quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Proposta de orçamento de Obama congela os pobres

AMY GOODMAN*

Na semana passada, o presidente Barack Obama tornou público seu orçamento para 2012 e, orgulhoso, pronunciou as seguintes palavras: “Pedi que se congelasse o gasto interno anual nos próximos cinco anos. Este congelamento reduzirá o déficit em mais de 400 bilhões durante a próxima década e levará este tipo de gasto ao menor nível de nossa economia desde a presidência de Dwight Eisenhower”.

Prestem atenção à palavra “congelar”. Isso é precisamente o que pode acontecer a muita gente se este orçamento for aprovado tal como foi proposto. Enquanto o gasto com defesa aumenta, uma vez que o Pentágono realizará seu maior pedido de financiamento desde a Segunda Guerra Mundial, o orçamento propõe cortar a metade do programa denominado Programa de Assistência Energética para Lares de Baixa Renda (LIHEAP, em sua sigla em inglês).

O programa LIHEAP oferece fundos federais aos estados para que estes possam ajudar economicamente a lares de baixa renda e assim satisfazer suas necessidades energéticas, principalmente calefação. A maioria dos beneficiários deste programa são pessoas da terceira idade ou portadores de necessidades especiais. O programa tem atualmente um financiamento de 5 bilhões de dólares e Obama quer reduzi-lo para 2,57 bilhões – quase a metade. Este é um programa de vida ou morte porque literalmente pode evitar que as pessoas morram de frio e representa menos da décima parte do 1% do orçamento anual de 3,7 trilhões de dólares que foi apresentado.

Comparemos esta cifra com o orçamento militar apresentado. “Gasto de defesa” é uma denominação incorreta. Até 1947-48, o nome oficial do Pentágono era (corretamente) Departamento da Guerra. No orçamento divulgado no Dia de São Valentim, o Departamento de Defesa solicita 553 bilhões de dólares como orçamento base, mais um aumento de 22 bilhões relativo a um adicional orçamentário de 2010. A Casa Branca solicitou o que denomina “78 bilhões” em cortes, que o Secretário da Defesa, Robert Gates, está considerando. Mas como assinala o Institute for Policy Studies: “O Departamento de Defesa fala de cortar seu próprio orçamento – 78 bilhões em cinco anos – e a maioria dos meios de comunicação toma isso ao pé da letra, quando não deviam fazê-lo. O Pentágono segue com o costume de planificar aumentos ambiciosos, para logo baixá-los e chamar isso de corte”.

O orçamento de 553 bilhões de dólares do Pentágono sequer inclui os gastos de guerra. Para mérito de Obama, os mesmos estão de fato no orçamento. Lembrem quando o presidente George W. Bush se referiu várias vezes aos gastos como necessidades de “emergência” e pressionou o Congresso para que aprovasse fundos complementares por fora do processo orçamentário habitual. No entanto, o governo de Obama deu às guerras do Iraque, Afeganistão e Paquistão o apelido orwelliano de “operações de contingência no exterior”, solicitando para tanto 118 bilhões de dólares. Se somamos isso aos 55 bilhões para o Programa Nacional de Inteligência (um ponto do orçamento cuja quantidade nunca antes havia sido revelada, segundo o especialista do governo em assuntos secretos Steven Aftergood), o orçamento militar/e de inteligência anunciado publicamente estaria na ordem dos três quartos de trilhão de dólares.

O orçamento de 216 páginas apresentado por Obama não menciona uma única vez o Pentágono. No entanto, menciona o nome do presidente Eisenhower. Em duas oportunidades, atribui a Eisenhower a criação do sistema nacional de autoestradas entre os estados e, como já foi mencionado, faz alarde em torno da proposta de congelar o gasto. “Esse congelamento seria o maior esforço destinado a restringir o gasto dos últimos 30 anos, e para 2015 diminuiria os fundos para gastos não relacionados com a segurança como parte da economia, o nível mais baixo desde que Dwight Eisenhower foi presidente”.

Se Obama vai se referir a seu predecessor, deveria aprender com a advertência profética de Eisenhower, pronunciada em seu discurso de despedida de 1961: “Fomos obrigados a criar uma indústria armamentista permanente de enormes proporções. Três milhões e meio de homens e mulheres participam diretamente do estabelecimento da defesa. A influência total – econômica, política e inclusive espiritual – se sente em cada cidade, em cada capitólio estadual, em cada escritório do governo federal. Reconhecemos a necessidade fundamental deste desenvolvimento.

No entanto, devemos entender suas graves repercussões. Nos conselhos do governo devemos tratar de evitar que o complexo militar-industrial adquira influência injustificada, seja ela buscada ou não. Existe e seguirá existindo potencial para que haja um aumento desastroso do poder em mãos inadequadas”.

Outro discurso de Eisenhower que deveria orientar Obama foi pronunciado em abril de 1953, na Sociedade Estadunidense de Diretores de Jornais, apenas duas semanas depois dele assumir como presidente. Neste discurso, o general tornado presidente disse: “Cada arma que se fabrica, cada barco de guerra que se lança na água, cada foguete que se dispara significa em última instância um roubo àqueles que padecem de fome e não tem alimento; àqueles que têm frio e não tem abrigo”.

Estamos vivendo um dos invernos mais frios da história nos EUA. Uma em cada oito pessoas nos EUA usa cupões de alimentação, o que representa a maior porcentagem da história. Muitos outros também carecem de assistência de saúde, apesar dos benefícios iniciais da lei da reforma do sistema de saúde aprovada no ano passado. Os estadunidenses têm frio, fome e estão desempregados. Ao aumentar o gasto militar, que já é superior a todos os orçamentos militares do mundo tomados em seu conjunto, simplesmente estamos levando esse sofrimento ao exterior. Devíamos ter claro quais são as nossas prioridades.

(*) É jornalista da Democracy Now, nos EUA. Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
hp

Nenhum comentário: