domingo, 13 de dezembro de 2009

A MÁFIA FARMACÊUTICA. PIOR REMÉDIO QUE A DOENÇA

A avidez por seguir fazendo dinheiro e crescendo como um parasita destrutivo faz com que as multinacionais do setor farmacêutico, um dos mercados mais monopolizados do planeta, vivendo numa total impunidade, não evitem destruir competidores menores, atacar governos débeis que pretendam enfrentá-las e, o que é pior, mantendo preços proibitivos para as populações pobres e as vezes fabricando produtos que, em muitos casos, terminam envenenando pacientes
CARLOS MACHADO*

O mercado farmacêutico movimenta cerca de 200 bilhões de dólares por ano. Um montante superior ao lucro das vendas de armas ou das telecomunicações. Por cada dólar investido na fabricação de um medicamento se obtêm mil no mercado. E as multinacionais farmacêuticas sabem que se movem em um terreno seguro: se alguém necessita de um medicamento, não vai economizar dinheiro para comprá-lo.

Este mercado, além disso, é um dos mais monopolizados do planeta, já que só 25 corporações cobrem 50% do total de vendas. Entre elas, as seis principais companhias do setor - Bayer, Novartis, Merck, Pfizer, Roche e Glaxo - somam anualmente bilhões de dólares de lucro, no que deve-se somar mais, dado que todos os grandes grupos farmacêuticos são também potências da indústria química, biotecnológica e agroquímica. Tudo isso, e sua incomparável avidez por seguir fazendo dinheiro e crescendo como um parasita destrutivo, faz com que as multinacionais do setor, vivendo numa total impunidade, se desvirtuem de seu verdadeiro objetivo, a saúde, e não evitem de destruir competidores menores, atacar governos débeis que pretendam enfrentá-las e, o que é pior, mantendo preços proibitivos para as populações pobres e as vezes fabricando produtos que em muitos casos terminam envenenando eventuais pacientes. Sobram exemplos nesse sentido.
Um deles teve como protagonista a Merck, uma das gigantes farmacêuticas, que se viu obrigada a retirar do mercado uma de suas estrelas, o anti-inflamatório Vioxx (refexocib), cuja venda lhe fornecia dois e meio bilhões de dólares por ano. Mas até que a Merck retirasse esse medicamento do mercado, foi muita surdez, negligência e falta de ética frente às constantes advertências sobre os riscos cardiovasculares que produzia. Nos Estados Unidos, a companhia foi declarada responsável pela morte de Robert Ernst e obrigada a pagar à sua viúva 253,4 milhões de dólares, e ainda se encontram pendentes umas 5 mil denúncias, e pode acontecer da companhia farmacêutica ter de pagar ao final, entre 18 a 50 bilhões de dólares. No entanto, não só a Merck tem responsabilidade na negligência, mas um organismo como a Agência para as Drogas e os Alimentos (FDA – Fonds and Drugs Agency), o setor governamental norte-americano que supostamente deve cuidar da saúde e alimentação dos contribuintes, também é responsável.
Desde o ano de 2002 se sabia que o Vioxx aumentava a possibilidade de gerar infartos no coração ou problemas similares, razão pela qual ele se tornou supeito: a Merck apoiou alguns trabalhos ou investigações da FDA, ou algum tipo de contraprestação ou, se preferirem, “propina”? Nada disso seria estranho, se nos atentarmos aos antecedentes da FDA no jogo de interesses com que são favorecidos os grandes grupos químico-farmacêuticos. O certo é que a Merck retirou o Vioxx do mercado só no ano de 2004, um atraso inexplicável, já que eram demasiadas as evidências de múltiplos efeitos cardiovasculares adversos do medicamento, e uma falta de resposta rápida incompreensível em uma empresa fundada há 340 anos.
A conclusão não é tão difícil: as vendas do produto foram mais importantes que seus efeitos adversos.

HIPOCRÁTICOS HIPÓCRITAS

Faz tempo que está na boca do povo que os laboratórios assediam os médicos para que estes receitem com exclusividade seus produtos. Um assédio nada incômodo para os profissionais de saúde, já que por aceitá-lo ganham não poucos benefícios. Lamentavelmente hoje em dia são grande maioria os médicos que de bom grado se deixam cair nas redes deste suborno. Inclusive pode observar-se, quando alguém vai a uma consulta, de que maneira os médicos deixam de lado por vários minutos a atenção a seus pacientes para dar preferência à recepção de bem trajados representantes de laboratórios, levando em suas valises não só promoções, mas também os brindes. Um caso desse tipo, em grande escala, explodiu em escândalo na Itália, e a autoria do suborno em questão era outra das grandes multinacionais farmacêuticas.

