sábado, 18 de dezembro de 2010

Mantega postula privatizar e desnacionalizar investimento 


Além de não enfrentar o câmbio e os juros altos, diminui o papel do BNDES no desenvolvimento 

O mais estranho nas medidas anunciadas quarta-feira pelo mi-
nistro da Fazenda, Guido Mantega, é que nenhuma delas enfrenta problema algum do país. Aliás, até agravam alguns. Apesar dos 80 anos que o país tem de experiência nesse terreno, o ministro acredita que privatizar o financiamento ao investimento, isto é, diminuir o peso do BNDES, faria aumentar a taxa de investimento de economia.

Mas como as empresas obteriam dinheiro para investir? Ora, recorreriam a um mítico “mercado de capitais”. Seria um caso único no mundo, em que a especulação financiaria a produção, ao invés de tirar dinheiro dela e do crescimento. E, se o ministro aderiu à tese de que a solução para financiar o investimento é o açambarcamento das empresas pelos bancos, isto é, a constituição de monopólios financeiro-industriais, deveria olhar para a situação a que essa subordinação da produção à especulação levou, por exemplo, as empresas dos EUA, que - por existirem em função da especulação, e ter a sua dinâmica determinada por esta - só não afundaram no brejo da crise porque o Estado colocou, sem retorno à vista, pelo menos US$ 650 bilhões nelas, provavelmente muito mais.

O ministro também poderia ler algo que toca nesses assuntos, por exemplo, “Acumulação Monopolista e Crises no Brasil”, escrito, lá pelos idos de 1979, por um certo Guido Mantega (em parceria com Maria Moraes). A propósito, a conclusão desse livro é que a origem das crises econômicas no Brasil é “a impossibilidade do crescimento pela grande transferência de nossos lucros para a economia mundial”. Na época, as remessas ao exterior estavam em US$ 7,8 bilhões por ano. Hoje, em 10 meses, foram US$ 55,7 bilhões. No entanto, o ministro não acha mais que isso é um problema para o crescimento. Mas só acha isso porque não quer enfrentar o problema verdadeiro da economia.

Há um consenso de que somos saqueados por via cambial, com a permissividade dos altíssimos juros, e desequilíbrio nas contas externas. Das centrais sindicais até a Fiesp, do sr. Yoshiaki Nakano até nós, concordam todos que é impossível continuar com juros vertiginosos, moeda hipervalorizada e importacionismo desvairado – sobretudo quando os EUA, para tentar uma saída da crise às custas dos outros, invadiram o mundo, oficialmente, com US$ 3,3 trilhões na primeira superemissão de sua guerra cambial, e, agora, com mais US$ 600 bilhões, ameaçando chegar a mais US$ 1 trilhão.

Alguma das medidas anunciadas pelo ministro pretende enfrentar essa situação? Infelizmente, nenhuma. Sobre o câmbio, o futuro secretário-executivo da Fazenda, Nelson Barbosa, esclareceu: o impacto dessas medidas é nulo.

Também não vai melhorar a economia – muito menos as condições do Estado para promover o desenvolvimento - conceder isenção completa de Imposto de Renda (IR) aos “investidores estrangeiros sobre os rendimentos de debêntures voltadas para projetos de infraestrutura”, inclusive quando forem “aplicação via fundo de investimento”, isto é, aplicação especulativa - pois o que se chama “fundo de investimento” nada tem a ver com investimento verdadeiro. Da mesma forma, a “eliminação do IOF de até 30 dias sobre compra e venda de títulos privados” ou a redução do mesmo imposto – de 6% para 2% - sobre o capital estrangeiro que entrar para determinados fundos.

Disse o ministro que pretende criar um “mercado de debêntures” para que o financiamento ao investimento seja privado. “Debêntures” são títulos de dívida, isto é, papéis emitidos por uma empresa ao contrair um empréstimo, com determinada taxa de juros. A diferença essencial entre uma debênture e um título de dívida ordinário (o chamado “papagaio”) é o direito do seu detentor de transformar as debêntures em ações da empresa que emitiu-as. Um “mercado de debêntures” é um mercado de títulos de dívida – em suma, especulação com esses títulos de dívida, pois todo mercado de dívidas é especulativo. Em suma, o plano de Mantega é que as empresas obtenham dinheiro para investimentos pela especulação, mais precisamente, se submetendo à especulação.

