quarta-feira, 15 de junho de 2011

A Gang do Seis e outros velhacos

Este artigo do economista norte-americano Robert Kuttner, editor da revista “The American Prospect”, traduzido por nós para o português, foi publicado originalmente no site de notícias “The Huffington Post”.
“Gang dos Seis” é atualmente o nome dado pelos norte-americanos à comissão do Senado, composta por três republicanos e três democratas, que trata do acordo em torno da dívida pública dos EUA. Surpreendentemente – para nós, brasileiros – os próprios membros dessa comissão, bem como seus defensores, se referem a ela como “Gang of Six”.

Kuttner, ao abordar as discussões sobre a dívida e o orçamento – em essência, sobre os cortes de gastos públicos – expõe, em seu ridículo, a genial neo-teoria que no momento predomina no governo Obama e no Congresso dos EUA: a de que, para que haja recuperação econômica, a criação de empregos é secundária - em um país onde pelo menos 25% da força de trabalho está desempregada ou subempregada.

O que importa mesmo, segundo os expoentes dessa neo-teoria, sobretudo o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, é cortar as despesas do governo – certamente, não aquelas com os bancos, pois o objetivo dos cortes é, exatamente, pagar mais aos bancos para reduzir a dívida pública. Nem os gastos militares.

Além de eliminar qualquer investimento público em infraestrutura que poderia atenuar o desemprego, o principal alvo desses cortes são os gastos sociais, e, entre eles, as dotações orçamentárias do Medicare – o atendimento público de Saúde aos que têm mais de 64 anos, instituído em 1965 pelo presidente Johnson.

Segundo Newt Gingrich, ex-presidente da Câmara e atualmente pré-candidato republicano à Presidência dos EUA, em entrevista no mês passado ao programa “Meet the Press”, da NBC, o Medicare tem que ser banido porque é “engenharia social” - não se sabe o que ele tem contra a engenharia; mas, o problema, na verdade, é que ele prefere a “engenharia financeira” de Wall Street. É verdade que Gingrich tem uma divergência com a posição de seu partido, exposta pelo coordenador do Comitê de Orçamento da Câmara, deputado Paul Ryan: enquanto este quer substituir o Medicare por alguns vales para os idosos, Gingrich quer privatizá-lo – o que é, para todos os efeitos, a mesma coisa.

Em seu artigo, Kuttner mostra como os EUA estão afundando cada vez mais na crise – e que não se trata de um fenômeno meramente “cíclico”, mas uma consequência direta de uma política econômica estúpida, que destrói o país para favorecer alguns saqueadores financeiros.

Talvez o que exista de mais importante no artigo é que ele expressa uma visão progressista dentro do Partido Democrata, apesar do desastrado desempenho de Obama, assim como da maioria dos parlamentares do partido, que fazem lembrar a definição de Gore Vidal do sistema político dos EUA: um regime de partido único com duas alas direita.

Em 2008, quando Obama venceu a eleição presidencial, Kuttner publicou “Obama’s Challenge: America’s Economic Crisis and the Power of a Transformative Presidency” (O Desafio de Obama: A Crise Econômica da América e o Poder de uma Presidência Transformadora). Era um livro sobre a mudança do modelo econômico dos EUA depois de 18 anos de neoliberalismo.

Infelizmente, as esperanças depositadas em Obama foram, pelo menos até agora, baldadas. O último livro de Kuttner, lançado em 2010, é intitulado “A Presidency in Peril: The Inside Story of Obama’s Promise, Wall Street’s Power, and the Struggle to Control our Economic Future” (Uma Presidência em Perigo: Por Dentro da História da Promessa de Obama, o Poder de Wall Street e a Luta para Controlar nosso Futuro Econômico).

Kuttner é professor das universidades de Brandeis, Boston e Massachusetts, foi colunista da “BusinessWeek” e ainda é colaborador do “Boston Globe” - um jornal da cadeia do “New York Times”. Pertenceu ao corpo de redatores do “The Washington Post” e foi editor econômico da “The New Republic”.
Em suma, Kuttner não está nada perto do que chamamos no Brasil de “esquerda”, embora, nos EUA, sua defesa de que é necessário “reviver a política e a economia de aproveitar o capitalismo para servir a um interesse público mais amplo” soe quase como se fosse incendiária.

Por último, um esclarecimento que os leitores norte-americanos não necessitam, mas o mesmo não se pode dizer dos brasileiros: o deputado Anthony Weiner, citado na primeira frase do artigo, é o protagonista atual de mais um escândalo sexual da política norte-americana, uma espécie de circo, algo deprimente, mas com audiência, numa terra colonizada por puritanos, com que a mídia dos EUA ocupa, de tempos em tempos, a atenção dos leitores, ouvintes e telespectadores daquele país.
C.L.
ROBERT KUTTNER *

Se pudéssemos tirar o deputado Anthony Weiner da primeira página dos jornais, os democratas deveriam estar degustando o inesperado prato político que lhes foi servido pela asneira dos republicanos sobre o Medicare. A proposta do deputado republicano Paul Ryan, de acabar com o Medicare como um programa público, é monumentalmente impopular. O plano de Ryan, coordenador do Comitê de Orçamento, acrescenta ainda, para os democratas, o benefício de dividir os republicanos e a utilidade de contribuir para a auto-imolação de Newt Gingrich.

Mas, reparem, a bipartidária Gang dos Seis e seus aliados conservadores no Departamento do Tesouro, chefiado por Tim Geithner, conseguiram transformar em derrota o que era uma vitória.