Fruto de um trabalho que levou dois anos, a Fiscalização de Verona tornou pública há dois anos uma investigação que trouxe a luz o que ocorria também nesse país: médicos que recebiam brindes e somas de dinheiro de uma multinacional farmacêutica em troca de receitar seus produtos. A acusação apontou, com nomes e sobrenomes, nada menos que 4.400 médicos de toda a Itália e 273 dirigentes e empregados do grupo britânico Glaxo Smith Kline (GSK), um dos líderes mundiais do setor, cuja sede italiana se encontra precisamente em Verona. As práticas em questão aconteceram no período entre 1999 a 2002, e as acusações vão de suborno e corrupção a formação de quadrilha, no caso de alguns dirigentes da Glaxo na Itália.

A investigação se originou na região de Véneto, quando a Polícia Fiscal descobriu na contabilidade da empresa uma quantidade exagerada, cerca de 100 milhões de euros, destinados à “promoção”. A promotoria acusou a Glaxo de desembolsar um milhão de euros anuais para que os médicos prescrevessem determinados remédios e se ativessem ao catálogo da empresa. De acordo com a polícia italiana, todo o sistema de “comissões” e brindes era controlado por um programa informatizado conhecido pelo código “Giove”, onde era registrado o rendimento de cada médico e com base nele se estabelecia a importância do prêmio.

Os métodos de coptação dos profissionais utilizados pela Glaxo incluíam viagens a lugares paradisíacos, relógios de ouro, computadores personalizados e dinheiro vivo. Em algumas conversas telefônicas interceptadas pelos investigadores em 2003, alguns vendedores da Glaxo se jactavam do aumento de vendas conseguido graças aos subornos. Os promotores informaram que a firma cuidava dos médicos em todos os níveis, desde a medicina geral – 2.579 profissionais denunciados – com presentes de computadores, DVDs ou câmeras fotográficas, até os especialistas, com 1.738 acusados, que recebiam obséquios ainda mais valiosos, como viagens, financiamento de congressos e objetos de alta tecnologia. Da mesma forma descobriu-se um grupo de 60 médicos, integrantres de serviços de oncologia, que participaram em um programa denominado Hycantim, um produto para tratamento de tumores. Segundo as acusações, esses médicos recebiam incentivos por cada paciente que recebia esse medicamento. Um dos promotores assinalou, ao referir-se aos executivos da companhia e ao preço do produto: “para esta gente, cada enfermo valia 4 mil euros. Independente do medicamento ser bom ou não, o que importava era ter o maior número de pacientes”.

Uma boa mostra de que a cobiça da indústria farmacêutica converteu a doença em um negócio. No caso apontado acima, contando com a cumplicidade de médicos que nenhum favor fazem à sua outrora nobre profissão, manchando o juramento de Hipócrates e convertendo-o em um código de hipócritas.

BAYER, MUITO MAIS QUE UMA ASPIRINA

Seguramente o grupo farmacêutico que leva o prêmio no que trata de acumulação de dinheiro e poder sem se importar em pisotear pequenos competidores e, pior ainda, envenenar consumidores, é a Bayer AG. Uma empresa presente em todos os países do mundo, que opera na mesma sintonia de colegas como a Monsanto e a Dow Chemical, multinacionais químicas que também abarcam o ramo farmacêutico e de que nos ocupamos em artigos recentes. A história da empresa alemã Bayer, com sua sede central na cidade de Leverküsen, remonta ao século XIX, quando nasceu como IG Farben, e está permeada de fatos escabrosos, mas claro, “disso não se fala”, e tendo, como toda multinacional, quem lave sua roupa suja e contando ainda com 400 parlamentares em seu país, tanto regionais como nacionais, que antes passaram pelas fileiras da empresa e continuam prestando-lhe fidelidade, ocultar parte de sua história negra não é difícil. Mas, aqui, recordaremos parte dessa história.

Esta multinacional, que também se identifica com agentes de guerra química, com inumeráveis inseticidas e venenos caseiros e com “medicamentos” como a heroína – uma prematura patente da Bayer, antes de comprovar o que causaria -, tem trabalhado em muitas oportunidades estreitamente com ditadores e criminosos de guerra, de Hitler em diante.

