sexta-feira, 12 de novembro de 2010

OBAMA E OS BENEFÍCIOS DA GUERRA CAMBIAL NA ECONOMIA DO BRASIL

De superavitário, comércio com os Estados Unidos está deficitário em US$ 5,74 bilhões

Nos últimos dias – a rigor seria melhor falar em últimas horas – antes da reunião do G20 em Seul, quase que de tudo aconteceu. Ou, mais precisamente, os EUA fizeram, declararam ou propuseram as coisas mais curiosas desde que Deus disse ao então presidente McKinley - segundo seu próprio relato - que devia anexar um lugar que ele (McKinley, não Deus) ignorava a localização, as Filipinas, para que os trustes do país tivessem hegemonia nos mercados mundiais.

Obama defendeu a decisão do Fed (um peculiar banco central, que emite dólares, estabelece taxas de juros, tem mais poder que o governo eleito, mas é privado) de despejar mais US$ 600 bilhões na praça, jogando para o alto as demais moedas, desvalorizando sua dívida para com outros países e invadindo-os com uma enxurrada de dólares, travando suas exportações - e drenando desemprego, junto com o encalhe de mercadorias americanas barateadas pela desvalorização do dólar, para suas economias.

Não houve quem aceitasse esse assalto, mas, disse Obama, isso “não é bom apenas para os Estados Unidos, é bom para todo o mundo”, e repetiu na quinta-feira, já em Seul, que trata-se de “encorajar o crescimento de maneira prudente e estável”, pois “quando todas as nações fazem a sua parte, todos nos beneficiamos de um maior crescimento”.

Obama não disse que foi Deus quem ensinou a ele que a parte dos EUA nessa amistosa cooperação é achacar os outros. Pelo menos disso nós escapamos. Sua tese não é religiosa, mas uma originalidade econômica: os EUA achacarem o mundo – certamente de maneira prudente (?!) e estável - é muito bom para o mundo. Os bancos e demais monopólios privados dos EUA, sempre preocupados com a Humanidade, estão prontos para fazer esse sacrifício. É o verdadeiro destino manifesto dos EUA: arrancar o couro dos outros, não para beneficiar-se, mas para beneficiar os que ficam sem o couro.

BRASIL

As tabelas desta página foram construídas com dados da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). A primeira delas tem como fonte o relatório da SECEX/MDIC da primeira semana de novembro deste ano. A segunda, os dados consolidados da mesma secretaria, que vão, no momento, até setembro.

Como o leitor pode ver, as importações no Brasil, de 2009 para 2010, aumentaram 42,7%. As exportações, apesar de um tremendo esforço do governo e das empresas, apenas 29,6%. E o saldo – o que verdadeiramente interessa – diminuiu 32,7%.

Somente para ressaltar: o valor das exportações aumentou quase 30%. Mas o saldo diminuiu mais de 30%, porque as importações cresceram mais de 40%.

O país do qual mais importamos foi os EUA. As importações dos EUA foram 15,1% das importações realizadas pelo Brasil. Mas as exportações destinadas aos EUA são apenas 9,8% do total das exportações (SECEX/MDIC, “Balança Comercial Brasileira - Dados Consolidados setembro/2010”, págs. 19 e 29).

Para comparação: o segundo país de onde mais importamos é a China - 13,8% das importações. Mas as exportações para lá são 16% das exportações do Brasil (SECEX/MDIC, op. cit., págs. cit.).

Porém, o mais importante é que as importações dos EUA aumentaram 34,5% entre janeiro e setembro deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto as exportações para os EUA cresciam abaixo disso 10 pontos percentuais (SECEX/MDIC, op. cit., pág. 29).

Vejamos a evolução do nosso comércio com os EUA:

2003 – superávit de US$ 7,15 bilhões;

2004 – superávit de US$ 8,74 bilhões;

2005 – superávit de US$ 9,87 bilhões;

2006 - superávit de US$ 9,86 bilhões;

2007 - superávit de US$ 6,34 bilhões;

2008 - superávit de US$ 1,79 bilhão;

2009 – déficit de US$ 4,43 bilhões;

2010 (até setembro) – déficit de US$ 5,74 bilhões;

A redução do saldo após 2006 até 2008 foi causada, provavelmente, pela crescente desnacionalização da economia (pois as filiais de multinacionais são empresas importadoras intensivas de componentes para montagem de produtos). Mas a queda de um superávit de US$ 1,79 bilhão (2008) para um déficit de US$ 4,43 bilhões (2009) com a continuação dessa queda em 2010, não é explicável pela desnacionalização.

O que aconteceu nesse período foi a primeira superemissão (ou superdesvalorização) de dólares da guerra cambial norte-americana. Com os juros negativos nos EUA, uma montanha de dólares, atraída pelos juros altos do sr. Meirelles e com a vida facilitada pelo câmbio pseudo-flutuante, entrou no Brasil, disparando a cotação do real, tornando mais baratas as importações dos EUA e mais caras as mercadorias produzidas internamente. Daí essa debacle no comércio com os EUA.

Não é difícil (aliás, é muito fácil) imaginar - se os juros continuam nesse patamar absurdo – o que acontecerá no Brasil com a nova superemissão de dólares. Sem contar a desnacionalização ainda maior do patrimônio nacional privado por esse dilúvio de dólares, com suas consequências deletérias sobre o crescimento e as contas externas.

Se depender do sr. Meirelles, será exatamente o que acontecerá – veja-se a última ata do Copom, onde em meio àqueles conceitos neo-geniais, diz-se o seguinte: “o conjunto de informações disponíveis evidencia deterioração da dinâmica inflacionária”. Nenhuma “informação disponível” permite concluir tal coisa, mas adivinhe o leitor qual é o remédio do BC para deteriorações fictícias...

IMPORTAÇÕES

A segunda tabela é um detalhamento das importações do Brasil por “categoria de uso”, ou seja, tipo do produto importado segundo sua utilidade.

Na última ata do Copom, Meirelles e caterva gastaram um espaço quase interminável, naquela linguagem de Neanderthal que caracteriza a diretoria do BC, para dizer que o Brasil está importando bens de capital (isto é, máquinas e equipamentos), e que isso é muito bom, pois significa investimento.

Como mostra a tabela, a importação de bens de capital, percentualmente, é menos da metade da importação de bens intermediários, ou seja, de componentes para as montadoras multinacionais.

Mais importante, do ponto de vista da guerra cambial contra nós, é o crescimento estúpido da importação de todos os tipos de produtos. Aliás, a importação de bens de capital foi a que cresceu menos (38,9%), enquanto as de bens de consumo cresciam 51,1% e as de bens intermediários, 43,3%.

Notemos - até porque de 2009 para 2010 não houve grandes mudanças na distribuição das importações por categoria - que um aumento de 43,3% no valor das importações de bens intermediários, que constituem 46,2% do valor total das importações, é algo muito mais brutal do que um aumento de 51,1% no valor das importações de bens de consumo, que são apenas 16,9% do valor total das importações, ou de outro (petróleo e combustíveis) que aumentou 61,1%, mas é apenas 14,3% das importações.

O que não quer dizer que, por exemplo, todas as importações de bens de consumo sejam uma necessidade do país – pelo contrário, a maior parte é uma consequência predatória da guerra cambial.

CARLOS LOPES

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