terça-feira, 8 de novembro de 2011

NADA ASSUSTA MAIS OS MERCADOS FINANCEIROS DO QUE A DEMOCRACIA

GÉRARD FILOCHE E JEAN-JACQUES CHAVIGNÉ*


A euforia na Bolsa de 27 de outubro não durou mais que um dia. No seguinte, foi a ducha fria. Os mercados financeiros revelaram a pouca confiança que lhes inspiraram o Acordo Europeu, exigindo uma taxa de juros de 6,06% para títulos do governo italiano recém-emitidos. Três dias depois, tornou-se um chuveiro gelado, com o anúncio de um referendo na Grécia sobre a aceitação ou não do Acordo Europeu. Nada assusta mais os mercados financeiros do que a democracia.
Os operadores financeiros percebem, cada vez mais, que a política de transferir as dívidas privadas – antes de tudo, as dos bancos - para a dívida pública, e pagar a conta com os salários europeus, enfrenta quatro limites intransponíveis, e isso os enlouquece.

Um limite quantitativo, em primeiro lugar. O efeito da suposta alavancagem de multiplicar o poder de fogo do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) realmente não tranquiliza os mercados: se o Fundo garante 25% dos seus débitos, o que irá garantir os restantes 75%?

Um limite econômico, também. Os planos de arrocho [austérité], impostos à Grécia, Irlanda e Portugal, afundam esses países na recessão. O arrocho generalizado em toda a UE, generalizará a recessão e tornará ilusória qualquer diminuição da dívida pública.

Um limite político, então. A democracia política, mesmo confinada pelas instituições europeias, acaba sempre por ressurgir: anúncio de um referendo grego, voto do Parlamento alemão, decisão do Tribunal Constitucional de Karlsruhe, os votos dos parlamentos finlandês ou eslovaco...

Um limite social, enfim. A Grécia está paralisada por greves. A generalização dos planos de arrocho em toda a Europa não poderá senão generalizar a luta contra esses planos. As mobilizações sindicais gregas, espanholas, portuguesas, italianas, aquelas dos “indignados” não são mais que o preâmbulo.

Mesmo se fosse possível tranquilizar os mercados, não seria desejável, porque o preço a pagar seria exorbitante.

O custo social em primeiro lugar. Ninguém vê o fim do desemprego e da miséria nos países sob o jugo dos planos de arrocho destinados a reduzir o déficit público para tranquilizar a finança.

O custo democrático, então. Colocar a Grécia sob tutela permanente da famosíssima troika [FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu] é inaceitável. A “Governança Europeia”, o “federalismo” desprovido de qualquer conteúdo democrático, “regra de ouro” que querem nos impor os dirigentes europeus, significaria um novo recuo, ainda maior, da democracia política na Europa.

O domínio da União Europeia pelos mercados financeiros tem sido pacientemente construído pelos tratados europeus, notadamente por três artigos. O artigo 63 instaura a livre circulação de capitais, deixando a UE sem proteção contra a especulação dos capitais do mundo inteiro. O artigo 121 § 1º proíbe ao Banco Central Europeu emprestar aos Estados-membros ou adquirir diretamente títulos da dívida pública desses Estados. O artigo 125 § 1º proíbe à União emprestar a um Estado-membro ou a um Estado-membro de emprestar a outro Estado-membro. Na ausência de qualquer orçamento federal europeu digno desse nome, um Estado, quando necessita tomar emprestado, não tem mais outra solução, senão fazer um apelo aos mercados financeiros.

Esta é a fonte da onipotência dos mercados financeiros. Não é senão uma construção política. Portanto, é possível dar um fim a isso, revogar esses três itens e seguir em frente corajosamente, contando com a mobilização dos povos europeus em uma direção diferente: a de construir uma União Europeia verdadeiramente federal e democrática.

O anúncio de um referendo grego espalha o pânico na finança, cujo domínio seria reduzido a nada se todos os povos europeus optassem por decidir soberanamente, como o direito internacional lhes autoriza, a pagar ou a anular sua dívida pública. Para conseguir isso, um governo de esquerda deveria decretar uma moratória da dívida pública e organizar uma auditoria pública dessa dívida, seguido de um referendo para decidir que parcela dessa dívida é legítima e que parte não é. A parcela da dívida que tem origem nos cortes de impostos dos ricos e das corporações ou no financiamento sem controle dos bancos poderia, por exemplo, ser visto como ilegítima. A dívida legítima seria paga, a dívida ilegítima não seria.

*Autores de “Dette indigne” (2011). O presente artigo foi publicado no Le Monde, ed. 03/11/2011.

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