Um de seus diretores, Carl Duisberg, se encarregou pessoalmente de propagar o conceito de “trabalhos forçados” durante a Primeira Guerra Mundial, ideia que posteriormente foi aplicada com muito mais dedicação pelos nazistas, ao submeter a esses trabalhos forçados os prisioneiros de guerra, habitantes de países ocupados e trabalhadores estrangeiros.
Isto, por sua vez, derivou nos assassinatos massivos, muitos deles nos campos de concentração cujos terrenos eram de propriedade da IG Farben e de que se guarda uma lamentável lembrança: Auschwitz. Mas a empresa não só colaborou com esses terrenos. Também fabricou o gás Zyclon B, utilizado para exterminar judeus nesse e em outros campos de concentração. Depois da Segunda Guerra Mundial, a IG Farben se fragmentou nas empresas Bayer, BASF e Hoechst, mas nenhuma das três indenizou adequadamente os sobreviventes ou familiares das vítimas.

Quando morria o século XX e depois de uma investigação de nove meses, a Bayer foi responsabilizada pela morte de 24 crianças na remota aldeia andina de Taucamarca, no Peru, ao ingerirem alimentos envenenados com o pesticida metil-paratión, enquanto outras 18 sofreram danos em sua saúde e no seu desenvolvimento a longo prazo. O pesticida, um organofosforado que era comercializado pela companhia com o nome de Folidol, era vendido a pequenos agricultores em toda a zona andina peruana, em sua maioria analfabetos e que somente falam o idioma quéchua. A Bayer empacotava esse pesticida - um pó branco semelhante ao leite em pó e sem odor químico - em pequenas bolsas plásticas, etiquetadas em espanhol e com desenho de um vegetal. No entanto, as etiquetas não ofereciam nenhuma informação de segurança, nem sequer em símbolos, que pudessem ser interpretados pelos habitantes da aldeia. Um informe do Congresso peruano concluiu que a Bayer deveria compensar as famílias afetadas, e estas iniciaram, em outubro de 2001, uma ação judicial contra a empresa e sua subsidiária Bayer-Peru, alegando que deveriam ter tomado medidas para prevenir o mau uso de um produto extremamente tóxico, num local onde predomina o idioma indígena, como no interior do Peru.

Contudo, dois dias depois de iniciada a ação legal, o juiz da Corte Suprema de Lima suspendeu o processo por “questões de procedimento” e concluiu sumariamente, e ilegalmente, que os solicitantes “não haviam requerido de maneira adequada o mérito do caso”. Segundo as leis peruanas, na fase inicial do litígio o juiz só pode determinar se os documentos do processo estão completos ou não, mas não pode pronunciar-se sobre questões de mérito. Outra mostra do poder de uma multinacional, neste caso pressionando ou comprando um juiz? O caso é que as famílias apelaram da sentença ilegal e, pelo que se sabe até agora, aguardam uma nova audiência, e acusam o ministro da Agricultura peruano de não fazer aplicar as normas sobre pesticidas, dado que no país é comum a venda sem controle de pesticidas de “uso restrito”, como o que causou a morte das 24 crianças.

Durante a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento e Sustentabilidade que aconteceu em Johanesburgo, na África do Sul, as famílias afetadas escreveram ao então secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, pedindo que excluísse a Bayer do Pacto Mundial da ONU, devido às ações da empresa no Peru. O Pacto Mundial é uma associação entre a ONU e diversas empresas multinacionais que se comprometem a “respeitar o ambiente e os direitos humanos”. A carta a Annan foi assinada por Victor Huarayo Torres, representando a aldeia de Taucamarca, que teve dois de seus filhos entre as 24 crianças mortas por envenenamento com o pesticida da Bayer, e expressa: “Os pais sofridos de minha aldeia não podem entender como a ONU pode apoiar uma empresa como a Bayer, que continua vendendo seus pesticidas mais tóxicos, classificados pela OMS (Organização Mundial de Saúde) como extremamente perigosos, muitos anos depois de haver prometido publicamente retirá-los, em 1995. Tampouco entendemos por que a ONU respalda a empresa que permitiu a venda de metil-paratión em uma região onde sabia que os residentes não poderiam ler as instruções da etiqueta”.

Apesar de suas famosas aspirinas, a Bayer teve que suportar algumas dores de cabeça, como em maio de 2003, quando uma equipe de advogados da Califórnia apresentou um processo contra a companhia em nome de enfermos hemofílicos. A acusação foi que a Bayer havia vendido, na década de 1980, coagulantes infectados com os vírus da Hepatite C e HIV.

