quarta-feira, 18 de maio de 2011

Um país produtivo, com forte mercado interno e forte indústria própria é tudo o que um parasita da especulação não quer, pela simples razão de que teria pouco a parasitar.

O fantástico “surto inflacionário” dos apóstolos do arrocho salarial 

Querem a taxa de juros aumentando e o câmbio favorável à entrada dos produtos estrangeiros

Os corifeus do arrocho salarial propalam agora que o Brasil está sofrendo um “surto inflacionário” - porque o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) atingiu 6,51% nos últimos 12 meses.

O número não é assustador nem há descontrole nessa inflação. Trata-se mais de fazer escândalo com uma barata na sala para bater a carteira do próximo. Por exemplo, o sr. Maílson da Nóbrega – que, quando ministro da Fazenda, elevou a inflação mensal de 13,97% (dezembro/1987) para 82,18% (março/1990) – em sua coluna na “Veja”, aos berros, quer obrigar o governo a passar por cima da lei de valorização do salário-mínimo, porque ela seria “suicida”, diante da terrível inflação.

O sr. Maílson, uma rara vocação de homicida econômico que afundou o final do governo Sarney, tem uma preocupação edificante com o sucesso da presidente Dilma. Pois letal, para o governo, seria achatar o mercado interno, com um arrocho salarial, no momento em que o Brasil mais depende dele para crescer – e até para sobreviver, em meio a uma crise externa que tende a se aprofundar.

Mas, vejamos, sucintamente, o problema da inflação.
De maio de 2003 a maio de 2011, a hipervalorização do real em relação ao dólar foi de 43% - e, ao contrário do que disseram alguns basbaques sobre uma suposta “moeda forte” que o Brasil agora teria, essa distorção no câmbio, que devasta com a competitividade das empresas, encarecendo seus produtos em relação aos importados, foi totalmente artificial, totalmente imposta pelos juros altos e pelas intervenções no mercado de câmbio do Banco Central, sempre no sentido de manter o dólar baixo para favorecer as importações.

Em outras palavras, em relação à produção interna, os juros e o câmbio do BC foram, todo esse tempo, inflacionários, como, aliás, era inevitável. Certamente, os índices de inflação permaneceram baixos, à custa do favorecimento – por esses mesmos juros e por esse mesmo câmbio – às mercadorias importadas. Ou seja, à custa de inflacionar os preços da produção interna para subtrair das empresas nacionais o seu mercado natural, o mercado interno, e ocupá-lo com produtos fabricados fora do país.

Naturalmente, essa política – em verdade de destruição das empresas nacionais – teria que encontrar os seus limites. Este foi o caso da alta no preço das “commodities”, determinada pela especulação financeira em Chicago, Nova Iorque e outros recantos forâneos, e, ainda que menos mencionada, a alta de preços das próprias mercadorias importadas – porque houve uma recomposição dos preços em dólar dessas mercadorias, depois que os EUA emitiram pelo menos US$ 2,7 trilhões, e esse aumento do preço em dólar somente em parte foi compensado pelo dumping cambial do BC.

Esses são os principais componentes do relativo aumento na inflação. Há um terceiro, interno, que não é muito diferente em caráter: a desnacionalização da economia e consequente monopolização de alguns setores – o mais evidente é a produção de etanol – levou a uma manipulação dos preços, em síntese, a uma tentativa de impor preços de monopólio aos consumidores.

Essa mesma desnacionalização, ao aumentar as importações de componentes para a montagem das multinacionais, importou, também, a recomposição de preços em dólar – vale dizer, a inflação externa.

Sinteticamente: o aumento de preços deste ano reflete os limites da política de se ancorar nas importações, e, de resto, internamente, no capital estrangeiro.

Notemos, de passagem, que no segundo mandato do presidente Lula essa política foi contrarrestada pelo foco no crescimento – isto é, pela política do presidente, que fez com que a do ministro Mantega fosse ofuscada, deixando na berlinda, nesse quesito, apenas o sr. Meirelles.

Mas, o que têm a ver os aumentos de salários com uma inflação que é, a rigor, um sinal de que a política de ancorar-se na dependência externa chegou a um limite?

Absolutamente nada. Pelo contrário: o mercado interno, composto em 75% pelos salários (isto é, pelo consumo das famílias, o que inclui também o consumo de não assalariados, mas este é uma parcela pequena do total), com sua ocupação pela produção nacional, é a única via para sair desse imbróglio.

Aqui podemos chegar a um entendimento maior dessa gritaria pelo arrocho salarial da mídia, do “mercado financeiro” e até de certas autoridades que pertencem mais ao mercado financeiro e à mídia do que ao governo: o que eles querem é manter essa política que dá sinais evidentes de esgotamento. Para isso, querem arrochar os salários – pois não querem que os juros baixem, que o câmbio favoreça o país e que os gastos do governo estejam a serviço do desenvolvimento e da população.

Evidentemente, um país produtivo, com forte mercado interno e forte indústria própria é tudo o que um parasita da especulação não quer, pela simples razão de que teria pouco a parasitar.

Nessa hora, vale tudo: até inventar uma “indexação oculta” - que é oculta porque ninguém consegue vê-la, já que não existe – nos aumentos de salários, que se espalharia inevitavelmente pela economia...

Não há indexação alguma quando os trabalhadores repõem nos salários as perdas devidas à inflação – há negociação e há luta. Não são os salários que determinam os demais preços, mas, pelo contrário, são os demais preços que determinam os salários. Uma proposição que não é original: foi demonstrada em 1865, há 146 anos, e jamais refutada, por um pensador de origem alemã que morava na Inglaterra. A situação atual é mais uma demonstração dessa verdade.

Quanto à ridícula afirmação de que os salários estão aumentando mais do que a produtividade, o que causaria inflação, mesmo sem discutir esse dogma - importado pelo carcomido Gudin na década de 30 do século passado - o fato é que aumentos salariais apenas incorporam ganhos de produtividade já havidos.

Além disso, é inteiramente verdade o que diz um líder sindical: “... é importante lembrar que, a partir da década de 1990, quando tiveram início aumentos sucessivos de produtividade no Brasil, somente a partir de 2004 os salários apresentaram alguma trajetória de elevação. Portanto, a elevação salarial chegou com mais de 10 anos de atraso, deixando atrás de si um grande acumulado de aumento de produtividade. Como resultado, no período de quase 20 anos entre 1989 e 2008, a produtividade da indústria aumentou 84%, enquanto no mesmo espaço de tempo a renda média dos salários caiu 37 pontos” (Artur Henrique, CUT, 03/05/2011).

O pensador que lembramos acima, escreveu que na história os fatos acontecem duas vezes: a primeira vez como tragédia e a segunda em forma de comédia.

Há quem queira repetir Gudin e Roberto Campos – com as mesmas idiotices sobre a inflação e sobre os salários – na situação atual. Realmente, há 50 anos, foi uma tragédia.
CARLOS LOPES

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