terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Mínimo de 580 é crescimento e tabela do IR corrigida é justiça

Barganha de um por outro é coisa de quem não aceita que o nosso país se desenvolva

O boato – não podemos, até agora, chamá-lo por outro nome – de que o governo proporia às centrais sindicais a troca do aumento real do salário mínimo pela correção da tabela do Imposto de Renda soa mais ou menos como barganhar o preço do abacaxi por um aumento na produção de velocípedes. Como disse o diretor de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional, Luiz Antônio Benedito, “você não pode cobrar do mínimo a diferença do IR. Quem ganha o mínimo não paga IR”.

Realmente, os 47 milhões que recebem o mínimo não pagam IR e os 24 milhões que pagam IR não recebem salário mínimo. Que lógica tem trocar o sacrifício dos primeiros pela correção de uma injustiça contra os últimos? Só se fosse para que aqueles que ganham menos se sentissem furiosos com os que ganham mais. Ou para que todos se sentissem furiosos com o governo – uns por não receberam aumento real, os outros por levar a pecha de achacadores dos primeiros.

Por isso mesmo é que não acreditamos que Dilma tenha nada a ver com isso – até porque a sua inteligência sempre foi indiscutível, em tudo o que fez e faz.

UDN

O aumento real do salário mínimo é uma questão que diz respeito ao crescimento (ou seja, ao mercado interno e sua expansão) e à erradicação da miséria (isto é, à distribuição de renda). É preciso ser um cabeça de bagre para ver no aumento do salário mínimo apenas os “custos fiscais” (aliás, hipertrofiados para efeito de propaganda), esquecendo, além do crescimento da arrecadação, o próprio aumento de vendas dentro do país – portanto, o efeito sobre o comércio, indústria e agricultura.

No entanto, há certas colocações que fazem lembrar a UDN da década de 50, com seu terrorismo sobre a quebra das empresas se o salário mínimo aumentasse. Mas, pelo menos, naquela época discutia-se um aumento de 100% do salário mínimo. Agora, a discussão é em torno de 13,7% de aumento – de R$ 510 para R$ 580. Espantoso é que a conversa seja quase a mesma, só que dessa vez quem vai quebrar é o Estado, devido às contas da Previdência – que, já demonstramos, nós e outros, são perfeitamente sustentáveis com o aumento para R$ 580. A Seguridade Social ainda vai continuar superavitária.

Portanto, o motivo da campanha de hoje é o mesmo da campanha de ontem: segurar o crescimento do país. Que o “Estadão” e “O Globo” ataquem as centrais sindicais por reivindicarem esse aumento real, compreende-se: trata-se de duas confrarias de carcomidos, para as quais o Brasil é um país de botocudos, negros, mulatos e pobres que não pode crescer, que não tem esse direito, que isso é coisa para os brancos dos EUA ou da Inglaterra – apesar de ambos, hoje, só crescerem ao estilo rabo de cabra.

Os demais salários não estão vinculados ao salário mínimo, mas este é o piso salarial do país. Não é um acaso que, com o aumento real do salário mínimo nos últimos anos, cresceram os acordos salariais que obtiveram aumentos reais: em 2008, das negociações coletivas, 87% obtiveram aumento real; em 2009, 93%; e, em 2010, 97% (Dieese, janeiro/2011).

A não recuperação do salário mínimo significa estabelecer um piso rebaixado – ou achatado - para os outros salários. Isto, lembramos mais uma vez, nada tem a ver com indexação dos salários ao mínimo – é apenas um resultado inevitável da dinâmica da economia.

