domingo, 27 de setembro de 2009

Crise financeira um ano depois: zero de regulamentação aprovada

“Algumas coisas mudaram dramaticamente com a crise mas o poder político de Wall Street permanece intacto. Nenhuma regra nova foi estabelecida para evitar a recorrência da crise. Como disse o vice-líder da maioria, senador Richard Durbin, os bancos “sãos os donos do pedaço” – isto é, do Congresso”

Faz um ano que a Lehman Brothers declarou falência, culminando o crescente caos em Wall Street.

Nos dias e semanas que se seguiram ao colapso do Lehman de 15 de setembro de 2008, os mercados de crédito congelaram, as bolsas de valores despencaram, o governo assumiu o controle acionário da AIG, Wachovia e Merrill Lynch sofreram fusões para desaparecerem, o Congresso aprovou um plano para gastar US$ 700 bilhões no bailout de Wall Street, o Federal Reserve introduziu uma leva de programas envolvendo trilhões de dólares para socorrer Wall Street e os mercados de crédito, e a economia nacional – e grande parte da economia global – desabaram abruptamente.

Conforme a crise se estendeu, rapidamente se tornou um lugar comum sugerir que nada seria como antes, em Wall Street ou na economia nacional. Os golias de Wall Street tinham sido espezinhados - e muitos tinham caído fora dos negócios, via fusão ou falência. A desregulamentação saiu de moda e mesmo o ex-presidente do Federal Reserve, Allan Greenspan, admitiu que as bases conceituais de seu enfoque pró desregulamentação haviam se mostrado falhas.

Passado um ano, está claro que a sabedoria convencional que emergiu assim que a crise se desencadeou estava errada.

Algumas coisas mudaram dramaticamente – notadamente na economia real – mas o poder político de Wall Street permanece intacto. Nenhuma regra nova foi estabelecida para evitar a recorrência da crise. Permanece em aberto se serão consideradas seriamente quaisquer regras condizentes com a escala da crise – com a importante exceção da uma nova agência de proteção ao consumidor financeiro.

A crise financeira tem tido um impacto devastador sobre as pessoas comuns – e a situação continua piorando, mesmo quando a economia entra no que pode ser uma recuperação potencial.

O crescimento econômico no total caiu em mais de 5% (em uma base anual) no quarto trimestre de 2008 e mais de 6% no primeiro trimestre de 2009.

Graças a esse crash econômico, a taxa oficial de desemprego está quase em
10%, com muitos acreditando que persistirá aí ou próximo de dois dígitos até o final de 2010. A taxa de desemprego real – levando em conta o subemprego e os trabalhadores desencorajados – alcançou assombrosos 16%.

A taxa de pobreza piorou dramaticamente, considerando-se apenas os dados disponíveis para 2008. A taxa de pobreza oficial em 2008 foi de 13,2%, acima dos 12,5% de 2007. Há 39,8 milhões de pessoas vivendo na pobreza em 2008; 2,5 milhões de pessoas a mais que no ano anterior.

A crise das hipotecas continua piorando. Mais de 1,5 milhão de execuções de hipotecas foram expedidas nos primeiros sete meses deste ano. Até a metade de 2009, aproximadamente um terço dos devedores hipotecários estavam ‘submersos’ – significando que eles devem mais do que o valor de suas casas – e o número está crescendo. As hipotecas renegociadas - quase nenhuma tocando no principal – nem de perto se mantêm em dia. O Goldman Sachs fez a projeção de que haverá 13 milhões de execuções de hipotecas entre o final de 2008 e 2014.

As causas do crash financeiro continuam intocadas e em alguns casos pioraram.
Pacotes de premiação fora de controle, ligados à performance nos lucros de curto prazo, levaram os executivos e negocistas de Wall Street e dos grandes bancos a assumirem riscos temerários. Para eles, um jogo de cara nós ganhamos, coroa vocês perdem: se as empresas registrassem lucros de curto prazo, eles recebiam bônus exorbitantes; se houvesse um colapso a longo prazo, os acionistas eram penalizados, mas eles já teriam embolsado seus bônus. Este ano os bônus de Wall Streeet já estão perto de igualarem ou excederem o inflado passo de 2007.