A Bayer rechaçou a acusação, explicando que havia atendido a “normas existentes na época”. Cabe perguntar se essas “normas” tiveram a ver com os manejos da FDA norte-americana, difundidos nessa e outras notas, para julgar a favor dos interesses das multinacionais químico-farmacêuticas. Por outro lado, à Bayer interessava sobretudo colocar o pé em Wall Street para lançar ações na Bolsa de Nova Iorque, o topo a que aspiram chegar todas as grandes multinacionais, e para isso devia ter uma carta de apresentação imaculada.

Assinada seguramente por uma FDA convenientemente “engraxada” e pelo fato de fazer “boa figura” no mundo com seus produtos, e evitando juizes e processos, ao menos tinha que conseguir aquele objetivo. No entanto não foi tão fácil, já que teve de retirar do mercado o Lipobay (Cerivastatina), um medicamento para combater o colesterol que não havia sido devidamente testado, que ocasionou milhares de mortes por infartos e outras doenças cardíacas. A criminosa atuação da Bayer com esse medicamento obedeceu à sua necessidade de encontrar um nicho no mercado de medicamentos contra o colesterol, ocupado por multinacionais norte-americanas. Necessidade e urgência que demonstram, mais uma vez, que os interesses desses grandes grupos estão muito acima da ética e da saúde a que dizem servir.

De todas as maneiras, a Bayer não sofreu neste caso os efeitos de nenhum processo. É que as multinacionais farmacêuticas integram uma parte destacada da chamada Mesa Redonda Européia de Indústrias, que se reúne periodicamente com altos conselheiros da União Européia para definir as “linhas gerais” de cada setor. E, como citei anteriormente, a Bayer dispõe de 400 ex-executivos da empresa que agora são parlamentares regionais ou nacionais, que a multinacional reúne mensalmente para pressionar ou tê-los sob controle, daí que não haja nada de anormal em que o governo alemão a tenha absolvido de toda responsabilidade, negando-se a iniciar qualquer ação jurídica, apesar das contundentes provas contra ela.

A globalização tem permitido que se desenvolva uma nova forma de poder, a farmacocracia, capaz de decidir que doenças e que doentes merecem cura. É assim que 90% do orçamento da indústria farmacêutica para pesquisas e desenvolvimento de novos medicamentos é destinado a doenças que acometem só 10% da população mundial. Um terço dela carece de cuidados médicos adequados. A cobiça das multinacionais do setor, a burocracia e a corrupção dos próprios governos dos países empobrecidos têm possibilitado que mais de 2 bilhões de pessoas se vejam privadas do direito à saúde

Outro exemplo do desprezo desses grandes grupos pela humanidade, se deu quando, no começo de 2003, o India Committee of the Netherlands publicou um informe segundo o qual as multinacionais Bayer, Monsanto, Unilever e Syngenta exploravam o trabalho infantil na produção de sementes na Índia.
Para concluir com mais algumas amostras do que realmente representa a Bayer além de suas famosas aspirinas, podemos dizer que esta companhia, uma das que mais comercializa herbicidas, o faz com alguns que têm ocasionado lesões graves em pessoas e animais, especialmente no Terceiro Mundo, onde os grandes grupos químico-farmacêuticos encontram um campo fértil para que seus venenos sejam aceitos e vendidos. Assim ocorreu com o Baysinton, utilizado no cultivo de café; Gaúcho, usado nas plantações de girassol; e o muito perigoso vermífugo Fenamifos (Nemacur)

Em todo caso, estas multinacionais sempre vão estar cobertas em todos os flancos possíveis, ainda que os “mecanismos políticos habituais” cheguem a falhar, se colocam em marcha outros planos.

AÇÃO E REAÇÃO

Desses planos bem pode dar conta o colombiano Germán Velásquez, Doutor em Economia e diretor do Programa Mundial de Medicamentos da OMS, que se atreveu a publicar um estudo em que recomenda, entre outras coisas, a elaboração de medicamentos genéricos e a eliminação das patentes, além de se colocar contra os tratados de livre comércio (TLC) que com tanta urgência e pressões os Estados Unidos impõe ao mundo. Desde então este homem vive sob ameaças de morte.

Em maio de 2001 ele foi atacado no Rio de Janeiro por um desconhecido que lhe roubou a carteira, lhe golpeou e com uma navalha lhe deixou com uma cicatriz de 16 centímetros. O que havia parecido um simples ataque adquiriu outro aspecto em Miami, quando Velásquez assistia a uma reunião da OMS: uma noite em que caminhava pela Lincoln Road foi abordado por homens que lhe golpearam e o ameaçaram de morte. Quando estava estendido no chão, seus atacantes disseram: “Esperamos que tenha aprendido a lição do Rio. Pare de criticar a indústria farmacêutica”. A questão ficou mais clara.

