sábado, 21 de maio de 2011

Gastos com juros atingem 37% do total aprovado pelo Congresso

Quanto aos investimentos, foram liberados apenas 1,51% da dotação orçamentária
A execução orçamentária do governo federal, até o último dia 17, revela que, em “juros e encargos da dívida”, neste ano já foram pagos R$ 62.622.278.996 (62 bilhões, 622 milhões, 278 mil e 996 reais).
No item “amortização/refinanciamento da dívida”, que inclui a amortização propriamente dita de títulos da dívida e a chamada “rolagem” - pagamento de amortizações com a emissão de outros títulos - foram pagos R$ 261.486.123.871 (261 bilhões, 486 milhões, 123 mil e 871 reais).
Quanto aos investimentos orçamentários (excluindo, portanto, aqueles realizados pelas estatais), foram pagos apenas R$ 950.181.049 (950 milhões, 181 mil e 49 reais).
Todos esses dados são extraídos do acompanhamento da execução feito pelo Senado.
Alguém poderia dizer: os investimentos no Orçamento são uma quantia menor, portanto, é natural essa disparidade em comparação ao que foi pago em “juros e encargos da dívida” e “amortização/refinanciamento da dívida”.
Infelizmente, não é assim.
O que foi pago em juros corresponde a 37% da dotação orçamentária aprovada pelo Congresso Nacional (R$ 169.870.725.435).
O que foi pago em amortizações e “rolagem” é 33% da dotação orçamentária (R$ 783.918.792.678).
Mas o que foi liberado em investimentos é apenas 1,51% do que o Congresso aprovou (R$ 62.922.507.511).
Deve ser por isso que o ministro Palocci chegou à conclusão que “no mercado de capitais e em outros setores, a passagem por Ministério da Fazenda, BNDES ou Banco Central (…) dá enorme valor a estes profissionais no mercado”. Mas, pelo jeito, eles são mais valiosos ainda quando estão no governo...
Na terça-feira, o ministro Mantega causou vibrações extraordinárias na senhorita Leitão, a musa da Globo (cada um tem a Jean Harlow que merece), ao dizer que “a gente está trabalhando para desaquecer a economia”.
Bendito seja o trabalho, que dignifica o homem, já diziam as nossas bisavós. Mas o trabalho do ministro não era, como anunciou antes, cortar gastos de custeio para aumentar os gastos com investimento? Nunca achamos que isso fosse sério – e não era: sabemos agora que o trabalho do ministro da Fazenda é segurar o investimento para aumentar os gastos com os bancos.

Mas até a senhorita Leitão foi capaz de perguntar ao ministro se ele não estava “incomodado” com os juros altos. Não que ela se importe muito com isso, mas, pelo visto, achava que o ministro devia se importar. Disse ele que era preciso “combater a inflação”.

Vai ser difícil, segurando ou cortando investimentos – inclusive das estatais, pois, segundo o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, “o ministro Guido Mantega pediu uma meta mais realista”, como se as metas de investimento da Petrobrás, aprovadas por seu conselho, então dirigido por nossa atual presidente da República, fossem alguma loucura.

Com esses juros, com esse câmbio e com a sua política de desnacionalização galopante da economia, Mantega vai trabalhar mais do que Sísifo no Inferno, sempre “desaquecendo” mais e mais a economia.

O método do sr. Mantega de combater a inflação, sucintamente, é subsidiar as importações, através de um câmbio em que o real é hipervalorizado em relação ao dólar – devido aos juros altos, que atraem resmas e resmas de dólares desvalorizados para dentro do país. Ao mesmo tempo, seu método de desenvolver o país é vendê-lo – estimulando a tomada de empresas nacionais pelo “investimento direto estrangeiro”. Nessas duas medíocres predileções, não se distingue, em nada, do sr. Gustavo Franco, de infausta memória.

Vejamos um estudo importante, aliás, primoroso, “Desempenho do Setor de Autopeças 2011”, publicado pelo Sindipeças e Abipeças. Dizem os fabricantes de autopeças: “em 2010, as importações somaram US$ 13,1 bilhões e as exportações, US$ 9,6 bilhões. O déficit, de US$ 3,55 bilhões, foi 42,6% superior ao do ano anterior” (pág. 7).

Hoje, existem 500 empresas de autopeças no Brasil. Até o governo Collor, o setor, com raras exceções, era inteiramente nacional. O trabalho mostra que, em 1994, as empresas nacionais eram responsáveis por 52,4% do faturamento total das empresas de autopeças, cabendo 47,6% às empresas estrangeiras. Em 2000, após a devastação do governo Fernando Henrique, a parcela das empresas estrangeiras no faturamento total havia aumentado para 73% e as nacionais estavam com apenas 27%. Dez anos depois - isto é, no ano passado – o quadro era praticamente o mesmo: as estrangeiras tinham 73,1% do faturamento total e as nacionais, 26,9% (op. cit., pág. 10).

Quase as mesmas percentagens – e a mesma trajetória – podem ser verificadas ao se analisar a distribuição do capital total do setor.

O que o país ganhou com isso? A depredação do seu parque industrial, a espoliação das remessas de lucros e o desequilíbrio nas contas externas. Além disso, ficamos à mercê dos preços monopolizados externos – isto é, de um fator inflacionário que foge do nosso controle.

Portanto, cortar investimentos – e não dirigi-los para onde são mais necessários, para reconstruir internamente elos da cadeia produtiva, vale dizer, para substituir importações – tem tanto a ver com combate à inflação quanto a famosa imperatriz Messalina tinha a ver com a castidade.

Investimento é ampliação da capacidade produtiva, e, como disseram Keynes e Kalecki, criação de poupança.

Combater inflação ao inverso – aumentando os juros para subsidiar mais ainda as mercadorias importadas – é o caminho certo para o desastre, tanto quanto à inflação, quanto às contas externas, quanto, obviamente, ao crescimento. Fernando Henrique, aliás, já havia percorrido esse caminho.

Mas o ministro acha que seu trabalho é derrubar o crescimento, e até se orgulha disso – ao invés de fazer o país superar os gargalos que o crescimento, a cada momento, exige que sejam superados.
CARLOS LOPES

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