sábado, 6 de março de 2010

BRASIL REJEITA ACUSAÇÕES SEM PROVAS DOS EUA CONTRA O IRÃ

Lula alerta Hilary que “não é prudente encostar o Irã na parede”. “Prudente é estabelecer negociações”

O presidente Lula fez uma advertência contra a pressão norte-americana para impor sanções ao Irã com base em suspeitas levantadas pelos EUA de que aquele país possua, ou esteja em vias de possuir, armas de destruição em massa. “Não é prudente encostar o Irã na parede. O que é prudente é estabelecer negociações”, afirmou Lula na quarta-feira (3). “Eu quero para o Irã o mesmo que para o Brasil: utilizar o desenvolvimento da energia nuclear para fins pacíficos”, acrescentou, enfatizando que o Brasil não apóia a proliferação de armas nucleares.

Logo em seguida o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim lembrou, em entrevista, ao lado da secretária de Estado americana, Hillary Clinton, que em outras oportunidades também se afirmou que havia armas de destruição em massa no Iraque e, baseado nessa mentira, os EUA invadiram o país. “Percepções desse tipo podem ser arriscadas”, disse Amorim. “Tive a chance de ser embaixador na ONU em um momento crítico para o Iraque, e era um pouco isso que eu ouvia também”, afirmou o ministro. “E a acusação principal nunca se materializou”, concluiu.

O alerta tanto do presidente Lula quanto do chanceler Celso Amorim, contra a intenção do governo Obama de repetir no Irã o desastre de George Bush em relação ao Iraque, foi uma resposta à insistência da representante americana em propor sanções e afirmar que o Irã estaria mentindo e envolvendo o Brasil. Ela disse que “o Irã vai para o Brasil, China e Turquia e conta histórias diferentes para evitar as sanções”.

Lula contestou essa posição externada por Hillary. “O Brasil mantém a sua posição. O Brasil tem uma visão clara sobre o Oriente Médio e sobre o Irã. E o Brasil entende que é possível construir um outro rumo”, disse. “Se tem um país que pode dar lição de moral sobre paz, esse país é o Brasil”, assinalou o presidente. “Aqui nós não apenas defendemos a paz, exercita-mo-la”, prosseguiu.

Celso Amorim também fez questão de alertar para os erros de avaliação do governo americano. “No processo que aconteceu com o Iraque, eu vi muito sofrimento do povo iraquiano. A mortalidade infantil no Iraque aumentou enormemente e vi que isso, as sanções não tiveram nenhum efeito na realidade”, disse Amorim.

“Ainda há possibilidade de diálogo”, frisou o ministro. “Não queremos que o Irã tenha armas nucleares, não tenha dúvida disso. Mas eles têm o direito de um programa pacífico como os outros países”, defendeu. “O que queremos é que cheguemos a essa certeza de que o Irã não terá armas nucleares por meios pacíficos e de diálogo”, acrescentou. “Nós acreditamos que ainda há oportunidade de se chegar a um acordo, talvez exija um pouco de flexibilidade de parte a parte”.

Depois de almoçar com o ministro das Relações Exteriores e visitar o presidente da Câmara dos Deputados, deputado Michel Temer, e o presidente do Senado, senador José Sarney, Hillary foi recebida pelo presidente Lula e pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, na sede do governo. Na audiência, segundo Amorim, além de assinaturas de acordos de cooperação em várias áreas, a representante americana aproveitou para pedir ao seu embaixador que argumentasse em favor dos caças produzidos nos EUA. O lobby foi porque o governo está para decidir em breve sobre a compra de caças para a Força Aérea Brasileira. O presidente e a ministra ouviram com atenção as ponderações do embaixador e conduziram a conversa em outra direção.

Em novas entrevistas durante a tarde desta quarta, Hillary insistiu em seguir pressionando o Brasil. “Respeito a crença do Brasil de que ainda existe espaço para negociação com o Irã, mas até agora não vimos nenhuma oferta de boa-fé”, afirmou. E prosseguiu: “Estamos consultando nossos amigos brasileiros porque em algum ponto teremos de tomar uma decisão”. “Somente depois que aprovarmos as sanções no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Irã irá negociar em boa fé”, acrescentou a representante do governo americano.

O ministro Amorim mais uma vez voltou a rebater as declarações da secretária. “Nós pensamos com a nossa própria cabeça. Não se trata de se curvar simplesmente a uma opinião que possa não concordar [no caso do grupo liderado pelos Estados Unidos]. Nós não podemos simplesmente ser levados. Nós temos de pensar com a nossa cabeça”, enfatizou. “Queremos um mundo sem armas nucleares, certamente sem proliferação”, afirmou Amorim.

Questionado se a posição brasileira de defender o diálogo com o Irã pode prejudicar as aspirações do país de conseguir um assento permanente no Conselho de Segurança, já que os EUA que tem vaga cativa no órgão e defende sanções, o ministro respondeu: “Acho que os países que estão só dizendo amém não estão contribuindo para uma evolução”. “Se eu fosse condicionar as posições do Brasil em função de ambições, não dava um passo. Porque tudo que você faz descontenta alguém”, afirmou.

Fugindo de tratar assuntos de interesse do Brasil como o contencioso em relação às exportações brasileiras de algodão, reclamado pelo governo Lula junto à OMC, Hillary passou a criticar a Venezuela.

“Estamos profundamente preocupados com o comportamento da Venezuela, que nós consideramos contraproducente não apenas em relação a certos países vizinhos, como também para a própria população”, disse. “Gostaríamos que a Venezuela olhasse mais para o sul, para países como Brasil e Chile, que são modelos de sucesso”, disse.

Nesta questão também o chanceler Amorim respondeu com habilidade. “Não concordamos em tudo”, disse ele, referindo-se ao comentário da secretária sobre o país vizinho. E acrescentou: “Por isso é que nós convidamos a Venezuela para integrar o Mercosul, o que achamos algo positivo para que o relacionamento da Venezuela se intensifique com os países da região”.

SÉRGIO CRUZ




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