sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Com aspirador de dólar ligado, nem Deus dá jeito

Sem coragem para baixar juro, tiro de Dilma cai na água

Reduzir imposto na indústria retira poder do Estado e não compensa os prejuízos que o câmbio favorável aos importados provocam no setor

Aumentar a “competitividade” das empresas mantendo como está o que tira a sua competitividade - o câmbio aberrante e os juros vertiginosos – é como curar uma infecção mantendo incólume, bem nutrido e em plena atividade o micróbio que a causou.

Pior quando, para manter um regime cambial e financeiro que beneficia meia dúzia de bancos e multinacionais, corta-se ou reduz-se a contribuição para a coletividade, debilitando-se o Estado, mola mestra do crescimento.

Quanto ao mercado interno, as medidas têm pouco a ver com ele, até porque a política da Fazenda e do BC é restringir o mercado interno, conter - até rebaixar - os salários reais e o investimento.
 
“Brasil Maior” mantém indústria refém do câmbio desequilibrado

Plano quer aumentar competitividade da indústria enfraquecida pelo juros altos e avalanche de dólares

Na terça-feira, a presidente Dilma Rousseff lançou o “Plano Brasil Maior”, que seria, segundo anunciado, uma política industrial.

A presidente tem razão – e muita – em preocupar-se com “os riscos à indústria nacional, decorrentes de um câmbio desequilibrado”. O problema consiste em que é impossível superar os riscos de um câmbio desequilibrado sem resolver o desequilíbrio do câmbio.

O que implica, também, em resolver o problema dos juros básicos astronômicos, principal fator interno que torna o atual câmbio uma aberração econômica. Sem contar que esses juros são um atentado à produção nacional e ao mercado interno – considerado, pela presidente, com razão, a nossa maior vantagem econômica.

O ministro Fernando Pimentel disse que o Plano é “corajoso, ousado e audaz”. Infelizmente, não é. E nem precisa tanta “audácia”, “ousadia” e outras palavras altissonantes. Basta coragem para enfrentar os problemas reais, aqueles de que não se pode fugir, sob pena de agravá-los.

No entanto, o Plano quer aumentar a “competitividade” das empresas mantendo como está aquilo que tira a sua competitividade: o câmbio distorcido e os juros vertiginosos. Tal façanha equivaleria a curar uma infecção mantendo incólume, bem nutrido e em plena atividade o micróbio que a causou, mas amaciando um pouco – talvez - o travesseiro do doente.

Como se pode elaborar uma política industrial sem qualquer ação sobre os dois preços mais fundamentais da economia, sobretudo quando eles estão destrambelhados? A resposta é que não se pode.

Falou-se em “indústria nacional”. Mas, quando a medida provisória nº 540 “dispõe sobre a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) à indústria automotiva”, não é a indústria nacional que é beneficiada, e sim o cartel das filiais de multinacionais automobilísticas, que, no Brasil, tem preços extorsivos, com remessas de lucros para o exterior que são abusivas sob qualquer critério econômico que não seja o favorecimento de suas matrizes.

No entanto, essa é a única redução de tributos, em todo o Plano, que vai até 2016. A maioria não passa de dezembro de 2012.

Como é óbvio, a “indústria automotiva” não tem caráter estratégico para o país – aliás, na época atual, para nenhum país do mundo. Essa redução somente servirá para aumentar sua margem de lucro e açular suas remessas para o exterior. É inteiramente perfunctória a condição de que elas deverão “observar, atendidos os requisitos estabelecidos em ato do Poder Executivo, níveis de investimento, de inovação tecnológica e de agregação de conteúdo nacional” (cf. MP nº 540, art. 5º, § 1º). Não sabemos quais serão esses requisitos, mas elas deveriam observá-los sem que, para isso, o Estado tenha que renunciar ao imposto que elas devem pagar. Já no governo Juscelino, há 50 anos, obedecer aos requisitos do governo era a condição para que explorassem nosso mercado interno.
Porém, logo em seguida, estabelece-se que a “redução [de IPI] aplica-se aos produtos de procedência estrangeira (…) no caso de saída dos produtos importados de estabelecimento importador pertencente a pessoa jurídica fabricante que atenda aos requisitos mencionados” (cf. MP nº 540, art. 6º, caput, e § único)

Em suma, a redução do IPI também vale para as importações das multinacionais automobilísticas. Talvez a presidente, em meio à algaravia polimorfa dessa MP, não tenha prestado atenção nesse trecho. Mas, como disse Gorky, o que se escreve nem o machado apaga.

Um desses cretinos da mídia oposicionista atacou o Plano por, supostamente, ser “nacionalista”. Trata-se de mera chicana.

