quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

OS TESTÍCULOS DIREITO DO INFERNO:A HISTÓRIA DO HOLOCAUSTO HAITIANO

Na hora!

GREG PALAST*



Nosso pedido para o envio de um remédio ao pai de uma amiga no Haiti foi respondido pelo produtor do “Democracy Now!”, Sharif Abdel-Kouddous, que fará a entrega em Porto Príncipe. Ao que parece, o DN, ao contrário do governo dos EUA, não requer “segurança” armada para salvar vidas.



1. Que seja abençoado o Presidente por ter enviado por via aérea equipes de salvamento quase que imediatamente. Foi o presidente da Islândia, Olafur Grimsson. Na quarta-feira, a AP informou que o presidente dos Estados Unidos prometera que “o contingente inicial de 2.000 marines poderia ser deslocado para o país devastado pelo terremoto em poucos dias”. “Em poucos dias”, Mr. Obama?



2. Não existe essa coisa de desastre “natural”. 200.000 haitianos foram assassinados por habitações de favela e planos de “austeridade” do FMI.


3. Uma amiga minha ligou. Você conhece um jornalista que poderia levar um remédio para o pai dela. E ela acrescentou, tentando manter firme a voz: “Minha irmã está sob os escombros. Há alguém que possa ajudar, alguém? Deveria ter lhe dito, “Obama terá os marines lá ‘em poucos dias’”?



4. A China enviou equipe de resgate com cães farejadores em 48 horas. China, Mr. Presidente. China: 8.000 milhas distante. Miami: 700 milhas perto. As bases dos EUA em Porto Rico: logo ali.


5. O Secretário da Defesa de Obama, Robert Gates, disse: “Eu não sei como este governo poderia ter respondido mais rápido ou mais abrangentemente do que fez”. Nós sabemos que Gates não sabe.


6. Do meu próprio trabalho em campo, eu sei que a FEMA [órgão de Defesa Civil dos EUA] tem pronto acesso a água potável, geradores, equipamentos médicos móveis e muito mais para alívio a vítimas de furacão na costa do golfo. Tudo está ainda lá. O tenente general Russel Honoré, que serviu como comandante da força-tarefa para situações de emergência após o furacão Katrina, disse ao Christian Science Monitor: “Eu pensei que havíamos aprendido isso com o Katrina, levar comida e água e começar a evacuar as pessoas”. Talvez nós tenhamos aprendido, mas, ao que parece, Gates e o Departamento de Defesa faltaram à escola naquele dia.



7. Enviem os Marines. Essa é a resposta dos Estados Unidos. É nisso que somos bons. O porta-aviões USS Carl Vinson finalmente apareceu após três dias. Com o quê? Foi deslocado dramaticamente - sem qualquer suprimento de ajuda de emergência. Com mísseis Sidewinder e 19 helicópteros.


8. Mas não se preocupe, a equipe internacional de busca e salvamento, totalmente equipada e autossuficiente para até sete dias em campo, enviada imediatamente com dez toneladas de ferramentas e equipamentos, três toneladas de água, tendas, equipamentos avançados de comunicação e instalações de purificação de água. Da Islândia.



9. Gates não enviou alimentos e água, porque, ele disse, não havia “nenhuma estrutura;... para garantir a segurança.” Para Gates, nomeado por Bush e mantido por Obama, é a segurança em primeiro lugar. Essa foi sua lição do furacão Katrina. Blackwater ao invés de drinking water [água potável].



10. Presidentes anteriores dos EUA têm agido muito mais rapidamente para botar tropas naquela ilha. O Haiti é a metade direita da ilha de Hispaniola. É tratado como o testículo direito do inferno. A República Dominicana, o esquerdo. Em 1965, quando os dominicanos exigiram o retorno de Juan Bosch, o seu Presidente eleito, deposto por uma junta militar, Lyndon Johnson reagiu a esta crise rapidamente, desembarcando 45.000 marines dos EUA nas praias para evitar o retorno do presidente eleito.



11. Como foi que o Haiti acabou tão economicamente enfraquecido, com infraestrutura degradada ou inexistente, dos hospitais ao tratamento de água – há dois quartéis de bombeiros no país inteiro -, uma infraestrutura tão frágil que a nação estava simplesmente à espera de que a “natureza” desse fim?


Não culpe a Mãe Natureza por toda essa morte e destruição. Essa desonra vai para Papa Doc e Baby Doc, a ditadura Duvalier, que saqueou o país por 28 anos. Papa e seu Baby puseram nos próprios bolsos estimados 80% da ajuda mundial - com a cumplicidade do governo dos EUA, feliz por ter os Duvaliers e sua milícia vodu, os Tonton Macoutes, como aliados na Guerra Fria. (A guerra foi facilmente vencida: os esquadrões da morte dos Duvaliers assassinaram cerca de 60.000 opositores do regime.)



12. O que Papa e Baby não dizimaram, o FMI deu cabo através dos seus planos de “austeridade”. Um plano de austeridade é uma forma de vodu orquestrada por economistas-zumbis crentes na irracionalidade de que o corte dos serviços públicos de algum modo ajudará uma nação a prosperar.


13. Em 1991, cinco anos depois da fuga do assassino Baby, os haitianos elegeram um padre, Jean-Bertrand Aristide, que resistiu aos ditames de austeridade do FMI. Poucos meses depois, os militares, sob os aplausos do Papa George HW Bush, o depuseram.



A História se repete, primeiro como tragédia, depois como farsa. A farsa foi George W. Bush. Em 2004, após o padre Aristide ser reeleito presidente, ele foi sequestrado e removido novamente, sob os aplausos de Baby Bush.


14. Haiti era então uma nação rica, a mais rica do hemisfério, vale mais, escreveu Voltaire, no século 18, do que aquela colônia rochosa e fria conhecida como Nova Inglaterra. A riqueza do Haiti era em ouro negro: escravos. Mas então os escravos se rebelaram - e vêm pagando por isso desde então.


De 1825 a 1947, a França forçou o Haiti a pagar uma taxa anual para reembolsar os lucros perdidos pelos senhores de escravos franceses, causados pelo bem-sucedido levante de escravos. Ao invés de escravizar haitianos individualmente, a França considerou mais eficiente simplesmente escravizar a nação inteira.


15. O Secretário Gates nos diz: “Há certos fatos da vida que afetam a rapidez com que você pode fazer algumas dessas coisas.” O navio-hospital da Marinha estará lá, oh, daqui a uma semana ou por aí. Beleza de trabalho, Brownie!



16. Nota recém recebida de minha amiga. Sua irmã foi encontrada, morta, e sua outra irmã teve que enterrá-la. Seu pai precisa de seus remédios ansiolíticos. Isso é um fato da vida também, Mr. Presidente.


*Greg Palast é jornalista e autor do livro
“A Melhor Democracia que o Dinheiro Pode Comprar”, entre outros.



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