quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Amélia, mulher de verdade

São Paulo (SP) - "Ela é coroa, panela velha é que faz comida boa". Se, eventualmente, constar do repertório de uma banda, a execução deste sucesso musical de Sérgio Reis poderá ser vetada na Bahia. Tramita na Assembléia Legislativa local o projeto de lei de uma deputada, que proíbe a contratação, pelo Estado e prefeituras, de bandas com repertórios de letras desrespeitosas às mulheres. Afinal, que história é essa de chamar mulher de coroa e ainda equipará-la a um panela velha ?! 

 

O mesmo destino poderá ser dado até a clássicos da MPB, como Amélia, Aurora, Chiquita Bacana e tantos outros, porque, para ser mulher de verdade, não é preciso passar fome, ter direito a um lindo apartamento, com porteiro e elevador, e usar casca de banana. Claro que, nestes exemplos, há um pouco de exagero, mas, bem imaginando a possibilidade de  múltiplas interpretações e conceitos que o assunto comporta e dependendo de quem os faz, o reverso do exagero pode ir longe. 

 

O mais crítico dessa situação está na censura. Quem e como irá exercê-la, com todos os inconvenientes dela decorrentes ? Isto não seria um retrocesso ? A banda que tivesse parte do seu repertório censurada, poderia ser contratada se a excluísse da apresentação ? Equivale dizer: façam a apologia do desrespeito às mulheres em qualquer lugar, menos aqui na Bahia. Ou: façam a apologia do desrespeito às mulheres mesmo aqui na Bahia, desde que não seja à custa dos erários estadual e municipal. 

 

Essa medida se insere num contexto mais amplo, ensejando digressões e incoerências. Em tempos modernos, o desrespeito, considerado discriminativo, ou preconceituoso, não se aplica somente às mulheres. Para ficar apenas num exemplo, invoque-se a vertente dos homossexuais. Por outro lado, na hipótese de uma banda apresentar-se gratuitamente, portanto, sem receber recursos dos erários estadual e municipal, então, não haveria óbice à sua contratação pelos poderes públicos. Porém, se a idéia é salvaguardar o respeito às mulheres, com ou sem pagamento, a proibição deveria alcançar tanto as apresentações gratuitas das bandas, como aquelas remuneradas com recursos de particulares. Além das músicas com letras desrespeitosas às mulheres, na mesma linha ainda podem ser incluídas encenações teatrais, mormente comédias. 

 

O que está ocorrendo em termos de discriminação e preconceito é uma verdadeira salada mista, com ingredientes que não combinam entre si. O ministro do STF, que, durante seu expediente de trabalho, pode ser designado para decidir uma controvérsia do gênero, é o mesmo que, à noite, no recesso do seu lar, liga a televisão e se diverte com a "burrice antológica" da mulher (personagem) de Lúcio Mauro (personagem), em quadro do programa "Zorra Total". Costinha, se vivo, seria execrado pelas comunidades "gay", com suas costumeiras piadas sobre "bichinhas". 

 

Sabidamente, tudo isso faz parte da cultura popular brasileira, que estão querendo mudar por decreto e não por educação. Melhor andariam os parlamentares baianos e de outros Estados se voltassem sua atenção para as agressões físicas e morais sofridas por professores, de ambos os sexos, e proibissem os alunos agressores de continuarem estudando (?) em escolas públicas, mantidas, portanto, pelos erários estadual e municipal. A zelosa deputada baiana também poderia gastar melhor seu precioso tempo, ocupando-se com a pesquisa que indica ser Salvador a capital brasileira onde as mulheres mais ingerem álcool. 

 

Se alguém perguntar o que um paulista, como eu, tem a ver com o que poderá acontecer na Bahia, na apresentação  de conjuntos musicais contratados pelos poderes públicos, respondo: tudo. Atualmente, a velocidade com que os modismos são transmitidos de um de um lugar para outro é a mesma, não sendo de estranhar se logo, na Assembléia Legislativa de São Paulo, surgir algo semelhante, movido pelo combustível da demagogia, pago com os nossos tributos. 

 

As mulheres-fruta (melancia, melão, pêra etc.) que se cuidem, pois até elas poderão ser acusadas de atentado à dignidade feminina !

ROMEU PRISCO

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