Os salários constituem a maior parte do mercado interno – diretamente, no que se refere aos bens de consumo, indiretamente, em relação aos bens de capital, às máquinas e equipamentos, isto é, aos investimentos. Ninguém faz investimentos se não existirem consumidores, se não existir mercado, se não existir gente com dinheiro para comprar os produtos da indústria. O aumento do investimento, nos últimos anos, tem se mantido acima do aumento do consumo – mas apenas porque o último tem sido sólido e persistente. Sobre a importância do mercado interno, basta o que afirmou, com precisão, a própria Dilma: “No curto prazo, não contaremos com a pujança das economias desenvolvidas para impulsionar nosso crescimento. Por isso, se tornam ainda mais importantes nossas próprias políticas, nosso próprio mercado, nossa própria poupança e nossas próprias decisões econômicas”.

Travar o salário mínimo, negando a ele um aumento real, é travar a expansão da poupança e do mercado interno - e, por consequência, os investimentos, cuja taxa ainda é baixa (19% do PIB - em 1989, antes da devastação neoliberal, ela estava em 26,9%; para comparação, a taxa de investimento atual da China é 46% do PIB, o que, além de livrá-la da crise, tornou embalde todas as previsões, há mais de 10 anos, de que esse país iria baixar o seu crescimento).

Esse é o caso do salário mínimo.

Já o caso da tabela de Imposto de Renda (IR), como disse o presidente da CUT, Artur Henrique da Silva Santos, pertence ao ramo criminal da “apropriação indébita”. Portanto, não é algo que se possa barganhar com nada – é algo que necessita, apenas, e tão somente, ser corrigido, pois é uma ilegalidade.

Se a tabela de desconto do IR não é corrigida pela inflação, para pagar a mesma alíquota é preciso uma parcela maior do salário de quem desconta. Portanto, as categorias que tiveram aumento real vêm boa parte desse aumento anulado por um desconto ilegal de IR. Em suma, é um confisco do salário daqueles que ganham um pouco mais.

A tabela já devia ter sido corrigida há muito – e o fato do ministro da Fazenda, a quem é subordinada a Receita, não ter tomado nenhuma providência até agora para resolver definitivamente esse problema é, como se dizia, o fim da picada. Infelizmente, nos últimos tempos o ministro Mantega parece mais preocupado em baixar salários reais e conter o crescimento do que em corrigir injustiças.

A ditadura, que era portadora de uma sensibilidade que rivalizava com a do Cacareco, ilustre rinoceronte do zoológico paulista, sempre corrigiu automaticamente essa tabela. O que, aliás, é óbvio – não pode haver aumento de impostos sem que haja lei determinando esse aumento. A autoridade pública não pode confiscar salários por meio de um golpe na praça.

PAUTA

Somente um governo como o de Fernando Henrique foi capaz de não corrigir a tabela, roubando o salário de profissionais liberais e operários especializados, enquanto concedia dinheiro a rodo para assaltantes de estatais. Hoje, mesmo com as correções efetuadas pelo governo Lula, a tabela ainda está defasada, desde o governo Fernando Henrique, em 64,88% em relação à inflação.
 
Essa correção da tabela do IR nem deveria ser pauta das centrais sindicais. O Ministério da Fazenda deveria corrigi-la, ou sugerir a correção à Presidência da República, sem que os trabalhadores tivessem que fazer um movimento contra o confisco. Argumentações de que o governo deixará de arrecadar mais de R$ 5 bilhões se a tabela for corrigida (não integralmente, mas apenas com a inflação de 2010) não são procedentes: esse dinheiro não faz parte da arrecadação, mas do salário dos contribuintes.

Agora, que expusemos os dois casos, imagine o leitor que coisa esquisita: quem – ou qual central – aceitaria desistir do aumento real do salário mínimo, prejudicando quase 50 milhões de trabalhadores e suas famílias, sem falar naqueles que ganham mais do que um salário mínimo, e que teriam o piso salarial do país rebaixado, por algo em que o governo tem obrigação de corrigir – aliás, já deveria ter corrigido - e não tem como deixar de corrigir?

E quem proporia tal troca, além do “Estadão”, “O Globo” e outros pervertidos senhores de escravos?
CARLOS LOPES

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