Não vamos falar dos R$ 500 bilhões do BNDES, porque a conta não fecha, nem o BNDES assumiu esse número – e, segundo o sr. Mantega, as empresas têm que se financiar é no mercado de debêntures... Mas os R$ 2 bilhões para que a Finep invista em inovação tecnológica são importantes, ainda que bastante insuficientes para as nossas necessidades.

Quanto aos impostos – menos ainda as contribuições para a Seguridade e a Previdência -, jamais foram um obstáculo à competitividade. Mas é sobre eles que recai a compensação para não ter alguma política racional em relação ao câmbio e aos juros. Em suma, o debilitamento do Estado, há muito a mola mestra do desenvolvimento, é, na verdade, a essência dessa política que corta impostos para não mexer em nada.

A contribuição para a coletividade - para a sociedade e para o Estado - é sacrificada para manter um regime cambial e financeiro que beneficia meia dúzia de bancos, sobretudo externos, e multinacionais.

Como política industrial, ela não é uma política industrial. Limita-se a um pequeno respiro, mais fantasioso que real, para alguns setores nacionais, “desonerando”, em 100% das contribuições para a Seguridade e a Previdência, as indústrias de confecções, calçados, móveis e software – ameaçadas pelas importações devido ao câmbio, aos juros, às tarifas de importação baixíssimas, e não pelos impostos.

A presidente Dilma está inteiramente certa ao declarar que “nós não acreditamos que o desenvolvimento possa abrir mão da indústria e se dedicar prioritariamente a construir uma economia de serviços. Nós queremos a nossa indústria sólida, geradora de renda e de emprego”.

Para isso, é necessário ter uma política para que a indústria nacional seja sólida, geradora de renda e de emprego. Não serão, certamente, as filiais de multinacionais que irão dar solidez ou basear o emprego no país – pela razão evidente que sua função é gerar renda para suas matrizes em outros países.

Podem até ter alguma importância em nossa economia. Mas nunca poderão, se queremos crescer sustentadamente, ser o centro da nossa economia, porque, a rigor, pertencem a outras economias.

É verdade que nossa base deve ser o mercado interno. Mas o Plano pouco tem a ver com o mercado interno – até porque a política da Fazenda e do Banco Central é restringir o mercado interno, manietar o consumo, conter, até rebaixar, os salários reais, e, como observou Amir Khair, restringir o investimento. A meta de 22,4% do PIB de taxa de investimento é viável – desde que se tenha uma política para isso.

Entretanto, a ideia do Plano parece a de aumentar as exportações porque as contas externas estão em perigo, se o saldo comercial continuar do jeito que está. A presidente também foi correta ao apontar o “excesso de liquidez” (as superemissões de dólares dos EUA) como algo que nos prejudica. Portanto, foi significativa a menção “aos que pensam que (…) o mais prudente é não agir e esperar a onda passar”.

Esta foi, precisamente, a política do sr. Mantega. No dia 15 de dezembro de 2009, em entrevista ao “Valor Econômico”, ele declarou: “Vamos aumentar as importações e usar poupança externa. Teremos um déficit em transações correntes, que será coberto por poupança externa. Quando o mercado internacional voltar a crescer, voltaremos a produzir um superávit comercial maior”.

Sobre o câmbio: “Estancamos a sobrevalorização do real e a tendência é o câmbio melhorar. Estabilizamos o câmbio há 50 dias, quando o dólar estava a R$ 1,70. Hoje, está em R$ 1,77”.

Sobre as superemissões dos EUA: “Os Estados Unidos farão, inevitavelmente, alguma valorização da moeda, subindo aquela taxa de juros de 0,25% ao ano”.

E quando um dos entrevistadores observou que “há quem diga que o aumento dos juros nos EUA só deverá ocorrer no fim de 2010”: “Não acredito. (…) Trabalhar com 0,25% desmoraliza o mercado. (…) Teremos um movimento de desvalorização do real, o que vai ajudar a melhorar a situação dos exportadores”.

Hoje, a cotação do dólar está em R$ 1,56. Os juros reais dos EUA estão em -3,2% (menos 3,2%).

Mantega levou dois anos para perceber que havia uma guerra cambial. Em julho do ano passado, insistia: “Quando os outros países voltarem a comprar mais do Brasil, as exportações vão crescer e equilibrar as transações correntes. Como o câmbio é flutuante, a regulação é automática. (…) em algum momento, a tendência é de desvalorização do real” (Ag. Brasil, 27/07/2010).

Infelizmente, o Plano de terça-feira é puro manteguismo. Há outras medidas, quase todas extensões ou prorrogações de políticas que já existem, incluindo o drawback (isenção para importações de empresas exportadoras), inventado pelo falecido Bulhões no governo Castello Branco, em 1966.
CARLOS LOPES
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