Bancos e outras instituições financeiras que se crêem “grandes demais para quebrar” se engajaram em uma especulação selvagem, com a segurança de que em última instância seriam escorados pelo suporte federal. Esses mastodontes também ajudaram a gerar a crise alavancando seu poder político para arrancar as restrições regula-tórias sobre Wall Street. Agora, graças à série de fusões sob mira de arma, os bancos estão maiores que nunca, e há a combinação em uma só entidade corporativa de operações de banco comercial e de especulação.

A proliferação de instrumentos financeiros exóticos levou à alavancagem massiva e a complicadas interconexões entre as maiores corporações, que ninguém tem como rastrear. O desfecho desses laços levou à queda da AIG, entre outras coisas. Conquanto derivativos financeiros sejam justificados como meio de conceder proteção [“hedge”] contra riscos aos agentes econômicos, ficou constatado que, primariamente, eles são instrumentos especulativos usados esmagadoramente por um pequeno número de especuladores. Esta concentração de apostas especulativas massivas continua, com cinco bancos detendo mais que quatro-quintos do valor nocional de todos os derivativos nos Estados Unidos. O valor nocional dos derivativos em posse desses bancos excedeu US$ 190 trilhões no primeiro trimestre de 2009.

Os anos de euforia no início da década foram turbinados por uma bolha imobiliária e práticas de empréstimo enganosas. A extorsão dos consumidores continua célere – e parece ser central para o modelo de negócios dos bancos. Apenas as taxas sobre saques a descoberto [“overdrafts”] trarão mais de US$ 38 bilhões de receitas para os bancos em 2009.

Entrementes, o público está pagando massiva-mente pela salvação de Wall Street dela própria. O Inspetor Geral Especial incumbido de fiscalizar o bailout estimou que as agências governamentais, incluindo o Federal Reserve, no final das contas terão posto mais de US$ 23 trilhões em vários programas e mecanismos de suporte relacionados com a crise financeira. Esse total é quase três vezes o que foi gasto na II Guerra Mundial, em dólares corrigidos.

A maior parte desses trilhões voltará ao Federal Reserve ou ao Tesouro, mas isso em pouco alivia a escala do investimento público e risco comprometidos para salvar Wall Street. E o Departamento do Tesouro certamente irá perder dezenas de bilhões – muito possivelmente centenas de bilhões – no acerto.

A desregulamentação que levou à crise financeira, a resposta imediata favorável aos bancos, e a falha em impor restrições significativas sobre Wall Street após a crise, tudo isso pode ser rastreado até o poder político de Wall Street. Wall Street gastou mais de US$ 5 bilhões em contribuições às campanhas políticas federais e em lobby de 1998 a 2008, e esse gasto fervente prossegue. Apenas em 2009 o setor financeiro gastou mais de US$ 200 milhões nas ações de lobby.

Na primavera deste ano, os bancos derrotaram uma proposta, sobre a qual havia a expectativa de aprovação, que autorizava os “cramdowns” de hipotecas em bancarrota. Esta modesta medida teria permitido que juizes de falência ajustassem o principal da hipoteca em caso de bancarrota, para ajudar as pessoas a manterem seus lares. Isso teria tido uma aplicação relativamente limitada e possivelmente teria ajudado a salvar os bancos, abalroados por execuções de hipotecas num ambiente onde eles não têm como vender as casas das quais despejaram os devedores. Mas o “cramdown” viola o compromisso ideológico dos bancos de evitar ajustes do principal.

Eles se mobilizaram para derrotá-lo, levando um frustrado vice-líder da maioria, o senador Richard Durbin, a dizer que os bancos “sãos os donos do pedaço” – isto é, do Congresso.

E agora, a “Financial Services Roundtable” [Conferência dos Serviços Financeiros] anunciou abertamente sua intenção de “matar” a mais importante medida das reformas proposta pelo governo Obama: a criação de uma agência de proteção ao consumidor de serviços financeiros. [NR: esta semana o Secretário do Tesouro abriu mão da idéia].

Possivelmente uma das mais elucidativas estatísticas seja o número de leis para reforma do sistema financeiro aprovadas, um ano após do colapso do Lehman Brothers: zero.


*Robert Weissman é presidente da entidade “Public Citizen”. Artigo publicado originalmente sob o título “A Crise Financeira Um Ano Mais Tarde: Quanto Mais as Coisas Mudam, Mais Continuam as Mesmas” no site www.multinationalmonitor.org



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