sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Equilíbrio das contas externas demanda a redução dos juros

Importações aumentaram 41,6% em 2010 e saldo caiu 19,8% em relação ao ano anterior

A economista Maria da Conceição Tavares, em entrevista para o livro que o IPEA editou em sua homenagem, declarou que a grande preocupação “macro-econômica” é o balanço de pagamentos - isto é, as contas externas.

Como já observamos aqui, o quadro é preocupante, mais ainda com os últimos resultados do comércio exterior. Pensar que o déficit externo pode ser eternamente coberto pela entrada de dinheiro estrangeiro, sobretudo especulativo, é coisa de cabeças de alfinete como o evaporado sr. Gustavo Franco, pois significaria conduzir o país para o atoleiro do endividamento, ou, como diz a veterana economista, “o balanço de pagamentos não aguenta toda a vida com entrada de capitais. Nós temos 200 e tantos bilhões de reservas que se comem em algumas semanas se houver outra crise ou agravamento desta”.

Mas há quem pregue que a solução para o problema é aumentar mais os juros. Não que isso seja formulado assim – mas, certamente, não é para combater a inflação que se fala em aumento de juros, pois a única inflação significativa no momento é a resultante da especulação com commodities na Bolsa de Chicago (sem qualquer alteração na oferta ou na procura dos alimentos, seus preços, que estavam caindo nesta Bolsa desde o início de outubro, de repente aumentaram em média 16%, de 22 de novembro de 2010 a 12 de janeiro de 2011 – cf. Commodity Research Bureau, BLS Foodstuffs Index, 12/01/2011).

Uma vez que os juros no Brasil não têm influência alguma em Chicago, não é por causa da inflação que alguns vaticinam - e só vaticinam porque desejam - um aumento de juros de 10,75% para 12,50% neste ano, como está no último Boletim Focus do Banco Central.

Porém, a ideia de que, para segurar o estouro das contas externas, é preciso frear o crescimento através de um aumento de juros, parece formulada em algum Juqueri econômico. Em suma, como a desnacionalização da economia faz com que as importações aumentem com o crescimento – pois as filiais de multinacionais são importadoras de insumos e componentes – e faz com que as remessas de lucros dessas filiais para suas matrizes também aumentem, desequilibrando as contas externas, a solução seria... travar o crescimento. Assim, as filiais de multinacionais importariam menos e remeteriam menos para suas matrizes, pois, com a queda nos lucros, teriam menos lucros para remeter... Em síntese, a solução para o problema do balanço de pagamentos seria se render aos obstáculos ao crescimento, ao invés de superá-los, e conformar-se com uma economia modorrenta e mortiça, de medíocres empregos, medíocres salários, medíocre tecnologia, medíocre mercado interno e medíocre participação das empresas nacionais.

Se isso fosse solução, dentro em breve teríamos uma economia extrativista, exportando minérios, ou, no máximo, produtos agrícolas – e importando produtos industriais ou componentes para que as filiais de multinacionais montassem alguns aqui dentro.

E, no entanto, isso tornaria pior a situação das contas externas. A questão, exatamente, é que um aumento de juros iria levar à exacerbação de todas as dificuldades atuais – inclusive das contas externas.

Como lembrou na última terça-feira o professor Yoshiaki Nakano, com a elevação dos juros, “a taxa de câmbio se apreciará ainda mais (…). O câmbio apreciado reduzirá o preço dos importados (…), no médio prazo o déficit em transações correntes se tornará insustentável, desencadeando uma crise cambial e de balanço de pagamentos com inflação explosiva. Com juros mais altos, a taxa de investimento será reduzida e com isso o produto potencial crescerá menos, anulando seus efeitos anti-inflacionários, e a taxa de crescimento voltará aos níveis pré-Lula, fato que certamente não será aceito pelo eleitorado brasileiro” (Valor Econômico, 11/01/2011).

Em suma, aumentar os juros – quando eles já têm o maior diferencial do mundo em relação aos EUA e demais países centrais - além de causar desemprego e frear o crescimento, somente serviria para piorar a situação das contas externas – e cavar, a médio prazo, um buraco negro inflacionário.

Numa situação em que, depois dos trilhões de dólares emitidos pelos EUA, o meio econômico externo parece um açude cheio de notas verdes sem lastro, prontas para inundar e assaltar países onde os juros são maiores que nos EUA – e não há, no momento, nenhum país do mundo em que os juros reais sejam tão altos quanto os nossos – pode-se imaginar o que um aumento dos juros causaria no câmbio. Aliás, nem é necessário imaginar: já estamos passando por isso.

Pelo contrário, precisamos baixar os juros. Evidentemente, isso não resolve todos os problemas. Mas, sem isso, é impossível resolvê-los. Sobretudo quando temos um regime cambial em que só os especuladores flutuam.

Realmente, o aumento extraordinário das importações e das remessas de lucros para o exterior desequilibram as contas externas. No momento atual é impossível que isso seja compensado por um aumento no saldo comercial – em 2010 ele foi 19,8% abaixo do que tinha sido em 2009, e o governo prevê que neste ano será a metade do que foi em 2010.

Isto se dá, obviamente, pela intensa desnacionalização da economia: em 2010, 46% das importações – que aumentaram 41,6% - foram de insumos e bens intermediários (ou seja, componentes para a indústria, sobretudo para as filiais de multinacionais).

A solução não pode ser outra, senão uma substituição interna dessas importações pela fabricação nacional – e, de forma geral, uma maior parcela da economia ocupada por empresas nacionais, pois estas não enviam lucros para o exterior. Uma política desse tipo – com financiamentos públicos e encomendas públicas preferenciais para as empresas nacionais – não demora muito tempo para fazer efeito, nem é difícil de aplicar, como já foi demonstrado em outras épocas. Evidentemente, teríamos que tomar as providências para expandir o mercado interno (portanto, aumentar o poder aquisitivo da população) e barrar a invasão predatória de dólares.

No momento, a situação é tão favorável para isso que até o Global Economy Meeting (GEM) – o forum mundial dos presidentes de banco central, que se reuniu em Basileia, na sede do BIS (o chamado banco central dos bancos centrais) - apoiou, no último dia 10, o controle dos países sobre a entrada de capital estrangeiro.

No entanto, a solução dos que pregam o aumento de juros é travar o crescimento.

A irracionalidade da suposta solução somente expõe a irracionalidade do que nos conduziu à situação atual: a chamada “inter-nacionalização da cadeia produtiva”, obra tucana a partir de 1995, não resolveu problema algum do país – e criou vários, agudos e dramáticos. Dizer que a desnacionalização “dos elos da cadeia produtiva” (isto é, a dependência de importações) é estrutural, como disse o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, somente pode ter o significado de que precisamos mudar essa estrutura.

Caso contrário, para usar uma daquelas expressões norte-americanas que certos economistas gostam de repetir, viveremos de “stop-and-go” em “stop-and-go”, isto é, de crescimentos que, no máximo, se assemelham a voos de galinha - com mais “stop” do que “go”.

CARLOS LOPES

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