terça-feira, 23 de novembro de 2010

Exemplo do “Tigre Celta”

Exemplo do “Tigre Celta”

  
Durante muitos anos o “exemplo” irlandês esteve na moda e era apresentado constantemente aos demais países: a política de baixos impostos sobre o capital (quase a metade da média europeia), a ampla liberalização da atividade econômica e as privatizações, o controle salarial e as grandes facilidades aos capitais para que pudessem atuar a seu bel-prazer consideravam-se a chave de seu sucesso e o que deveria ser feito por qualquer outra economia que quisesse ser tão próspera e dinâmica como o “Tigre Celta” de então. Claro que estava se falando de um sucesso que só se media pelo incremento vertiginoso do PIB, mas não pela diminuição das desigualdades ou pela brecha dos padrões de bem-estar do país com a média europeia.
 
Os governos conservadores facilitaram a atividade dos bancos que se dispuseram a criar dívida e a financiar a atividade especulativa sem freio, sem que nem a um nem ao outro preocupara a geração de bolhas imobiliárias ou a escassa base real do crescimento que se gerava.
 
Na realidade, o que a Irlanda estava fazendo não era outra coisa que aplicar como um aluno avantajado as políticas de ajuste estrutural que o Fundo Monetário Internacional vinha propondo há anos para favorecer o incremento dos lucros do capital. E por isso o Fundo aplaudia o que estava se fazendo ali, afirmando que suas políticas econômicas ofereciam lições úteis a outros países (FMI. IMF Concludes 2004 Article IV Consultation with Ireland. En http://bit.ly/aiaxUw).
 
Como viemos dizendo muitos economistas críticos, essas políticas neoliberais foram a causa real da última crise e por isso não foi nem muito menos uma casualidade que o aluno europeu que as aplicou mais fielmente fosse precisamente o primeiro que entrou em recessão em 2008, quando se desencadeou a crise das hipotecas-lixo.
  
Como tampouco é casual que a economia que primeiro aplicou os planos de austeridade como resposta à crise sofra agora uma nova chicotada.
 
Na realidade, a Irlanda é nestes dias uma espécie de laboratório que permite comprovar o efeito das políticas neoliberais de austeridade que impõe o fundamentalismo dominante desde há anos na Europa.
 
Embora agora muito poucos lembrem, a Irlanda aprovou antes que ninguém um grande programa de austeridade e cortes: até 20% foram reduzidos dos salários dos funcionários e 10% benefícios sociais, além de fazer o mesmo num bom número de programas de gasto público e social. Embora, isso sim, pondo ao mesmo tempo à disposição de bancos quebrados dezenas de bilhões de euros que elevaram às nuvens o déficit e a dívida do Estado.
 
Quando tomou essas medidas, de novo o caso irlandês se pôs como um exemplo a seguir pelos demais. Os meios de comunicação neoliberais, a Comissão Europeia e, logicamente, uma vez mais o Fundo Monetário Internacional elogiaram sua política de austeridade e cortes frente à crise.
 
Este último organismo, fazendo outra vez gala de sua desavergonhada forma de fazer prognósticos econômicos, afirmou, para poder aplaudi-las assim com aparente fundamento, que graças à aplicação dessas medidas a economia irlandesa cresceria um 1% em 2009.
  
Porém, seu efeito real foi outro, como os economistas críticos tinham prognosticado que ia ocorrer ali ou em outros países onde se aplicaram: em 2009 o PIB da economia irlandesa, longe de aumentar, baixou 11%.
 
Com essa queda estrepitosa, com uma redução do investimento de 30% e de mais de 7% do consumo, a economia não pode gerar recursos suficientes, foi mais difícil arrecadar recursos para fazer frente à dívida e ela continuou subindo, o que fazia, para completar, que os mercados a castigassem subindo os juros aos que pode ser colocada.
  
A isso se acrescenta que, ao ter deixado sem realizar uma verdadeira reforma financeira, a situação patrimonial dos bancos seguiu agravando-se e agora precisam de uma nova dose de generosa injeção de liquidez para tirá-los do sufoco: mais 50 bilhões de euros só para eles.
  
Enquanto tudo isso aconteceu, da Comissão Europeia e do Fundo Monetário Internacional não tem saído nem a mais mínima expressão de autocrítica: depois de haver afirmado que o que a Irlanda fazia era exemplar, não têm nada a dizer quando seu “modelo” salta pelos ares, como era inevitável que ocorresse como evidente consequência dessas políticas. Ao contrário, se limitam a pressionar para que se coloque de joelhos e a advertir de antemão quem é que vai a pagar a fatura: “A UE exigirá à Irlanda aumentos de impostos para devolver o resgate”, dizem as manchetes dos meios de comunicação europeus.
  
A Irlanda, efetivamente, é um bom exemplo. Mas para mostrar aonde tem levado as políticas neoliberais antes da crise e aonde levam agora, quando voltam a se impor em forma de austeridade orçamentária, por um lado, e, por outro, de plena liberdade e apoio aos bancos para que continuem atuando à vontade.

JUAN TORRES LÓPEZ*
*Catedrático de Economia Aplicada da Universidade de Sevilha.
Publicado no site espanhol Rebelión
                                                  

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