O mais provável é que no acordo sobre o orçamento para salvar o país de calotear a dívida nacional, as diferenças entre os partidos entrem em colapso na direção imensamente conservadora. Se o script atual for seguido, os republicanos serão os grandes vencedores. Eles ganharão no estripamento dos gastos sociais, abortando uma recuperação frágil, humilhando o presidente, e diminuindo suas possibilidades de reeleição. Formidável trabalho, Gang dos Seis.

Um recente artigo de Zachary Goldfarb no “Washington Post” confirmou o papel de Geithner em persuadir o presidente Obama de que reduzir o déficit é prioritário em relação à criação de empregos. Com as renúncias do economista-sênior Jared Bernstein e, mais recentemente, do economista-chefe Austan Goolsbee, ninguém mais na assessoria econômica sênior do presidente defende que criar empregos é mais importante do que cortar o orçamento.

Mesmo com a saída do senador Tom Coburn, deixando apenas cinco baluartes bipartidários, a Gang dos Seis (menos um) anuncia que está prestes a fechar um plano de redução do déficit que propõe cortes de US$ 4,7 trilhões no orçamento em uma década. Se o teste for sobre quanto cortar, os planos de Obama e Ryan disputam qual o melhor.

Mas este é realmente o teste certo? Para a maioria dos americanos, o déficit federal é uma abstração. O problema é demasiado poucos empregos, salários achatados, financiamento imobiliário declinante, preços insuportáveis dos planos de saúde, aumento cada vez maior dos custos com a educação, diminutas oportunidades para os jovens.

A classe política inteira tem convencido a si própria de que o caminho para a recuperação econômica é via redução do déficit. O único problema é que nenhuma teoria econômica pode plausivelmente demonstrar essa conexão. O financiamento da dívida não está prejudicando o investimento privado - as taxas de juros estão em queda recorde. O problema é que, devido à própria recessão, as empresas não veem clientes suficientes para aumentar o investimento.

Nenhuma magnitude na redução do déficit, entre agora e novembro de 2012, melhorará o quadro dos empregos. Pelo contrário, ao negar dinheiro ao governo para investir em projetos que criariam empregos, a obsessão do déficit piorará o quadro econômico - e as perspectivas de reeleição da administração Obama.

Alan Simpson e Erskine Bowles, ex-presidentes da comissão de reforma fiscal instituída por Obama, não puderam ganhar apoio da necessária super-maioria para o seu plano draconiano, que incluía cortes na Seguridade Social, mas certamente não fecharam a boca. Recentemente, publicaram uma presunçosa coluna no “Washington Post”, assegurando aos leitores que a Gang dos Seis ficaria firme e acharia um acordo sobre o orçamento. A coluna termina com as imortais palavras, “Orem pela Gang dos Seis”.

Bem, se você acredita no poder da oração, seria melhor rezar para que a Gang se despedace em cima das diferenças partidárias - porque essas diferenças, na verdade, fortalecem os progressistas.

A maioria dos americanos não apoia cortes no Medicare ou na  Seguridade Social. A maioria se opõe a essa espécie de cortes selvagens nos programas para os pobres e para a classe média trabalhadora, que são o núcleo do orçamento de Ryan e que serão parte do pacote da Gang dos Seis, se a Gang chegar a um acordo.  A maioria gostaria de ver investimentos em infraestrutura para colocar americanos de volta no trabalho - os muitos investimentos que seriam descartados como parte do orçamento de austeridade da Gang dos Seis.

Se aquelas diferenças submergem no frenesi do bipartidarismo, sobretudo ao longo de linhas fiscalmente conservadoras, nós perdemos e a direita ganha.

Os republicanos da Gang dos Seis - senadores Saxby Chambliss, da Georgia, e Mike Crapo, do Idaho, tanto quanto seu ausente colega Tom Coburn, são contra aumentos de impostos sobre os mais favorecidos. Eles também se opõem a cortes nos gastos militares que sejam mais do que simbólicos. Logo, qualquer acordo aceito pelos democratas fiscalmente conservadores do grupo será, predominantemente, cortes sobre as despesas internas. O que, por sua vez, pressionará o presidente Obama para aceitar o que é, basicamente, um orçamento tão republicano quanto impopular.

Mas, e sobre a dívida e o risco de calote? A dívida, a longo prazo, é um modesto problema, a crise urgente agora, mesmo, é constituída por uma economia definhante. O melhor modo de reduzir o fardo passado da dívida é conseguir uma séria recuperação. Isso exigirá mais investimentos públicos, não menos.

Quanto ao teto da dívida, por que só republicanos e democratas fiscalmente conservadores conseguem meter medo nos outros com o risco de um calote? Seria melhor para o presidente Obama deixar claro que não está disposto a sacrificar os gastos sociais fazendo os cortes valorizados pela ideologia de extrema-direita, e colocar os republicanos como responsáveis por assustar o mercado financeiro.

A maior parte do aumento da dívida foi causado pela própria recessão, pelos cortes de impostos de Bush, e pela expansão militar. O mais simples modo de domar a dívida seria revertermos para o código de impostos dos anos 90 (uma década de prosperidade), converter gastos militares para usos civis, e aumentar as receitas federais por meio de uma forte recuperação econômica.

O acordo final do orçamento será necessariamente um compromisso. Mas se os democratas abandonarem seus princípios antes mesmo de começarem as negociações finais, eles não poderão se surpreender quando o compromisso for republicano em maior parte.

* Economista, professor, co-fundador e co-editor da revista “The American Prospect” e autor, entre outros livros, de “Everything for Sale: The Virtues and Limits of Markets” (1997), “Obama’s Challenge” (2008) e “A Presidency in Peril” (2010).

Nenhum comentário: