terça-feira, 30 de novembro de 2010

‘Tropa de Elite’ em maus lençóis
 
“Tropa de Elite 2”, do diretor José Padilha, lançado em outubro, segue o mesmo estilo do anterior, exibido em 2007. A diferença é que neste último o protagonista, “Capitão Nascimento” (Wagner Moura), agora promovido a coronel, estende seus “métodos” de ação na direção dos “políticos” e do “sistema”, que ele considera os seus “verdadeiros inimigos”. Se já era tenebroso o culto à violência e à tortura no “Tropa 1”, imaginem o que se pretende agora com a aplicação dessa visão à luta política na sociedade.

É sintomática a euforia de certa mídia - capitaneada por Veja & Cia - com as soluções simplistas e tacanhas aplicadas pelo zeloso Coronel Nascimento – compreensíveis, vindas de um policial - para fazer frente aos graves conflitos sociais e políticos do país. A sua promoção a "primeiro Super Herói” brasileiro pela revista dos Civita, em homenagem ao espancamento até quase à morte do secretário de segurança, é bem revelador da visão rasteira e de que tipo de clima esses setores retrógrados querem criar no país.

A verdade é que foi o primado do Estado mínimo - que atingiu o auge na administração tucana - o responsável por atear fogo à sociedade brasileira. Foi essa política que agravou a humilhação social e fez crescer o número de favelas e de miseráveis. O endeusamento por longo tempo deste modelo que promovia a ganância, o parasitismo, a busca frenética por super-lucros e o assalto ao patrimônio público, só podia desembocar no crescimento brutal da pobreza e aumento da violência.

A submissão aos interesses externos levou o país à falência, à quebradeira geral, à explosão do desemprego, à intensificação do arrocho sobre o povo. O resultado não podia ser outro. A miséria, as drogas e a violência se espalharam feito rastilho por todo o país, particularmente no Rio de Janeiro. E com elas, milhares, talvez milhões, de pessoas foram jogadas à própria sorte, sem perspectivas e sem futuro. O tráfico passou a recrutar no atacado.

A visão política do “Capitão” e “Coronel” Nascimento para o enfrentamento desses problemas nada acrescentou de novo para solucionar a situação. Serviu apenas para agradar a uma elite empedernida e sectária que teima em jogar a culpa por seus ressentimentos e frustrações sobre os trabalhadores, os nordestinos e os favelados. Essa ideologia reacionária, que confunde erradicar a pobreza com exterminar os pobres, fortemente presente no enredo de Padilha, não é nova, já vicejava na década de 60, onde seus chefes eram Lacerda e Sandra Cavalcanti. O Rio Guandu que o diga. Ali muitos pobres foram “erradicados”.

O falso moralismo de fachada dessa gente, aliado à subserviência aos poderosos, a cumplicidade com o desavergonhado assalto ao patrimônio público e o abandono completo do povo são a marca registrada dessa ideologia.

Os dois “Tropas de Elite”, que se pretendiam filmes realistas, por mais que tenham se esforçado, não expressam mais do que um simulacro da realidade brasileira e carioca. Não conseguiram seu intento até porque são tão superficiais quanto os enlatados americanos do gênero, de quem são meras cópias.

Por “sistema” o “Coronel Nascimento” vê apenas o que a sua formação lhe permite. Ou seja, só vê o secundário. Limita-se à corrupção rastaquera na polícia e à bandidagem de baixo escalão. A “denuncia” do tal “sistema”, que teria substituído o tráfico nas favelas, se reduz à disputa pelo comércio de gás e o “GatoNet” nas favelas. Não toca nos crimes bilionários dos monopólios - como da própria Net - que burla leis, compra deputados, corrompe juízes, suborna governos, etc, para extorquir o povo. Nada disso é dito no filme. “Bandido” para eles são só os “gatos” da favela.

Transposto para a política, então, esse primarismo do “cinema político” de Padilha, é ainda mais acentuado. O “coronel” parece que ouviu o galo cantar e não sabe onde. Chama de “esquerda” uma mistura do neotucano Gabeira (liberação da maconha) com “Human Rights” (entidade ligada a CIA) e de direita a quase todos os deputados, certos repórteres policiais exóticos e funcionários da Secretaria de Segurança Pública.

Para Nascimento, não existem políticos e nem funcionários públicos honestos, progressistas ou patriotas. São todos corruptos. Só se salva o “defensor” dos bandidos do “Human Rights”. Os corruptos de peso, aqueles que recebem propinas bilionárias, os promotores do assalto ao patrimônio, os lobistas de multinacionais, etc, são absolvidos pelo coronel. Eles não são nem apontados na película. Ou seja, só tem gente miúda na estória do Padilha. Então, a bombástica promessa de “luta sem tréguas” contra o tal “sistema”, não passa de uma luta de fancaria, bem ao gosto dos poderosos e magnatas.

O fato desses temas terem voltado à baila nos últimos dias no Rio de Janeiro e no Brasil acabaram deixando as teses de “Tropa 2” em maus lençóis. A realidade é que o Estado, bichado na visão dos autores, está derrotando o tráfico. E por que isto está ocorrendo? Uma das causas é a existência das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que o filme de Padilha escandalosamente não registrou.

E o que são as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs)? São, na verdade, junto com outras ações, a volta do Estado para as comunidades. É a volta da prioridade para as necessidades do povo. Enfim, é a derrota da exclusão neoliberal na prática. Além disso, a atual política econômica, com a retomada dos empregos, também foi decisiva para enfraquecer o tráfico. Reduziu sua mão de obra. Em suma, por mais que o Padilha não veja, o tempo do "Estado Mínimo" e do salve-se quem puder, por certo está ficando para trás. Essas mudanças no país, sem dúvida nenhuma, têm um peso decisivo no sucesso em operações como as do Complexo do Alemão.

O filme é totalmente desfocado ao não perceber nada disso. Ou melhor, é um filme que não consegue enxergar nada que interessa à luta real e à vida do povo. Expressa na verdade apenas a miopia, as confusões e as paranóias dos grupelhos elitistas e isolados.

As facções do crime estão tendo que admitir que foram acuadas por essa nova realidade. Mas, o filme jura que a situação piorou. “Forças piores estão tomando os morros”, diz o coronel. E ainda por cima enfia todo mundo no mesmo saco. “Todos são bandidos”, acrescenta Nascimento. Nem o governador do estado escapa. Por certo, cenas como esta devem ter dado uma forcinha considerável para as recentes decisões das facções criminosas. Elas acreditaram, foram pra cima e deu no que deu. Parece que essa avaliação (dos bandidos e do diretor do filme) não estava nada correta.

Além disso, a população organizada e as lutas do povo também passam longe do enredo dos criadores de Tropa de Elite. É só “polícia e bandido” e nada mais. Por conta dessa cegueira política, Nascimento, em uma das cenas, ao participar de uma CPI, apresenta como “solução radical” o fim da Polícia Militar. Imaginem se essa idéia vingasse. Só sobrariam os “bandidos” no “enredo” do Padilha. Os tucanos que não ouçam essa idéia, porque eles bem que adorariam cortar mais esse “gasto público supérfluo”. Enfim, o povo está conquistando mudanças importantes na vida do país e do Rio de Janeiro, inclusive no combate à violência. Só não vê quem não quer, inclusive o Padilha.

SÉRGIO CRUZ

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