sábado, 3 de julho de 2010

O TESTAMENTO DE LUMUMBA

Carta escrita da prisão à sua mulher Pauline Lumumba

Minha querida companheira, escrevo-te estas palavras sem saber se receberás e se ainda estarei vivo quando as receberes.

Durante toda a minha vida, pela independência do nosso país, nunca duvidamos um instante do triunfo final por causa sagrada a que os meus companheiros e eu consagramos a nossa vida. Mas o que queríamos para o nosso país, o direito a uma vida honrada, a uma dignidade sem compromissos, a uma independência sem restrições, o colonialismo belga e os seus aliados ocidentais, que encontraram apoio direto nas Nações Unidas, esse organismo em que depositamos toda a nossa confiança uma vez que tínhamos apelado para a sua assistência, nunca o quiseram.

Corromperam alguns dos nossos compatriotas, compraram outros, contribuíram para a deformação da verdade e para sabotar a nossa independência. Que mais posso fazer? Que eu esteja morto ou vivo, livre ou prisioneiro por ordem dos colonialistas, não é a minha pessoa que conta, mas o Congo, o nosso pobre país, cuja independência transformaram numa triste farsa. Mas a minha fé permanecerá inabalável.

Sei e sinto do fundo do meu ser que cedo ou tarde o meu povo se desembaraçará de todos os seus inimigos internos e externos, que levantará como um só homem para dizer «NÃO» ao colonialismo degradante e humilhante e para instaurar a sua dignidade sob um sol brilhante.

Nós não estamos sós. A África, a Ásia e os povos livres e libertados de todos os cantos do Mundo estarão sempre ao lado dos milhões de congoleses que não terminarão a sua luta enquanto os colonialistas e os seus mercenários se mantiverem no nosso país.

Aos meus filhos, que deixei, para talvez não os tornar a ver, quero que digam que o futuro do Congo é belo e que espera deles e de todos os congoleses a realização do seu dever sagrado de reconstruir a nossa independência e a sua soberania, porque sem dignidade não há liberdade; sem justiça não há dignidade e sem independência não há homens livres.

A brutalidade, as sevícias, as torturas nunca me levaram a implorar pela vida, porque prefiro morrer de cabeça levantada, com a fé indestrutível e a confiança profunda no destino do nosso país, a morrer na submissão, tendo renegado os princípios que nos são sagrados.

A história pronunciará um dia o seu julgamento, mas não será a história que se ensinará em Bruxelas, em Paris, em Washington ou nas Nações Unidas; será a que se ensinará nos países humilhados pelo colonialismo e pelos seus fantoches.

A África escreverá a sua própria história e esta será do norte ao sul do Saara, uma história de glória e de dignidade.

Não chores, companheira. Eu sei que o meu país que tanto sofre saberá defender a sua independência e liberdade.

VIVA O CONGO!

VIVA A ÁFRICA!

Prisão de thysville (Atual Mbanza–Ngungu).

Patrice Lumumba.

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