sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Crise dos monopólios da mídia impressa*

Crise dos monopólios da mídia impressa*

IGNÁCIO RAMONET

O desastre é descomunal. Dezenas de jornais estão falindo. Nos Estados Unidos já fecharam pelo menos cento e vinte. E o tsunami golpeia agora a Europa. Nem sequer se salvam os outrora “jornais de referência”: El País na Espanha, Le Monde na França, The Times e The Independent no Reino Unido, Corriere della Sera e La Repubblica na Itália, etc. Todos eles acumulam fortes perdas econômicas, baixa da difusão e queda da publicidade (1).

O prestigiado New York Times teve que solicitar a ajuda do milionário mexicano Carlos Slim; a empresa editora de The Chicago Tribune e de Los Angeles Times, assim como a Hearst Corporation, dona do San Francisco Chronicle, caíram na bancarrota; News Corp, o poderoso grupo multimídia de Rupert Murdoch que publica o Wall Street Journal, apresentou perdas anuais de 2.500 milhões de euros...

Para cortar despesas, muitas publicações estão reduzindo seu número de páginas; o Washington Post fechou o seu prestigiado suplemento literário Bookworld; o Chris-tian Science Monitor decidiu suprimir a sua edição em papel e existir só na Internet; o Financial Times propõe semanas de três dias aos seus redatores e reduziu drasticamente os trabalhadores.

As demissões são em massa. Desde janeiro de 2008 foram suprimidos 21.000 empregos nos jornais norte-americanos. Na Espanha, “entre Junho de 2008 e Abril de 2009, 2.221 jornalistas perderam o seu posto de trabalho” (2).

A imprensa diária escrita por assinatura encontra-se à beira do precipício e procura desesperadamente fórmulas para sobreviver. Alguns analistas consideram obsoleto esse modo de informação. Michael Wolf, da Newser, prevê que 80% dos diários norte-americanos desaparecerão (3). Mais pessimista, Rupert Murdoch prevê que, na próxima década, todos os diários deixarão de existir...

O que é que agrava tão letalmente a velha decadência da imprensa escrita diária? Um fator conjuntural: a crise econômica global que provoca a redução da publicidade e a restrição do crédito.

E que, no momento mais inoportuno, veio se somar aos males estruturais do setor: a mercantilização da informação, a adição à publicidade, a perda de credibilidade, a queda de assinantes, a concorrência da imprensa gratuita, o envelhecimento dos leitores...

Na América Latina acrescenta-se a isso as necessárias reformas democráticas empreendidas por alguns governos (Argentina, Equador, Bolívia, Venezuela) contra os “latifúndios de mídia” de grupos privados em situação de monopólio. Esses grupos desencadearam, contra esses governos e os seus presidentes, um monte de calúnias difundidas pelos despeitados meios de comunicação dominantes e seus cúmplices habituais (na Espanha: o diário El País, que faz carga contra o primeiro ministro José Luis Rodriguez Zapatero) (4).

A imprensa diária continua praticando um modelo econômico e industrial que não funciona. O recurso de construir grandes grupos multimídia internacionais, como aconteceu nos anos 1980 e 1990, já não serve diante da proliferação dos novos meios de difusão da informação e de lazer, pela Internet ou pelos telefones celulares (5).

Paradoxalmente, nunca os jornais tiveram tanta audiência como hoje. Com a Internet, o número de leitores cresceu de forma exponencial (6). Mas a articulação com a Rede continua sendo desafortunada. Porque estabelece uma injustiça ao obrigar o leitor de banca, o que compra o jornal, a subsidiar o leitor da tela que lê gratuitamente a edição digital (mais extensa e agradável). E porque a publicidade da versão web não compensa, ao ser muito mais barata que na versão de papel (7).

Perdas e ganhos não se equilibram.

Caminhando às cegas, os jornais procuram desesperadamente fórmulas para enfrentar a hiper-mudança e sobreviver. Seguindo o exemplo do iTunes, alguns pedem micro-pagamentos aos seus leitores para deixá-los aceder em exclusivo às informações online (8). Rupert Murdoch decidiu que, a partir de Janeiro de 2010, exigirá pagamento por qualquer consulta do Wall Street Journal mediante qualquer tecnologia, sejam os telefones Blackberry ou iPhone, Twitter ou o leitor eletrônico Kindle. O Google está pensando numa receita que lhe permita cobrar por toda a leitura de qualquer jornal digital e reverter uma parte à empresa editora.

Bastarão esses remendos para salvar o doente terminal? Poucos acreditam nisso (leia-se o artigo de Serge Halimi “O combate do Le Monde Diplomatique”). Porque a tudo o que se disse acima se soma o mais preo-cupante: a perda da credibili-dade. A obsessão atual dos jornais pelo imediatismo leva-os a multiplicar os erros. O demagógico apelo ao “leitor jornalista” para que pendure na web do jornal o seu blog, as suas fotos ou os seus vídeos, aumenta o risco de difundir erros. E adotar a defesa da estratégia da empresa como linha editorial (coisa que hoje fazem os diários dominantes) conduz a impor uma leitura subjetiva, arbitrária e partidária da informação.

Frente aos novos “pecados capitais” do jornalismo, os cidadãos sentem-se atingidos nos seus direitos.

Sabem que dispor de informação fiável e de qualidade é mais importante que nunca. Para eles e para a democracia. E perguntam-se: Onde buscar a verdade? Os nossos leitores assíduos conhecem (uma parte da) a resposta: na imprensa realmente independente e crítica; e obviamente, nas páginas do Le Monde Diplomatique.

Notas:
(1) Inés Hayes, “En quiebra los principales diarios del mundo”, América XXI, Caracas, Abril de 2009.
(2) Segundo a Federação de Associações de Jornalistas de Espanha, Madrid, 13 /04/ 2009.
(3) The Washington Post, 21 de Abril de 2009.
(4) Sobre os ataques de El País contra Zapatero, leia-se Doreen Carvajal, “El País in Rare Break With Socialist Leader”, The New York Times, 13 de Setembro de 2009.
(5) Luis Hernández Navarro, “La crisis de la prensa escrita”, La Jornada, México, 3 de Março de 2009.
(6) Leia-se o informe: “Newspapers in Crisis”: emarketer.com
(7) Em 2008, la audiência do New York Times na Internet foi dez vezes superior à da sua edição impressa, mas os seus lucros em publicidade na Rede foram dez vezes inferiores aos da edição de papel.
(8) Leia-se: Gordon Crovitz, “El futuro de los diarios en Internet”, La Nación, Buenos Aires, 15 de Agosto de 2009, e El País, Madrid, 11 de Setembro de 2009.
Ignácio Ramonet foi editor do jornal Le Monde de 1990 a 2008
*Publicada no Le Monde Diplomatic com título "A imprensa diária está morrendo"

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