Como isso é impossível – por isso é que o BNDES existe – Mantega descobriu uma solução: recorrer aos dólares que estão pilhando o país. Pelo seu pacote, as empresas nacionais que comprarem debêntures de outra pagarão 15% de IR, mas os “investidores estrangeiros” pagarão zero. Portanto, a solução do ministro para privatizar o financiamento ao investimento é desnacionalizá-lo. Em vez das empresas tomarem emprestado do BNDES, passariam a tomar emprestado aos especuladores, quer dizer, investidores estrangeiros. Ao cabo, e até porque se trata de títulos conversíveis em ações, isso significa desnacionalizar as próprias empresas - como se fosse pouco os US$ 390 bilhões que, de 1995 a outubro último, entraram no país para comprar empresas nacionais, com a ampliação colossal da “grande transferência de nossos lucros para a economia mundial” de que Mantega falava há três décadas.

Ninguém garante, com os juros atuais, que os especuladores acharão atraente essa cenoura. Na quarta-feira, o sr. Luciano Coutinho, presidente do BNDES, lembrou, ainda que pouco enfático, que nada disso vai dar certo se os juros não caírem.

E, se desse certo, também não daria certo: teríamos mais desnacionalização, mais dólares entrando e jogando para cima a cotação do real, tornando mais caros os produtos internos e mais baratos os importados, mais remessas de lucros e menos controle ainda sobre a economia do país. O sr. Mantega não parece achar ruim que a infraestrutura do país seja desnacionalizada. Os americanos, que nunca permitiram qualquer desnacionalização da sua, devem ser malucos.

No entanto, o mais preocupante – porque desastrosa – é a ideia de Mantega de que para aumentar o financiamento privado ao investimento é necessário diminuir o financiamento público.

Em qualquer lugar do mundo – e no Brasil já vimos isso inúmeras vezes – onde existem bancos públicos, seu financiamento ao investimento das empresas, ao aumentar os lucros, permite que as empresas privadas aumentem o seu próprio financiamento ao investimento, isto é, o seu reinvestimento.

Porém, Mantega descobriu que o financiamento do BNDES inibe o financiamento privado. A ideia não é nova – foi expressa pelo arqueológico Eugenio Gudin. Para ele, todo empresário nacional do setor industrial era um parasita e qualquer indústria nacional era artificial, só existindo porque tomava emprestado dinheiro público. O fato dos empresários pagarem os juros e a amortização desses empréstimos, não comovia Gudin. Ele sempre achou que o Estado devia tomar emprestado aos bancos externos, jamais emprestar aos empresários – isto é, aos empresários brasileiros.

Não esperávamos que Mantega exumasse um pedaço dessa múmia, ao dizer que é preciso diminuir os repasses do Tesouro ao BNDES porque “com menor quantidade de recursos do Tesouro, o BNDES terá que ir mais ao mercado” - e o próprio BNDES anunciou que “investirá” R$ 10 bilhões nas debêntures que serão lançadas pelas empresas.

Ou seja, a garantia do “mercado de debêntures” é o BNDES. Em vez de financiar diretamente os investimentos das empresas, passaria a comprar debêntures – e a lançar “letras”, isto é, títulos para captar dinheiro no mercado financeiro.

Qual a vantagem de lançar o BNDES na especulação? Qual o problema do BNDES receber repasses do Tesouro para financiar, com bom retorno, o investimento das empresas? Só os bancos privados é que devem receber repasses do Tesouro, sem retorno, sob a forma de pagamento de juros? Qual a vantagem?

A vantagem é diminuir a ação do Estado para aumentar o investimento e promover o crescimento, deixar as empresas nacionais ainda mais a mercê do capital estrangeiro - e piorar as contas externas.

CARLOS LOPES

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