sábado, 28 de maio de 2011

Entrada de dólar especulativo dobra para US$ 2,769 bilhões 


Em março, a entrada foi de US$ 1,387 bilhão  


Na quinta-feira, segundo press-release do Ministério da Fazenda, o ministro Mantega mostrou na “Managing Capital Flows in Emerging Markets”, evento promovido com o FMI, que “as medidas adotadas pelo governo brasileiro quanto à entrada de recursos especulativos surtiram efeito”.

Não assistimos à conferência do ministro, portanto, não sabemos como ele realizou essa mágica, depois que o resultado das contas externas, divulgado pelo Banco Central no dia anterior, mostrou que a entrada de dinheiro vadiamente especulativo dobrou em abril, comparado a março.

Nesse mês, já havia, dentro do país, “recursos especulativos” externos - o “investimento estrangeiro em carteira” ou “em portfólio” - no ciclópico montante de US$ 608,5 bilhões, segundo estudo do sr. Tony Volpon, diretor no Brasil da financeira japonesa Nomura Securities International (cf. Volpon, “O ‘balanço cambial’ do Brasil é sustentável?”, Valor Econômico, 16/03/2011).

Na quarta-feira, prudentemente, o BC procurou dar a menor ênfase possível ao aumento da entrada de capital especulativo.

O BC preferiu destacar uma diminuição no déficit nas transações correntes – oscilação mensal sem maior significado, até porque, nos primeiros quatro meses do ano, esse déficit aumentou 9,4% em relação ao mesmo período do ano passado, devido ao aumento das remessas de lucros das multinacionais e das importações.

Porém, o aumento da entrada especulativa (US$ 2,769 bilhões em abril contra US$ 1,387 bilhão em março e US$ 1,106 bilhão em fevereiro) está claramente subestimado.

Desde fevereiro, bancos e outros especuladores passaram a registrar entradas meramente especulativas como “investimento direto estrangeiro” (IDE), para burlar o pagamento do IOF – a panaceia do ministro Mantega.

O fato é admitido até pelo BC, vide as declarações do chefe-adjunto do seu Departamento Econômico, Túlio Maciel: “Depois que o dinheiro entra no capital da empresa, na tesouraria, aí o BC não tem como acompanhar como ele é utilizado” (Monitor Mercantil, 25/03/2011; ver também a matéria “Até aluguel de balanço vira IED - Investidores mascaram aplicações em juros usando tesouraria de bancos”, MM, 01/04/2011).

Como diz um ex-diretor da Dívida Pública do BC, o sr. Carlos Thadeu de Freitas, “dinheiro que entra para a compra de uma máquina, por exemplo, após ser convertido em reais não tem como ser controlado. O receptor pode aplicar em portfólio (curto prazo) e alegar que ainda não encontrou a máquina em questão” (MM, 01/04/2011).

Assim, à suposta diminuição do “investimento estrangeiro em carteira” (IEC) correspondeu uma elevação brutal dos registros de suposto “investimento direto estrangeiro” (IDE): em janeiro, entraram US$ 3,375 bilhões em IEC e US$ 2,956 bilhões em IDE. No mês seguinte, o IEC caiu para US$ 1,106 bilhão, mas o IDE saltou para US$ 7,727 bilhões.

Em março, o IEC continuou mais ou menos no mesmo patamar (US$ 1,387 bilhão) e o IDE foi de US$ 6,791 bilhões. Em abril, além do IEC ter dobrado (US$ 2,769 bilhões), o IDE foi de US$ 5,512 bilhões.

O IDE não é nenhuma benção para o país. Mas a especulação financeira e a fraude, também não. Enquanto o Ministério da Fazenda comemorava a queda pela metade do “investimento estrangeiro em carteira” nos quatro primeiros meses do ano, comparado ao mesmo período de 2010 (US$ 8,637 bilhões contra US$ 16,625 bilhões), o “investimento direto estrangeiro” praticamente triplicava às custas de dinheiro especulativo de curto prazo, passando de US$ 7,887 bilhões (2010) para US$ 22,986 bilhões.