Velásquez denunciou o fato à polícia de Miami e comunicou de imediato à sede da OMS. Segundo informou na época o diário espanhol El Mundo, em seu regresso a Genebra tudo parecia ter voltado à normalidade, mas, dez dias depois, o telefone tocou em sua casa durante a noite e uma voz lhe perguntou em inglês: “Está com medo?”. Quando Velásquez perguntou quem era, a voz respondeu: “Miami, Lincoln Road”. Desde esse momento não havia mais dúvidas de que a vida de um funcionário da OMS estava em perigo, tanto em sua casa como no estrangeiro. Duas semanas depois se repetiu a chamada advertindo-o que não assistisse a reunião – que posteriormente aconteceu, e que Velásquez participou de qualquer maneira – da Organização Mundial de Comércio (OMC), para discutir sobre a relação entre o direito à saúde e a propriedade intelectual dos medicamentos essenciais.

Como se fosse pouco, e como outro exemplo dos poderes que protegem os interesses das multinacionais, a então secretária de Estado norte-americana Madeleine Albright sugeriu à diretora da OMS, Gro Harlem Bruntland, que retirasse de circulação o estudo elaborado por Velásquez e, mais ainda, que o despedisse. Mas a funcionária decidiu manter sua posição negativa a esse respeito.

O caso é que Germán Velásquez continua lutando, entre outros aspectos, contra as patentes exclusivistas das multinacionais farmacêuticas, pela livre fabricação de genéricos e para facilitar o acesso dos países pobres aos medicamentos, mesmo sendo obrigado a viver sob permanente proteção policial e de uma patrulha das Nações Unidas. Pressões que lhe impõem as grandes “famílias” da máfia farmacêutica.

O GRANDE NEGÓCIO

A globalização tem permitido que se desenvolva uma nova forma de poder, a farmacocracia, capaz de decidir que doenças e que doentes merecem cura. É assim que 90% do orçamento da indústria farmacêutica para pesquisas e desenvolvimento de novos medicamentos é destinado à doenças que acometem só 10% da população mundial. Um terço dela carece de cuidados médicos adequados. A cobiça das multinacionais do setor, a burocracia e a corrupção dos próprios governos dos países empobrecidos têm possibilitado que mais de 2 bilhões de pessoas se vejam privadas de seu direito à saúde.

Segundo a OMS, milhões de pessoas na África, Ásia e América Latina sofrem as chamadas “doenças esquecidas”, como a dengue hemorrágica, a filariose linfática, a cisticercose, a doença do sono e o Mal de Chagas, que afetam 750 milhões de pessoas e acabam com a vida de meio milhão a cada ano. Doenças causadas geralmente por parasitas, transmitidas por meio de água insalubre e por picadas de insetos; pandemias que caem no esquecimento porque só afetam as comunidades mais pobres; e vítimas que não contam com dinheiro suficiente para um tratamento ou uma medicação adequada.

O caso da AIDS é um exemplo claro da diferença com que são tratadas algumas doenças e outras, segundo o nível aquisitivo de quem as padece. No seu começo era uma enfermidade mortal de que pouco se havia ouvido falar, mas quando passou a afetar pessoas de países desenvolvidos, com capacidade para se fazer ouvir, associar-se e reclamar seu direito à saúde, as multinacionais farmacêuticas desenvolveram medicamentos que converteram a AIDS em uma doença crônica e não mortal. Ainda assim, mais de cinco milhões de pessoas morrem a cada ano por HIV e a maioria dos enfermos – nove em cada dez infectados vivem em países pobres – não podem pagar o tratamento adequado.

A vacina contra a AIDS bem poderia levar anos fechada a chave na caixa forte de alguma multinacional farmacêutica. Para nenhuma delas seria rentável comercializá-la, sobretudo tendo em conta que as pessoas mais expostas a esta doença não poderiam pagá-la e que os doentes dos países desenvolvidos pagam importantes somas de dinheiro para seu tratamento. Este é um dos abundantes capítulos que povoam o particular código de “ética” dos grandes grupos químico-farmacêuticos.

