quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

HONDURAS: SIMULACRO DE ELEIÇÃO FOI SÓ ABSTENÇÃO RECORDE E REPRESSÃO

Resistência ao Golpe apurou que o arremedo de eleição contou apenas com 35% dos eleitores. Tropas da ditadura espancaram repórter da Reuters, prenderam mais de 30 cidadãos, inclusive dois observadores, e um hondurenho foi assassinado



O arremedo de eleição em Honduras do último domingo foi marcado por uma abstenção recorde na capital Tegucigalpa e no país inteiro; mais de 30 prisões na segunda maior cidade do país, San Pedro Sula, inclusive a de dois observadores; muitos manifestantes espancados e até mesmo um jornalista da Reuters; uma emissora de TV fechada; sindicatos e universidades sob mira de fuzis; e pelo menos um morto. Como assinalou o presidente legítimo Manuel Zelaya, a eleição não resolveu nada, só acrescentou mais um problema, o da fraude eleitoral.


Durante a Cúpula Ibero- americana realizada no final de semana no Estoril, em Portugal, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva reafirmou que não havia porque “repensar” sobre Honduras: “trata-se de firmar posição contra um processo eleitoral coordenado por golpistas” – o que serve de “alerta a outros aventureiros”. Dias antes, o chanceler Celso Amorim havia dito que reconhecer eleições sob golpe era admitir a “tese do golpe preventivo”. Na segunda-feira, uma carreata comemorou na capital o atendimento do povo à convocação da Frente de Resistência ao Golpe para um “toque de recolher cívico” na hora da farsa eleitoral.


AUSÊNCIA DE 65%



A Frente anunciou que a abstenção chegou a 65% dos votantes, a maior da história hondurenha, ou seja, o comparecimento foi de apenas 35%, baseando-se nos relatos vindos do país inteiro. Também comunicou que não iria reconhecer o governo manufaturado por essa via, e que a luta por Zelaya e pela convocação de uma Assembléia Constituinte continuava. O presidente legítimo confirmou, com base em atas de mais de 2 mil postos de votação, que lhe foram passados, que a ausência de eleitores fora de 65%. No entanto, após mutismo de quatro horas, o tribunal eleitoral dos golpistas inverteu tudo, declarou um comparecimento de 65% - 10% maior do que na eleição de Zelaya – e até mesmo “a falta de tinta marcadora de dedo” por causa da “afluência em peso dos eleitores”.



Curiosamente, a TV Globo, e o site da casa, o G1, através do enviado José Roberto Burnier, descreveram outra coisa no domingo. “Burnier visitou locais importantes de votação, e conta que o movimento estava pequeno na primeira parte do dia, aumentando um pouco à tarde. Em um dos redutos de Zelaya, na periferia de Tegucigalpa, algumas pessoas foram aos locais de votação para dizer que não iriam votar. Mesmo no reduto de Michelleti o movimento era pequeno”. No “Fantástico”, manifestantes, em bairros populares, fizeram questão de gesticular com um “não”, à pergunta de se haviam votado. Relatava ainda o G1: “enviado da TV Globo conta que o movimento é fraco nas urnas”. Uma hora e meia antes de as urnas fecharem – a votação acabou sendo esticada por mais uma hora -, informava Burnier que “o grande temor que se têm no governo interino de Roberto Michelleti é que o índice de abstenção seja alto”.



Mas nem mesmo um comparecimento menos desastroso dos eleitores, sob coação da ditadura, como faziam o Stroessner ou o Salazar, mudaria o fato de que se tratava de uma eleição “com vício de origem” – debaixo de golpe, seqüestro do presidente e sua expulsão do país, ainda de pijama. De um jeito ou outro, uma fraude. Mas a grande maioria da América Latina, assim como o Brasil, não reconhece o regime golpista, nem seu rebento, a “eleição de domingo, 29” - como Argentina, Uruguai, Chile, Bolívia, Equador, Venezuela, Nicarágua, El Salvador. A União Européia recusou enviar observadores à eleição. A ONU retirou o apoio; sequer o Centro Carter (do ex-presidente dos EUA) aceitou enviar observadores. A maioria dos que foram era do “Instituto Republicano Internacional”, presidido por John McCain, de ongs financiadas pela Usaid e por várias fachadas da CIA, e de ex-presidentes neoliberais escorraçados de seus países. Também teve aquele deputado pernambucano, que já estivera lá degustando uns canapés com Michelleti, que ouviu de mesários que o comparecimento estava sendo forte.



Já o governo dos EUA passou a assumir abertamente a sustentação dos golpistas, com o cínico pretexto de que a fraude eleitoral iria abrir caminho para a restauração da democracia, sem que fosse preciso devolver o poder ao presidente legítimo. O “mediador” indicado pelos EUA, o presidente da Costa Rica Oscar Árias, também saiu em defesa da tese de Washington. Chegou ao extremo de dizer que o fato de o Brasil reconhecer o resultado da eleição no Irã, e não reconhecer a eleição em Honduras era um “duplo padrão”. Teve de ouvir que o governo que promoveu a eleição no Irã era reconhecido internacionalmente, e que o que assaltou o poder em Honduras não era reconhecido por país nenhum. Panamá, Colômbia e Israel já disseram que “vão reconhecer”. No final do domingo, o candidato do Partido Nacional, Porfírio “Pepe” Lobo se declarou vencedor, e o preferido de Michelleti – e, dizem, da Embaixada dos EUA -, Elvin Santos, concedeu a derrota.
ANTONIO PIMENTA

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