quarta-feira, 22 de junho de 2011

Especulação faz preço do etanol aumentar 16,65% em São Paulo

Com expectativa de lucros no "mercado futuro", multinacionais seguram estoques para venda supervalorizada no período da entressafra

O preço do etanol subiu 16,65%, entre os dias 20 de maio e 17 de junho, nas usinas paulistas, de acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA) da USP, que monitora semanalmente os preços cobrados pelo produtor no Estado. O repentino aumento ocorre justamente no período de pico da safra, justamente quando o preço deveria estar no patamar mais baixo.

São Paulo é responsável por mais da metade da produção nacional de etanol e liderou a nova alta nos preços depois que a Petrobrás entrou pesado no mercado, no início de maio, derrubando os preços nas bombas. De acordo com a Agência Nacional de Petróleo e Gás Natural (ANP), agora também responsável pelo biocombustível, o preço da gasolina está mais vantajoso que o do etanol em 21 Estados brasileiros e no Distrito Federal.

O aumento do etanol nas usinas já é sentido pelo consumidor nos postos de combustível. Reportagem da “Folha de S. Paulo”, apontou um aumento de 3,7% no etanol aos motoristas paulistas.

A ANP registrou aumento nos valores nos postos do DF, Goiás, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Santa Catarina.
Para a União da Indústria de Cana de Açúcar (ÚNICA), a explicação é que houve uma redução na oferta e aumento na demanda. Mas estamos no pico da safra, que começou em maio e vai até novembro. Momento natural de queda dos preços do combustível.

Este ano isso não aconteceu.

A razão já havia sido apontada pelo economista Julyerme Tonin, coordenador do setor de dados agropecuários do Boletim Econômico da Universidade Estadual de Maringá, em entrevista ao Diário de Maringá, em outubro do ano passado. Segundo Tonin, um novo contrato lançado pela BM&F em maio do ano passado permite aos especuladores jogar com o preço futuro do combustível com liquidação financeira (em dinheiro ao invés de em produto). Esse novo papel atingiu um volume que chegou a R$ 1,790 milhão só no primeiro dia em que foi ofertado.
Bom, se no futuro o preço estará mais alto, as usinas entocam o combustível agora que o preço baixou, fazendo com que – por falta, aí sim, de oferta – o preço suba, agora. O raciocínio é, segundo ele, que “se o preço lá na frente está mais adequado, você não precisa vender o produto hoje a um preço baixo”.

“O que a bolsa faz agora é ajustar o preço a ser pago lá na frente. Estão vendo que lá, durante a entressafra, vai faltar o produto, que em meados de março do ano que vem vai ocorrer problemas de abastecimento. Então, ela já seguram os estoques. Não quer dizer que os estoques estão baixos agora. Em janeiro e fevereiro, houve uma recomposição dos estoques”, disse Tonin.

A especulação não é escondida pelas usinas, que estão utilizando as linhas de financiamento abertas pelo governo federal na tentativa de manter os preços em patamares razoáveis. A ETH Bioenergia, do Grupo Odebrecht, que se juntou com a arapuca norte-americana do Reichstul, a Brenco, já anunciou que pretende manter no estoque cerca de 60% de sua produção para vender após o fim da colheita no Centro-Sul do país. Nem mesmo o apoio financeiro de R$ 1,2 bilhão do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) fez a empresa liberar o produto. Segundo o vice-presidente de operações da Agroindustriais da ETH Bioenergia, Luis Felli, “os custos para armazenagem fazem parte da estratégia do grupo desde que a ETH foi criada”.
DESNACIONALIZAÇÃO

Mas esta “estratégia” não seria possível se a produção de etanol não tivesse sofrido uma brutal concentração nos últimos três anos, e provavelmente não seria aplicada se essa concentração não fosse nas mãos de empresas estrangeiras.

“O problema é que cinco usinas dominam 50% do mercado, então como se trata de um setor concentrado elas podem determinar os caminhos”, alertou o economista. E as maiores empresas do setor são hoje estrangeiras. A ETH Bioenergia virou a maior produtora de etanol de cana-de-açúcar do mundo, com capacidade de produzir 3 bilhões de litros de etanol por ano. A Shell incorporou a Cosan, líder do setor, e com a Raízen se propõe a produzir 2 bilhões de litros de etanol por ano. A multinacional francesa Louis Dreyfus adquiriu a empresa Santelisa Vale e atualmente conta com 13 usinas, com capacidade de produção de 2,7 de toneladas de açúcar e 1,5 bilhão de litros de álcool. E a norte-americana Bunge informou que vendeu 100% de seus ativos de fertilizantes no Brasil à Vale com o objetivo de investir em etanol.

Além dessas, monopólios como a norte-americana Cargill, Teréos (de origem francesa), Adecoagro (empresa de capital americano e argentino que tem o megaespeculador George Soros entre seus acionistas), Noble Group (com sede em Hong Kong), e a petroleira britânica BP já estão na produção brasileira do setor sucroalcooleiro.
Enquanto os preços sobem, os especuladores festejam. Arnaldo Luiz Corrêa, diretor da Archer Consulting, lamenta que os contratos de etanol, quando projetados para 12 meses, só correspondam a 20% da safra nacional. O ideal, segundo ele, seria uma negociação de pelo menos cinco vezes a safra.
MARIANA MOURA

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