O diretor do Programa Mundial de Medicamentos da OMS, nosso já conhecido e ameaçado Germán Velásquez, no Colóquio “Saúde e Desenvolvimento: os desafios do século XXI”, efetuado na Europa em 2004, explicou que “as patentes dos medicamentos podem estar bloqueando o desenvolvimento em vez de potencializá-lo, pois se trata de um monopólio que pratica altos preços”. Assinalou também que o mercado dos medicamentos, “em vez de regras negociadas por todos e no interesse de todos, muitas decisões da Organização Mundial do Comércio são tomadas a portas fechadas e protegem interesses especiais”, e ao referir-se à situação sanitária na África sublinhou: “atualmente está se cometendo esse crime com um continente inteiro e suas vítimas se podem contar em milhões”. Em outro tópico, e referindo-se ao tema da AIDS, expressou que “é uma vergonha que 99% das pessoas que têm acesso aos antirretrovirais vivam em países desenvolvidos, sendo que 75% das pessoas de todo o planeta vivem em países pobres, onde se vende 8% de todos os medicamentos do mundo”.

Em relação aos medicamentos genéricos - outra das batalhas, em muitos casos desigual, porque que lutam alguns países do Terceiro Mundo contra as multinacionais farmacêuticas, que são muito mais baratos que os patenteados por estas -, a Índia encabeça a produção mundial, e os exporta a vários países da Ásia e inclusive a alguns países em desenvolvimento. Mas também está enfrentando nos tribunais, entre outras, a investida do laboratório Novartis, um dos “grandes” do setor, já que o governo indiano lhe negou uma solicitação de patente para introduzir o Glivec, um medicamento contra o câncer. No momento as empresas indianas continuam produzindo seu similar genérico, que custa só 2.700 dólares por paciente e por ano, frente à versão da Novartis, cujo valor é dez vezes maior, 27.000 dólares, também por paciente e no mesmo período.

Por sua parte, a Tailândia emitiu recentemente uma licença obrigatória para quebrar a patente do Efavirenz, um produto do laboratório Merck contra o HIV, a fim de importar o genérico de fabricação indiana.

As Filipinas estão travando uma batalha legal contra a empresa Pfizer para poder importar da Índia uma versão do Norvasc, um remédio para pacientes com problemas cardíacos. Certamente que as multinacionais do setor reagem com artifícios, ações e todo tipo de artigos jurídicos contra estas expressões de independência sanitária dos países que se atrevem a colocá-las em juízo. Não é para menos, se levarmos em conta, por exemplo, que em relação ao Norvasc, a empresa Pfizer obtém nas Filipinas 60 milhões de dólares anuais só com a venda desse medicamento, faturando mais do que o dobro do preço vigente em outros países, aproveitando-se também de que nas Filipinas as doenças cardíacas são a principal causa de morte.

é que centenas de milhares de pessoas poderiam salvar suas vidas se os países desenvolvidos assegurassem que seus compromissos de Doha, Qatar, durante a reunião da Organização Mundial do Comércio, em matéria de legislação de patentes, compromissos nunca assumidos efetivamente até o momento, proporcionem um equilíbrio entre direitos e obrigações, garantindo assim que as vidas das pessoas se anteponham aos benefícios econômicos das indústrias farmacêuticas.

RUMSFELD E A GRIPE AVIÁRIA

O tema da gripe aviária alcançou altos níveis midiáticos em anos anteriores. Em pouco tempo, depois de alcançar também altos níveis de alarme entre a população mundial, as águas começaram a baixar. Por um lado se dizia que a pandemia de gripe aviária – comparando-a com a influenza ou “gripe espanhola”, que custou cerca de 50 milhões de vidas no planeta entre 1918 e 1920 – custaria por sua vez outros vários milhões de vidas, especialmente nos países pobres. Mas logo apareceram algumas estatísticas que divergiam desse alarme, ainda mais estando o mundo a quase cem anos daquele período, em que a tecnologia e a elaboração de medicamentos era praticamente incipiente. Essas estatísticas mostram que desde quando foi detectado o vírus da gripe aviária no Vietnã, há nove anos, não chegaram a cem o número de vítimas que morreram, uma média de onze mortes por ano, e em todo o mundo. Se bem que não devemos ficar tranquilos, exagerando a confiança, ainda não dá para nos assustarmos demasiadamente.

Todavia, a aparição do vírus H5N1, nome científico do que causa a gripe aviária, caiu bem a um homem que encontrou a desculpa para lançar outra de suas guerras preventivas: o presidente norte-americano George W. Bush, que rapidamente fez soar o alarme para que o mundo se amedrontasse. É que havia surgido uma poderosa arma preventiva, que tinha bastante a ver com seu braço direito em lançar guerras aqui e ali: o inefável Donald Rumsfeld. Trata-se do antiviral Tamiflu, comercializado pela empresa farmacêutica suíça Roche, que em pouco tempo converteu-se na galinha dos ovos de ouro: as entradas por sua venda passaram de 254 milhões de dólares em 2004, a um bilhão em 2005. Além do mais, com um teto imprevisível no futuro, tendo-se em vista a grotesca reação dos governos ocidentais ao efetuarem pedidos massivos do medicamento. Não obstante, a realidade é que a eficácia do Tamiflu é questionada por grande parte da comunidade científica: muitos se perguntam como se espera que pode servir ante um vírus mutante, quando apenas alivia alguns sintomas, e nem sempre, da gripe comum e corrente. Uma breve história talvez aclare algo sobre a questão. 
As ligações perigosas entre grandes multinacionais químico-farmacêuticas, o alarme mundial sobre uma suposta pandemia de gripe aviária e o ex-secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld


