quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

EUA: Wisconsin rebela-se contra
ataque neoliberal a servidor público

A tentativa extremada do governador republicano, Scott Walker, de cassar até o direito à negociação coletiva, em vigor há 50 anos, desencadeou a maior mobilização popular da história da capital, Madison 
O estado de Wisconsin vive um levante sem precedentes contra a tentativa do governador republicano, Scott Walker, em agravar o arrocho sobre os servidores públicos, até o extremo de cassar o direito à negociação coletiva em vigor há 50 anos. Wisconsin, com 200 mil servidores públicos estaduais e municipais, é também o estado-berço da entidade nacional do funcionalismo, a AFSCM (American Federation of State and County Municipal Employees).

Segundo Walker, conhecido por suas ligações com os biliardários - e arqui-reacionários - irmãos Koch, tal assalto seria inadiável para deter o déficit nas contas públicas. Mas o tiro saiu pela culatra. A manobra desencadeou a maior mobilização popular da história da capital, Madison – maior até mesmo do que manifestações nos anos 60 contra a guerra do Vietnã, segundo o ex-prefeito Paul Soglin.

Os protestos, que começaram no dia 14, continuam até agora, e inclusive desencadearam o movimento em outros estados – Ohio, Indiana e Idaho (veja matéria abaixo). Sucessivas manifestações reuniram dezenas de milhares e, no sábado (20), 80 a 100 mil pessoas cercaram o capitólio estadual. O prédio já estava ocupado por centenas de manifestantes que impediam a votação. Os servidores públicos receberam a solidariedade dos estudantes, secundaristas e universitários, e também de metalúrgicos e outras categorias de trabalhadores do setor privado.

O colunista da revista “The Nation”, John Nichols, comparou o levante ao de Seattle, contra a cúpula da Organização Mundial do Comércio, em 1999. “É como se o Cairo tivesse se mudado para Madison”, atrapalhou-se o deputado republicano Paul Ryan. Analogia que mereceu a anuência dos manifestantes, que chamavam o governador Walker durante a principal mobilização, a do sábado, de o “Mubarak do Meio-Oeste”.

Com controle em ambas as casas do parlamento e a grita contra o déficit que domina a mídia, deve ter parecido a Walker muito simples revogar em cinco dias uma lei de 50 anos, por meio de um apêndice a uma lei de complementação orçamentária. Para facilitar, o governador ainda buscou dividir os servidores públicos, excluindo policiais e bombeiros.

Não adiantou: policiais e bombeiros se mantiveram unidos com o conjunto dos servidores estaduais. Muitos foram às manifestações trajando uniforme; 50 deles dormiram no prédio do capitólio ocupado. Como salientou o presidente da Associação Profissional dos Bombeiros de Wisconsin, Mahlon Mitchell, “nós temos agora um incêndio na casa do trabalho, há um incêndio na nossa casa e nós vamos apagar esse incêndio”. “O assalto a um é um assalto a todos”, acrescentou o oficial.

A primeira batalha no parlamento foi na Comissão de Finanças da câmara estadual, em que os manifestantes impediram durante 48 horas que se encerrasse a fase de audiência pública. “Queremos falar”, exigiam. Quando a votação se deslocou para o senado estadual, os democratas – agora chamados de os “14 de Wisconsin” - evitaram que houvesse quorum por meio de um expediente simples e eficaz. Saíram do estado. Walker ainda chegou a mandar a polícia até a casa de um senador para buscá-lo. Também ameaçou lançar a Guarda Nacional contra os grevistas.


“MUBARAK DO MEIO-OESTE”

Às vésperas da votação decisiva no senado estadual, o governador Walker tentou ignorar os protestos, dizendo à CNN ter recebido 19 mil e-mails da “maioria silenciosa”. Provocação que só serviu para reforçar a convocação. O presidente da associação dos bombeiros, Mitchell, ironizou Walker e seus e-mails, e disse à multidão: “acho que há 19 mil pessoas atrás de mim”. “E 20 mil lá”, apontando para outro extremo. “E mais 20 mil ali”.

Finalmente, saudou os 20 mil estudantes que se estendiam do capitólio ao campus da Universidade de Wisconsin. Meia dúzia de gatos pingados do “Tea Party” se esticavam nas canelas, nas imediações, imbuídos de súbita moderação.

Antes de a mobilização tomar o atual vulto, os sindicatos de servidores tentaram apaziguar o governador Walker, admitindo os descontos adicionais nas pensões e seguro-saúde, desde que mantidos os direitos de negociação coletiva. De acordo com o Bureau Fiscal de Wisconsin, até janeiro havia um superávit de US$ 123 milhões previsto para o ano, que se transformou em déficit de US$ 137 milhões, após o republicano assumir e agraciar ricos e corporações com novos cortes de impostos.

ANTONIO PIMENTA

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