domingo, 22 de novembro de 2009

Mantega e a deletéria estatística americana

Mantega e a deletéria estatística americana
Um dos livros mais engraçados da literatura norte-americana é “How To Lie With Statistics” (“Como Mentir Com Estatísticas”), de Darrel Huff. Na época em que surgiu (1954), essa obra-prima cômica só poderia ser escrita por um norte-americano, já que nunca houve um país onde se mentisse tanto com estatísticas quanto os EUA do pós-guerra – e até hoje.


Por exemplo, as autoridades “econômicas” norte-americanas têm um jeito muito peculiar de apresentar as estatísticas de crescimento. Pegam o resultado de um trimestre em relação ao anterior e o “anualizam” - isto é, multiplicam por quatro. Se tudo continuasse exatamente do mesmo jeito, ao fim de 12 meses o resultado seria o que eles apresentaram. Como nem a natureza é assim – quanto mais a economia - isso é somente uma fraude com a serventia de esconder pífios resultados. No último trimestre o PIB norte-americano cresceu 0,87% em relação ao trimestre anterior. No entanto, o governo, os jornais, e alguns puxa-sacos pelo mundo, anunciaram que o crescimento dos EUA havia sido de 3,5%...


Essa moda jamais pegou no Brasil. Por alguma razão, nem a ditadura foi capaz de aderir a esse método. Por isso, qual não foi a nossa surpresa ao ver o ministro Guido Mantega afirmar, há alguns dias, que a economia está crescendo a 10% - para quem é distraído, um crescimento maior que o da China.


O que quer dizer isso? Embora o ministro não tenha esclarecido, desconfiamos nós que ele está prevendo um crescimento no terceiro trimestre, em relação ao segundo, de algo em torno de 2,5%, o que, anualizado ao modo norte-americano, daria 10%. Em suma, uma deletéria influência estatística ianque parece ter acometido o ministro.
Não há país do mundo com melhores condições para crescer do que o Brasil. Nem a China tem o nosso “potencial de competitividade” (para usar outra expressão do ministro). Aliás, não seria a primeira vez: de 1930 até 1980, fomos o país de economia não-socialista que mais cresceu em todo o mundo.


Para isso, certamente, não foi necessário mudar nossos critérios estatísticos. E, se fosse, isso nada teria a ver com o crescimento que obtivemos. O que fizemos foi basear a economia no mercado interno, usar os recursos do Estado para financiar nossas empresas, protegermo-nos das invasões predatórias de mercadorias importadas, gerenciar o câmbio de acordo com os interesses do país e construir empresas públicas onde elas eram necessárias – e continuam a ser: como lembrou um engenheiro de telecomunicações outro dia, há dúvida de que a Petrobrás é muito melhor administrada do que a Telefónica?


No momento, por exemplo, o ministro declarou-se um apóstolo do câmbio “flutuante”, no momento em que os EUA movem uma guerra cambial contra os outros países. Ao contrário do que disse o seu antecessor no cargo, o problema do câmbio “flutuante” não é a sua faculdade de flutuar. Pelo contrário, o problema do câmbio “flutuante” é que ele não flutua. Apenas segue as manipulações especulativas. Mais exatamente: ”flutuante” quer dizer que, em vez do câmbio ser administrado pelo Estado em prol dos interesses do país, ele está sendo administrado pelos bancos e demais monopólios financeiros externos, em prol dos seus interesses. Só isto e nada mais.


A macaqueação – seja das formas exóticas de confeccionar estatísticas, seja das formas de tratar o câmbio, ou seja lá do que for - não é uma boa assessora para ninguém. Muito menos para o nosso bravo ministro da Fazenda.


C.L.



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