Como bem assinala o Dr. José Antonio Campoy, diretor da “Discovery Salud”, até o ano de 1996 o Tamiflu era propriedade da empresa Gilead Sciences Inc, que nesse ano vendeu a patente aos laboratórios Roche. E quem era então seu presidente? Pois nada mais nada menos que o até pouco tempo secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, a quem recordamos, em artigo anterior, vinculado naquele momento ao laboratório Searle, logo adquirido pela multinacional Monsanto, criadora de um adoçante de trágicos antecedentes como o aspartame, comercializado sob os nomes de Nutrasweet e Equal, e componente hoje em dia da maioria dos adoçantes e produtos marcados como “não calóricos” ou “livre de açúcar”, que pululam no mundo, algo a que também nos referimos em um artigo anterior.

Cabe destacar que Rumsfeld continua hoje vinculado à Gilead Sciences Inc. como um dos seus principais acionistas. O caso é que quando se começou a falar em gripe aviária, a Gilead quis recuperar o Tamiflu, alegando que a Roche não fazia suficientes esforços para fabricá-lo e comercializá-lo. Que teve força suficiente para obtê-lo - força em que provavelmente teve sua parte o então secretário de defesa - demonstra o fato de que ambas as empresas se sentaram para negociar, acordando rapidamente constituir comitês conjuntos. Uma encarregada de coordenar a fabricação mundial do medicamento e decidir sobre a autorização a terceiros para fabricá-lo, e outra para coordenar a sua comercialização nos mercados mais importantes, incluindo os Estados Unidos. A tudo isto há que agregar mais um detalhe: a Roche já dominava 90% da produção mundial de anis estrelado, planta que cresce fundamentalmente na China, e se encontra também no Láos e na Malásia, e que é a base do Tamiflu.

Assim foi se completando o cenário. Só faltava começar a encontrar, pouco a pouco, e em distintos países, algumas aves contaminadas com o vírus - uma galinha aqui, dois patos ali -, para criar assim o alarme mundial com a ajuda de cientistas e políticos sem escrúpulos ou de escassa capacidade intelectual, e dos grandes meios de comunicação, que, como todos sabem, não se caracterizam precisamente por investigar o que publicam ou omitem.

E o que tem a ver Rumsfeld com tudo isso? Pois nada absolutamente, se nos atermos a sua resposta, claro. De acordo com um comunicado emitido pelo Pentágono (outra fonte “segura”), o então secretário de Estado não interveio nas decisões que tomou o governo de seus amigos, o presidente Bush e o vice-presidente Dick Cheney, sobre as medidas preventivas que havia de se adotar frente à “ameaça de pandemia”. O comunicado afirma que ele se absteve e não teve nada a ver com a decisão da administração norte-americana de aconselhar e apoiar o uso do medicamento Tamiflu em nível mundial. Portanto, temos que acreditar. Como quando assegurou solenemente que no Iraque havia armas de destruição em massa.

lém do mais, o fato de que seu nome também tenha aparecido unido a uma vacinação generalizada contra uma suposta gripe, que deu certo durante a presidência de Gerald Ford, na década de 1970, e que teve como resultado mais de 50 mortes causadas por efeitos colaterais, não é mais que uma coincidência.
Como também é coincidência que a FDA aprovou o aspartame depois de três meses que Rumsfeld se incorporara ao gabinete de Ronald Reagan, em que pese que em dez anos de pesquisas sobre o produto não se havia tomado nenhuma decisão.

Supostamente, Rumsfeld também não teve nada a ver, depois do atentado às Torres Gêmeas, com a compra do Vistide, medicamento adquirido massivamente pelo Pentágono para evitar os efeitos colaterais que a vacina contra a varíola poderia provocar entre os soldados enviados ao Iraque. Além disso, que o Vistide também era produzido pelo laboratório Gileard Sciences Inc., criador do Tamiflu, é outra coincidência.