Certamente, é justo taxar o capital especulativo – porém, isso não pode ser uma forma de não fazer o que realmente tem de ser feito, ou de elogiar a fechadura para deixar a porta aberta aos ladrões.

Até agora, como remédio único e miraculoso, o efeito que o IOF surtiu foi essa fraude – sem que o ministro se incomode em acabar com ela e puni-la. Naturalmente, se o fizer, não poderá encenar que suas medidas estão “surtindo efeito”.

Até abril, com os empréstimos – que abordaremos à frente – entraram neste ano US$ 53,627 bilhões. O câmbio, com essa invasão de dólares, torna-se uma roleta viciada, sempre hipervalorizando o real, isto é, encarecendo as mercadorias fabricadas dentro do país e barateando as importações. Daí o aumento do déficit externo para US$ 18,119 bilhões em quatro meses, com uma projeção, até o fim do ano, de US$ 60 bilhões, superando o maior já registrado, o do ano passado (US$ 47,518 bilhões).

Como diz um “homem do mercado”, o sr. Horácio Mendonça Neto, ex-superintendente geral da Bovespa, “criou-se uma atratividade ímpar para aplicar em títulos brasileiros. Aos juros estratosféricos, soma-se a valorização cambial. E está mais do que provado que as medidas do governo não estão surtindo efeito. Não há, no Brasil, nenhuma carência, é livre o fluxo de capitais. A questão é saber a quem interessa o atual estado de coisas e tem poder político para mantê-lo” (MM, 01/04/2011).

Essa questão não é difícil de perceber. A “valorização cambial” é uma função dos “juros estratosféricos”, que atraem torrentes de dólares para dentro do país.

O atual estado de coisas interessa fundamentalmente à casta financeira dos EUA, atolada numa crise que se aprofunda, agredindo, por via da superemissão de dólares, os outros países para saqueá-los.

Os empréstimos (“outros investimentos estrangeiros”) já ascendem neste ano a US$ 20,004 bilhões líquidos – i.é, descontadas as amortizações. Em março, quando o diretor da Nomura publicou o seu artigo, esse endividamento já estava em US$ 160,3 bilhões (cf. Tony Volpe, art. cit.).

Provavelmente, é outra consequência do diferencial de juros: assim como os especuladores externos são atraídos para cá, empresas daqui preferem fazer empréstimos no exterior do que pagar os infernais juros internos. Até porque também podem especular com o dinheiro desses empréstimos externos, aplicando em títulos, e obter assim um polpudo ganho.

Esses empréstimos já atingem um valor que é quase metade do que foi tomado durante todo o ano passado (US$ 49,166 bilhões). O problema é quando os juros externos aumentam – ou quando o câmbio estoura: no governo Fernando Henrique, até a Globo e a Abril, endividadas em dólar, estiveram à beira da falência quando o sr. Gustavo Franco levou o país à breca (escaparam por pouco, vendendo ativos, inclusive, ilegalmente, a Net para a Telmex/AT&T e a TVA para a Telefónica).

No evento do FMI, segundo o press release do Ministério da Fazenda, o sr. Mantega destacou que suas formidáveis medidas “não prejudicaram os investimentos produtivos de longo prazo e também não afetaram a credibilidade da política econômica”. A primeira asserção é bobagem, porque, no Brasil, quem banca os “investimentos produtivos de longo prazo” é o BNDES, e não o dinheiro estrangeiro. Quanto à segunda, sua prova de credibilidade é a “melhoria da classificação de risco concedida para o Brasil pelas principais agências de rating”.

Se, depois de tudo o que aconteceu nos últimos anos, o ministro da Fazenda do Brasil ainda acredita que essas agências provam outra coisa além de que sua política está favorecendo a pilhagem do país, só resta apelar a Deus - e à presidente Dilma.

CARLOS LOPES 

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