir o gasto público e nada os obrigou a eleger os governantes que têm tido e têm.

Os gregos nos mostraram o caminho da Democracia, da Filosofia e dos primeiros conhecimentos de Economia Nacional. Mas agora nos mostram um caminho equivocado. E aonde vocês chegaram, não têm mais para onde ir!!

Querido Walter

Me chamo Georgios Psomás. Sou funcionário público e não "empregado público" como desdenhosamente, como um insulto, se referem os meus compatriotas e os seus compatriotas. Meu salário é de 1.000 euros. Por mês, não por dia, como te querem fazer crer em teu país. Repara que ganho um salário que nem seguer é inferior em 1.000 euros ao teu, que é de vários milhares.

Desde 1981, tens razão, pertencemos a mesma família. Só que nós temos concedido ao seu país, com exclusividade, muitos privilégios, como ser o principal provedor do povo grego de tecnologia, armas, infraestrutura (duas auto-estradas e dois grandes aeroportos internacionais), telecomunicações, produtos de consumo, carros, etc. Se me esqueço de algo, perdoe-me. Te digo que dentro da UE somos os maiores importadores de produtos de consumo produzidos pelas fábricas alemãs.

A verdade é que não responsabilizamos só os nossos políticos pelo desastre da Grécia. Contribuíram muito algumas grandes empresas alemãs, as que pagaram enormes subornos a nossos políticos para assegurar seus contratos, para nos venderem de tudo, e uns tantos submarinos fora de uso que postos no mar, tombam de costado.

Sei que você não acredita no que escrevo. Tem paciência, espera, lê toda a carta e se não se convencer, te autorizo a que me expulse da Zona do Euro, desse lugar da VERDADE, da PROSPERIDADE, da JUSTIÇA e da CORREÇÃO.
Walter, estimado Walter

Passou mais de meio século desde a Segunda Guerra Mundial, quer dizer, mais de 50 anos desde a época em que a Alemanha deveria ter saldado suas obrigações com a Grécia. Essas dívidas, que só a Alemanha até agora resiste em saldar com a Grécia (a Bulgária e a Romênia pagaram as indenizações estipuladas), consiste em:1 . Uma dívida de 80 milhões de marcos alemães por indenizações, que ficou por pagar desde a Primeira Guerra Mundial.2 . Dívidas por diferencias de clearing, no período entreguerras, no montante atual de 593.873.000 dólares.3 . Os empréstimos em obrigações contraídos pelo III Reich em nome da Grécia durante a ocupação alemã, que ascenderam a 3,5 bilhões de dólares, durante todo o período da ocupação. 4 . As reparações que a Alemanha deve à Grécia pelos confiscos, perseguições, execuções e destruição de povoados inteiros, estradas, linhas férreas, portos, cometidos pelo III Reich, e que, segundo o determinado pelos tribunais aliados, somam 7,1 bilhões de dólares, dos quais a Grécia não viu nem um tostão ainda. 5 . As incomensuráveis reparações da Alemanha pela morte de 1.125.960 gregos (38.960 executados, 12.000 mortos por dano colateral, 70.000 mortos em combate, 105.000 mortos nos campos de concentração na Alemanha, 600.000 mortos por fome, etc. etc.). 6 . A tremenda e imensurável ofensa moral ocasionada ao povo grego e aos seus ideais humanísticos da cultura grega.

Sei que não deves gostar nem um pouco do que escrevo. Eu lamento. Mas o que mais me incomoda é o que a Alemanha quer fazer comigo e com meus compatriotas.

Amigão Walter, na Grécia operam 130 empresas alemãs, dentre as quais se incluem todos os grandes da indústria do teu país, as que têm lucros anuais de 6,5 bilhões de euros.

Pois bem, se as coisas seguem dessa forma, não poderei mais comprar produtos alemães, porque cada vez tenho menos dinheiro. Eu e meus compatriotas já passamos por muitas privações, vamos aguentar, não se preocupe.

Podemos viver sem BMW, sem Mercedes, sem Opel, sem Skoda.
Deixaremos de comprar produtos da Lidl, de Praktiker, de IKEA.

Mas vocês, Walter, como vão se arranjar com os desempregados que essa situação criará, que os obrigará a baixar o padrão de vida, abrir mão de seus carros luxuosos, suas férias no exterior, suas excursões sexuais à Tailândia? Vocês (alemães, suecos, holandeses e demais "compatriotas" da Europa) pretendem que nos afastemos da Europa, da Zona do Euro e não sei mais de onde.

Creio firmemente que devemos fazê-lo, para nos salvarmos de uma União que é a união de um bando de especuladores financeiros, uma equipe que nos empurra a consumir os produtos que vocês oferecem: empréstimos, produtos industriais, bens de consumo, obras faraônicas, etc.

E finalmente, Walter, devemos "definir" outro item importante, que vocês também são devedores da Grécia: Exigimos que nos devolvam a Civilização que nos roubaram!!!Queremos de volta a Grécia das imortais obras de nossos antepassados, que estão nos museus de Berlim, de Munique, de Paris, de Roma e de Londres.

Exijo que seja agora!!! Já que posso morrer de fome, quero morrer ao lado das obras dos meus antepassados.
Cordialmente,

Georgios Psomás

 

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