Não devemos pensar mal de Donald Rumsfeld, em todo caso, por acompanhar de perto todas as informações que apareceram sobre a gripe aviária, e pelas propostas de encher as farmácias de Tamiflu. Talvez não seja um medicamento muito eficaz contra a gripe aviária, mas ao menos poderá evitar, com um pouco de sorte, um modesto resfriado.

OS LABORATÓRIOS DE FRANKENSTEIN

Concluindo a trilogia de artigos em que temos exposto, para a consideração dos leitores, os desastres mundiais contra a humanidade provocados por multinacionais químicas como a Monsanto e Dow Chemical, entre outras; os graves problemas de saúde gerados pelo Nutrasweet, seus derivados e os demais adoçantes cuja base é o aspartame; expomos agora os atentados contra a saúde que também cometem as multinacionais farmacêuticas para criar novos produtos ou melhorar os já existentes, realizando experiências aberrantes.
A companhia Procter & Gamble (P&G) - dedicada à criação e comercialização de produtos que vão desde sabonetes, xampus, diversos cosméticos e artigos femininos como absorventes higiênicos e tampões, e que não faz muito tempo estendeu suas ações ao ramo farmacêutico - como a Nestlé e a Colgate-Palmolive - vem sendo acusada nos últimos tempos de levar a cabo experimentos cruéis com animais, para testar elementos químicos, cosméticos ou alimentos balanceados.
A organização britânica “Uncaged”, que luta pelos direitos dos animais, acusa a Procter & Gamble de realizar experiências dolorosos, invasivas e letais em cães, gatos e outros animais. Algumas das pesquisas mencionadas são induzir alergias severas em cachorros Siberian Husky e provocar a morte de gatos com abomináveis experimentos invasivos.
Por sua vez, a PETA (People for Ethical Treatment for Animals), outra entidade protetora de animais com mais de um quarto de século de trajetória, com sede na Virgínia, Estados Unidos, conseguiu introduzir-se em um dos laboratórios da IAMS, empresa adquirida em 1999 pela P&G, e declarou haver encontrado cachorros que viviam em total confinamento em jaulas de escassas dimensões, outros a que extirparam as cordas vocais, e alguns animais morrendo em suas jaulas, abandonados e sofrendo horrores sem nenhuma assistência veterinária.
As experiências - denunciadas em várias oportunidades e que motivaram protestos de ativistas em vários países, encabeçados pela “Uncaged”, com um dia de boicote à P&G em maio de 2005, repetido exatamente um ano depois - incluem queima de pele de animais com ácidos, introdução de poeira nos olhos e outras lindezas pelo estilo. Supostamente tudo em nome da ciência.
Por sua vez, a Nestlé Purina Petcare segue fazendo experimentos desde 1926 em um complexo localizado em Saint Louis, Missouri (casualmente vizinho da Monsanto), onde alojam cerca de 600 cães e 500 gatos em treze edifícios. Eles mesmo publicam suas pesquisas - entre elas, aparecem certos estudos em que induzem falhas renais em cachorros e outros animais, para depois testar a cura com uma dieta de baixa proteína - em periódicos científicos, com o fim de engordar as carreiras e currículos de seus pesquisadores.
A empresa Colgate-Palmolive realiza suas pesquisas no Hill´sPet Nutrition, em Topeka, Kansas (EUA). Há alguns anos, a União Britânica contra a Abolição da Vivisecção publicou detalhes de uma experiência feita pela empresa na Universidade de Columbia, em que aprisionavam cobaias em pequenos tubos de plástico e lhes aplicavam uma forte solução de sulfureto quatro horas por dia, durante três dias. O que causava lacerações e sangramentos na pele dos animais.
Expusemos aqui, em suma, alguns exemplos com que nos obsequiam as multinacionais químicas e farmacêuticas - em boa parte dos casos ocultando-os, disfarçando ou desmentindo e atacando quem se atreva a denunciar, criticar ou opor-se por qualquer meio a seus desígnios -, e que nos deixam uma pergunta praticamente incontestável: em vista dos efeitos nocivos de muitos produtos elaborados pelas grandes empresas do setor, muitos deles inalcançáveis para grande parte da população mundial por seu alto custo, ou por nem chegarem a seus países, e pela monopolização exercida por essas multinacionais em razão do patenteamento dos fármacos, o que podemos consumir? Como podemos nos defender do envenenamento causado por determinados produtos químicos e por medicamentos não devidamente comprovados? Quem nos protegerá contra tantos abusos? Possivelmente só nós mesmos tenhamos a última palavra
* Publicado originalmente em www.ecoportal.net.



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