quinta-feira, 18 de novembro de 2010

G-20 E A DEFESA CONTRA A AGRESSÃO CAMBIAL DOS EUA

Por proposta do Brasil, o G-20 colocou em sua declaração final que os “países emergentes” podem tomar “medidas macroprudenciais” necessárias para barrar entrada de capital externo

Nossa futura presidente, durante a reunião do G-20, afirmou, com precisão, que, com a emissão de mais US$ 600 bilhões pelos EUA, “a política do dólar fraco faz com que o ajuste norte-americano fique na conta das outras economias” e acrescentou que a nossa moeda ser a mais “valorizada” de todas as dos países que estavam em Seul “não é bom para o Brasil”.

Enquanto isso, Obama declarava, também em Seul, que “as taxas de câmbio devem refletir a realidade econômica”. Em suma, a “realidade econômica”, segundo Obama, é que, aproveitando-se de que o dólar é a moeda comercial e de reserva internacional, os EUA podem emitir centenas de bilhões, trilhões de dólares, manipulando escandalosamente o câmbio para invadir os outros países com mercadorias que não conseguem ser vendidas no seu próprio país. Em suma, para tentar sair da crise, como disse Dilma, à custa de depredar as demais economias – e isso, simplesmente, porque o governo de Obama não quer enfrentar os monopólios financeiros que impedem que a crise dos EUA seja resolvida internamente. Querem, portanto, que a economia dos EUA, e, especificamente, os bancos que provocaram a crise, sejam sustentados pelo nosso sacrifício.

Por isso, os chineses e outros povos não devem se defender dessa agressão porque, claro, isso não corresponde à “realidade econômica”. Resumindo: realidade econômica é o mundo se submeter aos EUA.

Na verdade, essa última parte não deu muito certo em Seul. Como disse o ministro do Comércio da China, Yu Jianhua, “os EUA não devem culpar os outros pelos seus problemas nem forçá-los a tomar os medicamentos para a sua própria doença”.

Mas, com esse tipo de atitude por parte dos EUA, a reunião do G-20 não tomou providências em relação à agressão cambial contra seus outros membros, resumindo-se ao que o ministro Guido Mantega descreveu: “a guerra cambial passou a ser discutida. Os ministros das Finanças deverão sugerir, até o fim do primeiro semestre de 2011, as medidas que devem ser adotadas para evitar o desequilíbrio”.

No entanto, como ninguém pode esperar mais seis meses com US$ 600 bilhões arrombando o seu câmbio, isso significa que os outros países, assim como os EUA estão fazendo, têm que tomar suas próprias providências. Por proposta do Brasil, o G-20 colocou em sua declaração final que os “países emergentes” podem tomar “medidas macroprudenciais” para barrar a entrada de capital externo. Ou seja, os países emergentes podem, para defender-se do ataque ao país, controlar a entrada de capitais. É verdade que a mesma declaração também fala em “um sistema monetário internacional em que as taxas de câmbio sejam determinadas pelo mercado” - mas essa parte não é novidade.

Não somente não é novidade, como é falsa. Atualmente, apenas 35 países ainda mantêm a ficção do “câmbio flutuante”, uma invenção norte-americana de 1973, quando Nixon rompeu, unilateralmente, a paridade entre o ouro e o dólar – e o câmbio passou a ser baseado naquilo que alguém definiu como “papel pintado”, isto é, dólares sem relação com um lastro. Outros 60 países mantêm o câmbio fixo ou tabelado (“peg exchange”) e 51 países têm sistemas mistos – mas sempre administrados pelo governo (cf. “Global Scenario of Exchange Rate Arrangements”, MBA Knowledge Base).

DÓLAR

A questão para nós é gravíssima, ainda mais porque a guerra cambial foi deflagrada quando a gestão Meirelles no Banco Central já estava hipervalorizando o real desde 2004. A cotação média do dólar caiu de R$ 3,07, em 2003, para R$ 1,83 em 2008, por causa dos juros altos, que atraíram dólares para dentro do país, e pelas intervenções do BC no mercado do dólar, sempre beneficiando os especuladores externos (cf. Daniela Prates e Maryse Farhi, “A crise financeira internacional, o grau de investimento e a taxa de câmbio do real”, IE/Unicamp, jun./2009).

Em meio a essa hipervalorização cambial já muito deletéria, os EUA fizeram a sua primeira superemissão de dólares, ao mesmo tempo que tornavam negativos os seus juros. Naturalmente, era necessário que o Brasil baixasse os juros imediatamente para impedir - ou minorar - a pilhagem pelas montanhas de dólares vindos dos EUA. Sobretudo quando havia outro cavalo de Tróia na economia, o câmbio dito “flutuante”, colaborando com a agressão cambial norte-americana. No entanto, os juros foram mantidos em órbita. Assim, ficamos numa situação difícil, que se expressa na situação das contas externas, com ameaça direta ao crescimento.

Agora, unilateralmente, os EUA realizam a emissão de mais US$ 600 bilhões. Torna-se, portanto, mais urgente a queda dos juros.

Já apontamos aqui, na edição passada, como os EUA inverteram a balança comercial com o Brasil, através dessa “guerra cambial”, da qual nós, até agora, não nos defendemos – ou nos defendemos de forma muito insuficiente.

Na última sexta-feira, em entrevista a Rogério Lessa, no “Monitor Mercantil”, o economista Bruno Galvão, da UFRJ, apontou que, se levarmos em consideração os dados do U.S. Census Bureau (o departamento de estatísticas do governo americano), a situação é ainda pior. Galvão desenha um panorama dos últimos cinco anos, o que inclui, além da atual guerra cambial (2009 em diante), a hipervalorização anterior, por conta do sr. Meirelles: “as exportações de produtos cerâmicos, por exemplo, apresentaram uma queda de 97%. Com exceção de produtos químicos, que têm uma lógica segundo a qual a taxa de câmbio não influi muito sobre o nível de exportações no curto e até no médio prazo, a queda das exportações de manufaturados do Brasil para os Estados Unidos foi de 61%. [No período de janeiro a setembro] passou de US$ 15,7 bilhões, em 2005, para US$ 6,1 bilhões, em 2010”.

O leitor poderá perguntar: mas que importância têm as exportações para os EUA? Temos outros países para exportar - e temos um grande mercado interno.

O problema é que a hipervalorização do real (isto é, a hiper-desvalorização do dólar) encarece os produtos internos em relação aos importados, não apenas aqueles que são exportados. Ou seja, depreda a produção nacional, a indústria e, inclusive, a agricultura. Por outro lado, com esse câmbio, não é apenas o comércio com os EUA que fica prejudicado – é o comércio exterior em geral, inclusive, como nota o economista Bruno Galvão, com aqueles que estão conosco integrados no Mercosul, pois neles também os produtos americanos se tornam mais baratos que os brasileiros por conta da desvalorização do dólar.

Evidentemente, para resolver esse problema é necessário baixar os juros e controlar a entrada de capitais. Como diz Galvão, “o principal é baixar juros”. No entanto, a admissão, pelo G-20, de que países emergentes podem se defender controlando a entrada de capitais é interessante – não é que não pudéssemos fazê-lo sem o G-20. Mas se até o G-20 considera isso razoável, por que não fazê-lo? Nesse sentido, o ministro Mantega tem razão ao mostrar-se entusiasmado com essa “decisão inédita”.

CARLOS LOPES

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